DE BRASÍLIA
O ministro José Antônio Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal, estima que o julgamento do mensalão vá demorar ainda de um a dois anos para ser concluído. Só então serão executadas as penas. Até lá, os réus devem permanecer em liberdade, inclusive os quatro deputados que hoje exercem mandato.
O STF concluiu em dezembro o julgamento do mensalão condenando 25 dos réus. A fase atual é de análise da primeira leva de recursos. No ano que vem, Toffoli comandará o processo eleitoral ao assumir a presidência do Tribunal Superior Eleitoral.
Em entrevista ao “Poder e Política”, programa da Folha e do UOL, Toffoli calcula que o julgamento dos chamados embargos de declaração (recursos que contestam possíveis inconsistências na sentença) deve começar no segundo semestre e se estender até a metade do ano que vem.
Depois será a vez dos embargos infringentes, caso seja admitida a sua análise (há quem defenda que eles são inconstitucionais). Esse tipo de recurso, que pede um novo julgamento, ocorre no caso de réus que tiveram pelo menos quatro votos a seu favor, dos onze possíveis.
Ex-advogado do PT e ex-assessor de José Dirceu na Casa Civil –um dos condenados no mensalão–, Toffoli nega ter recebido pressão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que o indicou ao Supremo em 2009.
Sobre se sentir impedido pela ligação anterior com o PT, ele afirma que fez uma análise solitária e concluiu que poderia e deveria participar do julgamento.
Toffoli condenou o petista José Genoino e disse que teria sido cômodo se declarar suspeito. “Mas eu estava ali diante do destino: que juiz eu queria ser a partir dali? Optei por enfrentar”.
“Não há provas contra José Dirceu”, declarou, repetindo o argumento que usou para absolver o ex-chefe.
Ele diz enxergar vários defeitos na atual legislação. E afirma que o STF errou em 2006 ao declarar inconstitucional a lei que reduzia o acesso de partidos com fraco desempenho nas urnas ao dinheiro público e à propaganda eleitoral. Como o STF mudou sua composição, acha que a mesma regra pode voltar como lei e talvez ser considerada legal.
O ministro do STF também afirma que a presidente Dilma Rousseff é centralizadora e “tem mais certezas do que dúvidas”, em contraste com o estilo de Lula. Segundo Toffoli, Lula “tinha mais dúvidas” e “ouvia mais”.
Mensalão demora de 1 a 2 anos, diz Toffoli.
Folha/UOL – Em 2006, o STF derrubou a chamada cláusula de barreira. Uma nova lei pode ser feita sem mudar a Constituição?
Dias Toffoli – Penso que sim. Aquela cláusula era bem-vinda. Se lá estivesse, eu votaria diferente. Eu votaria no sentido de manter a cláusula de barreira.
Com o passar do tempo, pode-se ter outras interpretações -se o Congresso fizer uma lei que seja razoável, levando em conta os parâmetros que levaram o Supremo a declarar aquela inconstitucionalidade. Porque, realmente, conviver com 30 partidos… E muitos deles, nós sabemos, não têm base social para sua existência.
São comandados por meia dúzia de pessoas para terem acesso ao Fundo Partidário, ao rádio e à TV. Uma cláusula de barreira bem pensada pode, em futuro questionamento no Supremo, ser aceita. Até porque a história ensina.
O mensalão chegou à fase dos embargos. Quanto tempo vai tomar esta e as fases seguintes até a conclusão desse caso?
Nós vamos ter que ter o julgamento de embargos de declaração. Quando sair o acórdão desses, virão embargos infringentes, se a Corte os admitir. Esse é um tema ainda em aberto.
Do julgamento desses embargos infringentes virão outros embargos de declaração.
Então, na hipótese do Supremo admitir os embargos infringentes como cabíveis, nós teremos ainda, além desse julgamento atual de embargos de declaração, pelo menos mais dois julgamentos. É a minha análise.
Quanto tempo dura isso?
É muito difícil dizer. Tudo depende do relator [Joaquim Barbosa], que é o senhor do tempo do processo.
Ainda assim, quanto tempo?
Entre um a dois anos.
O sr. aceitará os infringentes?
Estou com isso aberto.
O sr. fala de um a dois anos para concluir o mensalão. A melhor hipótese seria metade do ano que vem, se não houver os infringentes?
Pode ser. Eu penso que em menos de um ano não se conclui totalmente.
E no caso dos congressistas réus e que aguardam a conclusão do caso exercendo mandato? Permanecem no Congresso?
Dentro dessa hipótese de calendário, acaba quase que coincidindo com o fim de seus mandatos [que ocorre em janeiro de 2015].
*Ou seja, não haverá efeito para a perda de mandatos… *
Mas o objetivo da ação penal não é apear ninguém do mandato que exerce. O objetivo dela é trazer aquele que cometeu o ilícito à devida sanção. E, no caso, as sanções estão bem aplicadas.
