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Notícia

Centro de Estudos Constitucionais e de Gestão Pública

Vamos fazer o rolê?

 A sociedade brasileira é profundamente marcada pela desigualdade social, dentre outras razões por sua construção a partir do  escravagismo. Joaquim Nabuco dizia: de nada adiantaria a Lei Aurea, se não fosse seguida da reforma agrária, dando a propriedade aos ex-escravos, possibilitando-lhes novas oportunidades sociais. Após o estabelecimento do Estado Democrático de Direito em 1988, os governos do PSDB e do PT desenvolveram programas compensatórios: Bolsa Escola, Bolsa Família, visando a redução das desigualdades. Cumpriram o seu papel, mas  foram insuficientes para o acompanhamento do crescimento da pobreza. Enquanto as elites financeiras e politicas, principalmente depois da globalização, estimulam exacerbadamente o consumismo.  

As igrejas executam programas assistencialistas, os partidos políticos e as suas lideranças discursam a favor dos pobres, sobretudo em anos eleitorais, mas os planejamentos e as execuções das ações administrativas do Estado priorizam os setores privilegiados e médios da sociedade. A começar pelos espaços urbanos e os lugares públicos, frequentados pelos detentores de maior poder  de consumo, excluindo os mais pobres. Todos desejam participar dos bens da sociedade de consumo. 

As manifestações de junho do ano passado, ligadas inicialmente a mobilidade urbana, a precariedade dos meios de transporte coletivo, demonstraram para os gestores a desconsideração, o desapreço sentido por seus usuários. O espaço público volta-se inteiramente para os proprietários de veículos individuais, pessoas da elite e das classes médias. Os usuários do transporte público irromperam em manifestações. Em seguida, ampliou-se a pauta de reivindicações, espalhando-se centros urbanos do país.

Nas últimas semanas vem ocorrendo novas manifestações de massa nos shoppings centers das capitais brasileiras, chamados de rolezinhos. Os jovens  marcam encontros pelas redes sociais nos templos de consumo, para, segundo eles, dar uns beijos, zoar, paquerar, pegar geral e se divertir, enfim, fazer o rolê. Para os lojistas e a polícia, o seu comparecimento em massa  conduz a tumultos, a furtos e roubos. Quem está com a razão? O fenômeno é recente e as respostas não são simples. No raciocínio jurídico costumamos utilizar o principio do contraditório, erigido à condição de preceito constitucional. Vejamos os argumentos a favor e os contra.

A favor: os shoppings são espaços de livre circulação. Impedir a entrada dos jovens em estabelecimentos constitui infração ao direito humano e constitucional de ir e vir, além de configurar discriminação inaceitável aos de menor poder aquisitivo, além de, eventualmente, configurar crime de preconceito racial.

Contra: os encontros  deveriam se fazer em espaços públicos, a exemplo dos sambódromos e de outros, conquanto os interessados comuniquem previamente  as autoridades. Os rolezinhos prejudicariam o direito dos consumidores de circularem livremente e comprarem, e o os comerciantes de venderem as suas mercadorias.

Inquestionavelmente, os shoppings centers são locais públicos, há, entre nós, o equívoco de defini-los exclusivamente os de propriedade do Estado, mas desde os romanos, a sua utilização pela comunidade os torna públicos. Logo, não há como restringi-los apenas aos de maior poder aquisitivo. Seria discriminação inaceitável e odiosa. Os jovens postulam a igualdade de uso desses espaços. Querem ser vistos, gritar e serem ouvidos. Sejam negros, brancos, pardos ou amarelos. O pior será criminalizá-los, aplicando-lhes o cassetete. A fórmula foi empregada nas manifestações de junho do ano passado e o resultado sabemos. A repetição gerará efeitos semelhantes com inevitáveis apropriações político-partidárias.

A propósito dos conflitos, o sábio Aristóteles, 300 anos antes de Cristo, os classificou como provindos da má distribuição dos bens produzidos pela sociedade, mas também resultam da diferença de gerações e de suas correspondentes linguagens. Torná-los casos de policia será agudiza-los.

O Direito dos consumidores irem às compras e dos comerciantes de venderem os seus produtos é também assegurado pela Constituição do país. Como resolver a pendencia?

É hora de esquecer as eleições. Os governos federal, estaduais e municipais, devem por de lado as diferenças, as corridas eleitorais, para estabelecerem conjuntamente fórmulas dialogadas de garantir os direitos de todas as partes, considerado a enorme desigualdade social existente no país. Ele se tornará em vitrine  universal em razão dos jogos da Copa do Mundo e da realização das eleições gerais. Muitas convocações para o rolê estão por vir. Quem tiver ouvido que ouça, pois como dizia o padre Antônio Vieira no Sermão da primeira dominga do Advento, “a omissão é um pecado que se faz não fazendo”.

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