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Notícia

Centro de Estudos Constitucionais e de Gestão Pública

Prisão da alma

Publicado por Filipe Castro em JusBrasil

Os acontecimentos recentes envolvendo o sistema prisional do Maranhão serviram de aperitivo para mostrar como nosso sistema, a nível nacional, encontra-se em colapso. Nos quatro cantos do Brasil observando nossos presídios, enxergamos verdadeiros “circos dos horrores”, onde todos os direitos do ser humano são desprezados e pessoas são tratadas pior que animais, enjaulados, sujos, doentes, fora das vistas da sociedade.

Chamo você que está lendo essas linhas a refletir. Pense em 1943 no auge do período Nazista, pense nos campos de concentração com milhares de prisioneiros empilhados, doentes e desnutridos, entregues à própria sorte sem saber o que esperar do amanhã. Ficou comovido? Agora olhe para dentro do sistema prisional brasileiro, mudou alguma coisa? Ou será que é só o discurso sensacionalista falando mais alto em você?

As primeiras perguntas às quais temos de responder são: qual o motivo da mídia ter incutido na sociedade o sentimento de raiva em relação aos direitos humanos? Será que pelo simples motivo de ter delinquido o indivíduo deve ser torcido pelo sistema até a sua última gota de dignidade.

Para responder gostaria de incita-lo a refletir sozinho sobre dois grandes pensadores de nosso tempo. O primeiro é Louk Hulsman que coloca de forma esplendida em sua obra, “Penas Perdidas”, o problema do sistema penal, levantando uma questão que muito me chamou a atenção. Na segunda parte de sua obra, "Relatividade", ele chama à reflexão sobre o conceito de crime e questiona qual o denominador comum utilizado para definir a situação fática em questão e após isso ele afirma de forma categórica que esse denominador não existe, pois algo que era considerado crime ontem hoje não é mais. Chegando então à conclusão de que quem cria o criminoso é a lei e, portanto, da mesma forma que no regime nazista, a lei pura e simplesmente previa aquela punição ao Judeu pela sua “condição”, hoje acontece o mesmo.

O segundo é um autor Nietzsche, que em sua obra “Além do bem e do mal”, em seu parágrafo 289, afirma ser toda palavra uma máscara. Assim, sempre que nos comunicamos usamos nosso discurso para esconder nossas verdadeiras intenções, portanto nunca questionará um político sobre os motivos de sua candidatura e ouvirá a seguinte resposta: “Quero candidatar-me com o intuito de utilizar a máquina pública para satisfazer interesses pessoais e multiplicar meu patrimônio!” O mesmo ocorre com nosso sistema, mais especificamente a mídia, que com seu discurso enfurecido e sem muitos fundamentos enraizou um verdadeiro sentimento de ódio e raiva em todos nós sobre o tratamento do condenado; esperamos que ele seja condenado e privado de qualquer tratamento digno, queremos que ele seja torturado e massacrado física e psicologicamente, mas quando paramos para pensar o motivo de sentirmos isso, só conseguimos achar argumentos frívolos, vazios e sem lógica.

Freud na obra “O mal-estar na civilização” deixa a entender que o homem é um ser que nasce mal e imperceptivelmente durante sua vida age sempre com o intuito de maximizar seu prazer e diminuir sua dor. O problema é que o sistema capitalista moderno conseguiu erotizar todas as suas ferramentas e transferir o libido humano para o consumo. Assim somos impulsionados a satisfazer nossos desejos e obter prazer pelo consumo. Portanto, quem não consome não existe e é invisível para a sociedade, só se tornando perceptível quando quebra com a lógica do sistema, lógica essa que resume-se a trabalhar e consumir, e toma a força o que o próprio sistema o ensinou a desejar.

Não quero aqui tornar meu discurso libertador para aqueles que delinquem, só quero chamá-lo, com um pouco de sobriedade e menos sensacionalismo, a refletir sobre essa questão complicada que é nosso sistema prisional. Sistema esse que existe há pouco mais de dois séculos e já mostrou-se totalmente ineficaz e altamente discriminatório, que possui seu público alvo.

Cabe pensarmos os motivos de sua existência e se realmente pagando o mal com mal estaremos dando respostas efetivas para problemas tão complexos.

Quero chamar você a ir ainda mais além, responda essa pergunta a você mesmo: “O que é viver em sociedade?”

Creio que quando atravessar as grades invisíveis do sistema capitalista e enxergar o que há lá fora poderá responder a pergunta acima de forma satisfatória e desamarrar-se, libertar-se dessa prisão da alma.