CECGP

Notícia

Centro de Estudos Constitucionais e de Gestão Pública

Repórter de O ESTADÃO, Arthur Rodrigues, em perguntas dirigidas e respondidas por email para SERGIO TAMER, ex- secretário de Justiça e Administração Penitenciária do Estado, 2011-2012.

1 – Na opinião do sr, o que levou o sistema prisional a essa situação?

A superlotação nos presídios do Maranhão sempre foi crônica, como nos demais estados do Brasil. Em fevereiro de 2013, quando deixei a secretaria de Justiça e Administração Penitenciária, após dois anos de gestão, havia um déficit de 781 vagas, o que correspondia a 22,05% de sua capacidade. Esse número não incluía os cerca de 1.300 presos em delegacias de polícia no interior, sob a jurisdição da secretaria de Segurança Pública, o que aumentaria a demanda para 2 mil vagas. Entre 2011 e 2012, com recursos exclusivamente do Estado do Maranhão, abrimos 983 novas vagas no sistema com ampliações e construção de novas unidades. Somente nos municípios do interior do Estado, a exemplo de Imperatriz, Bacabal, Santa Inês, Davinópolis e Paço do Lumiar, foram abertas 563 novas vagas. Iniciamos uma política de regionalização e chegamos a transferir, do Complexo de Pedrinhas para o interior cerca de 500 presos, todos oriundos dessas localidades. Com a futura inauguração da Penitenciária de Imperatriz, que deixamos com 80% das obras concluídas e da unidade da cidade de Chapadinha, chegaríamos a mil vagas abertas somente no interior. Na capital foram 420 novas vagas às quais foram agregadas, em 2013, mais 120 do novo Centro de Triagem que iniciamos e deixamos 90% concluído. O objetivo era “esvaziar” o Complexo Prisional de Pedrinhas para que ali só permanecessem os presos da capital e excepcionalmente os mais problemáticos do interior, mesmo assim com expressa anuência do juiz da Vara de Execuções Penais da Capital. Com essa política de fazer retornarem os presos ao interior e a oferta de direitos sociais básicos aos presos, com o apoio da Defensoria Pública, do Ministério Público e do próprio Judiciário, conseguimos reduzir o índice de assassinatos no interior das prisões, em relação aos anos de 2009 e 2010, em cerca de 90%: tivemos oito óbitos em 2011 e quatro em 2012. O governo do Estado do Maranhão, portanto, jamais negligenciou em sua missão constitucional, ao contrário, estava trabalhando muito. Com a minha saída houve uma mudança nessa política e pelo que fui informado em menos de um ano chegaram mais de 500 presos do interior oriundos de várias delegacias de polícia. Alguns com sérias desavenças com os que estavam na Capital. Creio que esta repentina elevação no déficit de vagas, vale dizer, na superlotação carcerária, – que era crônica, mas estável – transformou-a em altamente crítica e perigosa para a estabilidade do sistema, com rebeliões e enfrentamentos se sucedendo com frequência, dando avisos e sinais de que algo estava errado.

2 – Como as duas facções adquiriram tamanho poder no Estado?

Realmente não saberia informar objetivamente pois me faltam dados para isso. Na minha gestão esse poder não foi exteriorizado em nenhum momento, apesar de também ter enfrentado muitos problemas com os presos.  No geral, pode-se inferir que essa elevação repentina na superlotação de Pedrinhas, no decorrer dos últimos meses, conforme relatei há pouco, ocasionou uma mistura indesejada e descontrolada de presos da capital e do interior e com regimes jurídicos diferenciados. Esse talvez tenha sido o detonador dos conflitos que eclodiram com extrema violência.

3- O crescimento do quadro de terceirizados no sistema no lugar dos agentes tem a ver com isso?

A terceirização existe em todo serviço público e em todo lugar. O que não pode nesses casos é substituir a função precípua do Estado. Ou seja: o terceirizado que lida diretamente com o preso deverá ser, nas unidades prisionais, sempre uma força complementar, jamais um substituto integral do agente penitenciário. O déficit de agentes penitenciários no Maranhão, considerando-se a recomendação do Conselho Penitenciário Nacional de haver um agente para cada 5 presos – é de 700 profissionais que deveriam somar-se aos 300 em atividades. No início de 2013 foi anunciado concurso com abertura de 41 vagas. Na minha gestão, incluindo-se todo o serviço terceirizado, o custo médio mensal do preso era de R$ 2 mil reais/mês, abaixo da média nacional, e não tivemos problemas de ordem disciplinar, de natureza grave, salvo questões pontuais e rapidamente enfrentadas.

