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Notícia

Centro de Estudos Constitucionais e de Gestão Pública

Mais Polícia = Mais Segurança?

O anúncio da ampliação do efetivo policial do Estado, medida necessária e que há muito a sociedade estava a reclamar, não pode, porém, ‘vender’ para a opinião pública a ideia de que tal providência é capaz, por si só, de combater as organizações criminosas e de trazer ‘a paz e a tranquilidade’ para a população. Há muito mais o que ser feito, na esfera da segurança pública, em vez de se divulgar, como solução para esses problemas, o simples aumento do efetivo policial. As questões da criminalidade e da violência não podem continuar sendo tratadas como casos exclusivamente de polícia.

O elementar, nesse caso, precisa ser visto sob outro enfoque: a polícia faz parte de um sistema e como tal é apenas um dos seus componentes, ainda que de grande projeção social. Isso significa que a desejada segurança pública só será conquistada se conseguirmos implementar políticas públicas que possibilitem o funcionamento de todo um sistema comunitário.

Lembremos que numa época remota em que não se falava em direito à educação, saúde ou lazer, por exemplo, como obrigação inerente ao Estado, a segurança pública já justificava a própria existência deste, constituindo-se em sua finalidade quase única. Hoje, pela nossa Constituição, a segurança continua sendo um direito social básico, mas já não é a única atribuição do Estado embora continue a ser uma das suas atividades mais importantes. 

Surge, então, aqui, duas questões pontuais na área de segurança pública:  1.  Como garantir esse direito social básico à população em face da escalada da criminalidade? 2. Deve-se, para isso, contentar-se com o aumento do efetivo policial?

Ora, a questão da criminalidade passa, necessariamente, pela compreensão de três planos distintos de políticas públicas: 1. Ações governamentais na área social; 2. Atuação do aparato policial e da justiça; e, 3.  Atuação do sistema prisional.

Vamos observar, assim, que nesse primeiro plano, onde se acham as ações do governo – estadual e municipal –, tem sido elas, por um lado, insuficientes, e por outro, inadequadas quando não ausentes naquilo que se pode chamar de direitos sociais básicos. Essas políticas também resultam naquilo que o jornalista Gilberto Dimenstein certa vez chamou de “capital social” ou seja, a riqueza formada pela rede de relacionamentos pessoais e que bem explicam por que comunidades pobres, mas com relações estáveis, possuem baixas taxas de violência. O município é peça fundamental nesse processo e não poderá haver segurança pública eficiente sem a participação dos organismos municipais.

De igual modo, o sistema penal deve aplicar penas mais justas, desburocratizando o processo e proporcionando à população desassistida acesso mais rápido e menos oneroso à Justiça. A ampliação da Defensoria Pública, nesse contexto, seria, também, um passo extremamente importante.

Quanto ao trabalho ostensivo da polícia, responsável pela prevenção do delito ou de sua repressão imediata, ela deve ocorrer em estreita parceria com a comunidade, mediante a definição conjunta de políticas públicas. Como resultado, obtém-se o chamado policiamento comunitário autêntico, o qual tem, dentre outras vantagens, a possibilidade de tornar a polícia de rua mais amiga e acessível; de aumentar a prevenção, com o policial atuando de forma planejada e direcionada para as questões de cada bairro ou região, e não mediante patrulhamento aleatório; de procurar desenvolver métodos que reduzam os crimes, e não só que reajam a eles. Além disso, deve-se motivar os policiais com salário digno e perspectivas de ascensão. Por outro lado, a função investigativa da polícia, responsável pela repressão mediata, visa evitar a reincidência na prática do crime para o que conta com órgãos que têm um papel fundamental na prevenção: Ministério Público, Magistratura e Defensoria Pública.

As medidas relacionadas ao sistema prisional tem o objetivo de evitar a realimentação da criminalidade:  ao manter presos os condenados pela Justiça, cumpre levar até eles os mesmos direitos sociais disponibilizados no meio livre, para reinseri-los de maneira produtiva na sociedade, mediante uma ressocialização espontânea, que defendo. Mas isso é possível com o sistema penitenciário que possuímos? No Brasil, em média, o índice de reincidência chega à marca dos 70 %: de cada cem 100 presos, 70 voltam a delinquir e as vezes de forma ainda mais violenta.

Devemos entender que a política criminal é indissociável da política social, daí haver um entrelaçamento estreito entre uma e outra na formulação e execução de suas ações. Por esse critério, a segurança pública se afigura entre as maiores questões da atualidade pelo fato de termos, de uma lado, índices crescentes de violência e de outro, um aparelho policial que dá mostras visíveis de sua impotência para, isoladamente, combater o bom combate.

Portanto, prometer o ‘endurecimento’ e mais eficiência do aparelho repressivo, por meio de contratações e aumento da força policial, sem atentar-se para esses três planos interligados de políticas públicas –, tem o condão de transmitir tão somente uma ilusão de segurança, sem, contudo, conseguir esconder o fato de que a tentação do populismo quer tomar o lugar de políticas mais condizentes com a realidade.

Sergio Tamer

Professor e advogado, doutor em Direito Constitucional pela Universidade de Salamanca, é diretor do Centro de Estudos Constitucionais e de Gestão Pública do Maranhão – CECGP