Publicado em A Crítica de Campo Grande – MS
A descriminalização do consumo de drogas pode ser uma forma eficaz de descongestionar as prisões, redistribuir recursos para atribuí-los ao tratamento e facilitar a reabilitação. A afirmação é do Escritório das Nações Unidas contra a Droga e o Crime (UNODC), que sugeriu, pela primeira vez, a descriminalização do uso de drogas.
De acordo com informações do portal UOL, a proposta está em um documento que será apresentado nesta semana, na Áustria, durante reunião da Comissão de Entorpecentes da ONU.
Segundo o relatório, os objetivos na luta mundial contra as drogas estabelecidos em 2009 não foram cumpridos. A sugestão da UNODC é que os consumidores sejam tratados como pacientes em tratamentos, e não como delinquentes. Assim, para esses casos, devem existir recursos alternativos à prisão.
Segundo o documento, assinado pelo diretor executivo da UNODC, Yury Fedotov, a legislação internacional sobre drogas é flexível o bastante para aplicar outras políticas, mais centradas na saúde pública e menos na repressão.
Debate no Supremo
No Brasil, o dabete foi levado em 2011 ao Supremo Tribunal Federal no Recurso Extraordinário 635.659, sob relatoria do ministro Gilmar Mendes. O recurso discute a constitucionalidade da criminalização do uso de drogas, prevista no artigo 28 da Lei 11.343/2006, a lei que cria o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas.
Para ampliar o debate o relator já aceitou a participação, como amicus curiae, de sete entidades. Uma delas, a ONG Viva Rio entregou parecer do advogado e ex-secretário da Reforma do Judiciário Pierpaolo Cruz Bottini, do escritório Bottini Tamasauskas Advogados.
Em artigo publicado na ConJur, o criminalista já havia exposto seu entendimento.
Segundo Bottini, o uso de drogas é uma questão individual, ligada à dignidade de cada um, e não há justificativa legal ou constitucional para a interferência do Direito Penal no assunto.
Para ele, criminalizar o uso de drogas, ainda que de forma administrativa, viola os artigos 5º, inciso X, e 1º, inciso III, da Constituição Federal — que tratam da inviolabilidade da vida privada e da intimidade e do direito à dignidade da pessoa humana.
A criminalização do uso de entorpecentes, no entendimento de Bottini, é uma interferência indevida do Estado na esfera íntima dos cidadãos, já que significa que a máquina repressora estatal está interferindo em escolhas individuais que não prejudicam escolhas alheias.
Ele lembra, que o que se discute no STF é a constitucionalidade da repressão penal do consumidor de drogas, sem que se entre no mérito da autorização do consumo ou da legalização de sua comercialização.
Sete ex-ministros da Justiça dos governos Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva também decidiram apoiar campanha a favor da descriminalização do porte de droga para consumo próprio: Nelson Jobim; José Carlos Dias; José Gregori; Aloysio Nunes; Miguel Reale Junior; Márcio Thomaz Bastos; e Tarso Genro.
Eles entregaram um ofício ao ministro Gilmar Mendes argumentando que “cada cidadão tem liberdade para construir seu próprio modo de vida, desde que respeite o mesmo espaço dos demais” e que “não é legítima a criminalização de comportamentos praticados dentro da esfera íntima do indivíduo que não prejudiquem terceiros”.
Eles alegam que a política de combate às drogas baseada na criminalização do consumidor é um “fracasso”. “Tratar o usuário como cidadão, oferecendo-lhe estrutura de tratamento, por meio de políticas de redução de danos, é mais adequado do que estigmatizá-lo como criminoso”, registram.
O grupo relata experiências de sucesso em países como Portugal; Espanha; Colômbia; Argentina; Itália; e Alemanha, que adotaram a descriminalização do porte de droga para consumo próprio como forma eficiente de combate ao crime organizado e ao narcotráfico.
Projeto de Lei
Tramita no Congresso Nacional um projeto do deputado Osmar Terra (PMDB-RS) que altera a lei antidrogas.
O projeto prevê o aumento da pena para o tráfico, a possibilidade de internação involuntária de usuários a pedido da família e a isenção fiscal às empresas que derem emprego a dependentes químicos em recuperação.
A proposta também obriga as empresas a ofertar vagas para ex-usuários em todos os contratos fechados com recursos públicos.
O texto prevê também a responsabilização administrativa dos três níveis de governo: o municipal fará a prevenção; o estadual, o atendimento e a repressão; e o federal, as ações de atendimento e repressão de maior complexidade.
Também fazem parte das mudanças a criação do Sistema Nacional de Avaliação e Monitoramento e a maior taxação de cigarros e bebidas para auxiliar no financiamento. (Revista Consultor Jurídico)