4 – O que causa tamanho número de mortes nos presídios?

A superlotação, com disse, é apenas um ingrediente, mas nem sempre determinante. Em novembro de 2010, ainda sob a gestão da secretaria de Segurança Pública, a unidade prisional denominada “São Luís-2”, em Pedrinhas, foi palco de uma rebelião extremamente violenta que deixou um saldo de 18 mortos com vários presos decapitados. Essa era uma unidade nova, recém construída com verba federal e não estava com a sua lotação excedente. Portanto, a triagem dos presos, a observação constante, a organização, o respeito e a disciplina, tudo isso é fundamental para evitar conflitos de gravidade. É um trabalho que não aparece na mídia mas que é fundamental para a boa saúde do sistema.

5 – Como essa situação se liga com os baixos índices sociais no estado?

Aparentemente não há nenhuma ligação. Estados com alto IDH tem altas taxas de presos, a exemplo de São Paulo, Mato Grosso do Sul, Distrito Federal e Paraná. Há Estados com alto IDH e relativamente baixa taxa de presos: Santa Catarina, Rio de janeiro, Goiás.  Estados com baixo IDH e baixa taxa de presos: Alagoas, Maranhão e Piauí. E estados com baixo IDH e alta taxa de presos: Acre, Rondônia, Roraima.
No Maranhão, a maior porcentagem de presos corresponde à faixa de idade entre os 18 e 24 anos (1.455 presos) e em seguida os que se situam entre os 25 a 29 anos (1072 presos). Ou seja, 62,19% tem entre 18 a 29 anos. No Maranhão, 11,15% dos reclusos são analfabetos; 15,14% somente alfabetizados; e 38,47% tem o ensino fundamental incompleto; ensino médio incompleto 11,74%. Com ensino superior há 0,20%; ensino superior incompleto 0,34% e ensino médio incompleto 11,74%. Os jovens, entre 18 e 29 anos são, ao mesmo tempo, vítimas e algozes da violência. E nesse particular, a situação não é diferente em todo o país.

6 – Houve denúncias de estupros de mulheres de presos no sistema. Por que tamanha falta de controle nas prisões?

Conforme já afirmei, houve uma brusca elevação no índice de encarceramento no Complexo de Pedrinhas de presos oriundos do interior, sobretudo de delegacias de polícia. Além disso, conforme amplamente noticiado na imprensa, os presos teriam recebido autorização para acolher, nas próprias celas, visita íntima. Esses dois fatores podem ter gerado uma situação de descontrole.

7 – O senhor tem conhecimentos de outras irregularidades acontecendo no sistema?

Todas as irregularidades que tomei conhecimento foram, de uma maneira geral, noticiadas pela imprensa nos últimos meses. Mas eu considero como raiz de todas essas questões o recebimento de presos de delegacias do interior sem que houvesse a anuência do juiz da Vara de Execução Penal da Capital. Na minha gestão havia uma Portaria que normatizada o assunto, detalhando todo o procedimento para receber em caráter excepcional presos do interior, conforme já expus anteriormente. Ela servia como instrumento de controle para evitar o inchaço no sistema e o enfrentamento de desafetos e de bandas criminosas. O recebimento repentino de elevado número de presos do interior em curto espaço de tempo criou o fermento necessário para os lamentáveis incidentes ali verificados.

8 – Como o senhor avalia a condução da crise pela governadora Roseana Sarney?

Entendo que ela agiu muito bem ao determinar a intervenção da Polícia Militar ao mesmo tempo em que solicitou a presença de homens da Força Nacional. É uma espécie de intervenção compartilhada. Isso era necessário e importante. Mas como toda intervenção ela deve durar provisoriamente e no tempo necessário para o retorno da completa normalidade. A governadora vem fazendo a sua parte tanto que elevou o custo mensal do preso que na minha gestão era de R$ 2 mil reais/ mês para R$ 3,5 reais na atual gestão, fato que demonstra o seu interesse em dar suporte financeiro ao enfrentamento das questões materiais, porém resta agora a implementação de medidas que permitam a estabilidade no tocante à organização, respeito ao direito básico dos presos, e à disciplina que deles deve ser cobrada.

Muito obrigado pela atenção
Artur Rodrigues
Jornal O Estado de S.Paulo.