O novo colega do sr. no STF, Luís Roberto Barroso, disse que o julgamento do mensalão foi “um ponto fora da curva” porque Tribunal teria sido mais rigoroso que o costume. O sr. concorda?
Em matéria de jurisprudência criminal, o Supremo não tem uma curva. Tem uma reta. É garantista. Historicamente garantista. Ele talvez devesse ter dito “um ponto fora da reta”…
O sr. foi ligado ao PT. O que pesou para o sr. não se declarar impedido de julgar o mensalão?
Não havia, do ponto de vista objetivo ou subjetivo, nenhuma razão para eu me declarar impedido. Para mim seria mais cômodo me declarar suspeito. Teria tomado conta dos processos do meu gabinete. Teria ficado sem ir à sessão por seis meses. Mas quando o homem está de frente ao seu destino ele tem que enfrentá-lo.
O sr. foi procurado pelo ex-presidente Lula para conversar sobre o julgamento do mensalão?
Não. O presidente Lula nunca conversou comigo, não sobre esse caso, sobre nenhum.
No mensalão, o sr. absolveu José Dirceu, mas condenou José Genoino, um petista histórico. Foi uma decisão difícil?
Conheço o deputado José Genoino, respeito sua história, seu passado. Mas julguei com aquilo que eu vi nos autos. Com essa liberdade que o juiz tem. Não por vínculos ou relações do passado. O mais cômodo seria ter me declarado suspeito, mas eu estava ali diante do destino: que juiz eu queria ser a partir dali? Optei por enfrentar. Não há provas contra José Dirceu.
É correto os juízes terem mais dias de férias do que os outros trabalhadores?
Fui perguntado na sabatina [no Senado] e eu falei: Por que vossas excelências não ampliam o direito de férias de dois meses para todos os trabalhadores?
Falando sério, o sr. acha…
Estou falando sério.
Não acha que isso destoa do modelo econômico aplicado na maioria das democracias bem sucedidas atualmente?
O Brasil há muito tempo tem férias de 30 dias para a maioria dos trabalhadores. Muitos países não têm.
É viável economicamente?
Economicamente falando, diziam que a abolição da escravatura ia destruir a economia fazendeira e cafeeira do Brasil. Destruiu?
O preço dos serviços e dos produtos nacionais ficará mais caro se forem oferecidos mais direitos aos trabalhadores brasileiros do que aos de outros países.
O problema do Brasil é o preço da mão de obra? Dizia-se que aumentar o salário mínimo ia quebrar o país. Lembro quando eu estava na Casa Civil na época e que o presidente Lula decidiu sozinho, contra a posição de todos, aumentar o salário mínimo, aumento real. O [ex-ministro da Fazenda Antonio] Palocci dizia isso [que quebraria o país], a área econômica do governo dizia isso.
O sr. participou do governo do ex-presidente Lula. Conheceu como funcionava. Agora, acompanha o governo de Dilma. Quais as diferenças?
O estilo é diferente. Pelo que eu leio, o estilo da presidente Dilma é um estilo que se baseia mais na autoridade versus subordinação. O presidente Lula era um presidente que ouvia mais, que sentia mais e depois ele tomava uma decisão. Ele não tinha ideias pré-concebidas, não tinha certezas. Ele tinha mais dúvidas que certezas.
E a presidente Dilma?
Penso que tem mais certezas do que dúvidas. É um estilo diferente.
Ela delega menos?
Ela delega menos, centraliza mais. Pode-se tentar deduzir diversas hipóteses. Que a mulher é mais centralizadora. Enfim, não sei as razões. O que eu posso dizer é que o presidente Lula nunca interveio no meu trabalho. Nunca disse: “Toffoli, isso que você falou está errado. Esse parecer está equivocado”, “Toffoli, faça um parecer assim, que eu estou precisando”. Nunca. Nunca o presidente Lula interveio no trabalho, quando eu fui subchefe de assuntos jurídicos da Casa Civil, nem quando eu fui advogado-geral da União. E ele sempre ouviu minhas opiniões, sempre foi atento. Sempre tive a liberdade de dizer não.
O senhor está hoje com 45 anos. Pretende ficar até os 70 no Supremo?
Eu espero que aprovem a vitaliciedade à la americana [risos]. E que Deus me dê muitos anos de vida. Não posso responder pelo futuro, nem pela história, mas a atuação em uma Suprema Corte é de uma grandeza e de uma possibilidade de contribuir com a nação que poucos cargos permitem. E com liberdade, porque não depende de voto, não depende de nada. É o trabalho da sua consciência.
Publicado por FERNANDO RODRIGUES, FELIPE SELIGMAN na Folha de São Paulo (http://www.folha.uol.com.br)