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Notícia

Centro de Estudos Constitucionais e de Gestão Pública

Direitos Humanos e pena de morte

Publicado por Nestor Sampaio em JusBrasil

O enunciado de um tratado internacional de direitos humanos poderá, em razão do ordenamento constitucional brasileiro, coincidir em seus ditames, ampliá-los ou contrariá-los.

Nesse sentido, quando as normas internacionais e as normas internas são coincidentes (e isso é muito comum), o primeiro impacto dos tratados internacionais de direitos humanos ocorre no sentido de enfatizar o conteúdo constitucional de certos direitos e garantias, porque muitos deles estão expressos na CF e são repetição do contido nesses pactos, de sorte que eventual violação implicará não apenas responsabilização na ordem interna, mas também no âmbito internacional.

Assim, além do reforço do conteúdo constitucional dos direitos e liberdades fundamentais, também se concretiza a maior facilidade de seu conhecimento e aplicação. Além disso, na hipótese de os tratados consagrarem direitos não descritos na CF, surge um segundo impacto, no sentido de que tais tratados acabam por ampliar o universo de direitos humanos, integrando a CF com novos direitos, por exemplo, o direito de não ser submetido a experiências médicas ou científicas sem anuência do próprio indivíduo (art. 7º, 2ª parte, do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos) e o direito da criança menor de 15 anos de não ser recrutada pelas Forças Armadas para participar diretamente de conflitos armados (art. 38 da Convenção sobre os Direitos da Criança) e inúmeros outros.

E, por último, caso ocorra um virtual conflito entre o Direito Internacional dos Direitos Humanos e o Direito interno, como terceiro impacto aparece a prevalência da norma mais favorável à vítima (princípio pro homine), como no caso da prisão civil por dívida do depositário infiel, permitida pela CF e abolida pelo Pacto de San José da Costa Rica.

Aqui, em especial, o Brasil ratificou o Pacto de San José sem restrições, de sorte que a norma mais benéfica à vítima deve prevalecer sobre a Carta, na lição da melhor doutrina, agora tutelada pela súmula vinculante n. 25 do STF (“É ilícita a prisão civil de depositário infiel, qualquer que seja a modalidade do depósito”.).

É bem de ver um breve histórico do direito pretoriano até a edição da súmula sobredita. Em função da Emenda Constitucional n. 45/2004, no que toca aos tratados e convenções internacionais que disponham sobre direitos humanos, o Congresso Nacional poderá incorporá-los com status ordinário (art. 49, I, da CF) ou constitucional (art. 5º, § 3º, da CF).

Até então, o STF adotava posição no sentido de que tais tratados eram incorporados ao Direito brasileiro com status de norma ordinária. Ocorre, porém, que referida Emenda Constitucional n. 45, de 8 de dezembro de 2004, acrescentou o § 3º ao art. 5º, dispondo que, doravante, os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos poderão ser ratificados em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, e, se aprovados, serão equivalentes às emendas constitucionais. Depois de mencionada a emenda, após muito tempo com decisões em que o Supremo Tribunal Federal assumia a posição de colocar os tratados internacionais sobre direitos humanos (como é o Pacto de San José da Costa Rica) no mesmo nível de uma lei ordinária, apareceram mudanças de entendimento na Suprema Corte.

Se o Pacto de San José proíbe a prisão do depositário infiel (art. 7º, n. 7), uma lei ordinária posterior (como o Código Civil de 2002) poderia permitir tal prisão (art. 652)?

A resposta a tal indagação, de forma inovadora, surgiu a partir do julgamento do Habeas Corpus n. 87.585-8 Tocantins, no qual o Ministro Celso de Mello proferiu, em 12 de março de 2008, um voto-vista em que passava a atribuir aos tratados internacionais sobre direitos humanos o status de norma constitucional (o acórdão do HC 87.585-8/TO só seria publicado em 26 de junho de 2009).

O julgamento dos Recursos Extraordinários 349703/RS e 466.343/SP, cujos acórdãos foram publicados em 5 de junho de 2009, afastou de vez a ideia antiga de que tratados como o Pacto de San José da Costa Rica têm o mesmo nível que o de uma lei ordinária.

Os ministros Celso de Mello, Cezar Peluzo, Ellen Gracie e Eros Grau defendem que tais tratados têm o mesmo nível hierárquico da Constituição. Já os ministros Gilmar Mendes, Carlos Ayres Britto, Menezes Direito, Cármen Lúcia e Ricardo Lewandowski afirmam que esses tratados ocupam um nível supralegal, isto é, estão abaixo da Constituição, mas acima de todas as leis ordinárias.

Esse último entendimento é o da maioria, e consta no acórdão do RE 349.703/RS:

“o caráter especial desses diplomas internacionais sobre direitos humanos lhes reserva lugar específico no ordenamento jurídico, estando abaixo da Constituição, porém acima da legislação interna”.

Estava esculpida a tese da supralegalidade dos tratados de direitos humanos, ratificados pelo Brasil, antes da vigência da EC 45/2004 (que estabeleceu status constitucional aos tratados de direitos humanos, ratificados após sua vigência, desde que submetidos ao due process of law reservado às emendas constitucionais, cf art. 60, § 2º, CF).

Observado o texto acima, indaga-se: A CF prevê a pena de morte (art. 5º, XLVII, a) e, no entanto, o Brasil ratificou nos anos 90 a Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica) e seu protocolo facultativo (que repudia a pena de morte em qualquer situação jurídica). Diante da suposta antinomia jurídica entre a disposição constitucional brasileira e a norma internacional, qual deve prevalecer? Qual princípio se aplica ao caso? E, finalmente, qual o status jurídico atribuído ao protocolo facultativo (Protocolo de San Salvador) do Pacto de San José da Costa Rica? Assim, para nós, em face do princípio pro homine, como decorrência lógica do sistema há de se aplicar a norma do tratado, de vez que mais benéfica ao homem. E o protocolo facultativo ostenta o status de supra-legalidade, conforme alinhavamos acima.