Publicado por Aderruan Tavares em JusNavigandi
A Emenda Constitucional nº 45/2004 – EC nº 45/04 alterou significativamente o quadro constitucional brasileiro. Não só a criação do Conselho Nacional de Justiça e a redistribuição de algumas competências entre os Tribunais Superiores concorreram para esse novo momento constitucional, mas, principalmente, a escolha legislativa do constituinte derivado ao inserir no art. 5º da Magna Carta o §3º (os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais).
Reservando a discussão sobre a hierarquia dos tratados de direitos humanos antes e depois da EC nº 45/04 para outro trabalho, aqui, ater-me-ei à questão do iter de incorporação desse tipo de tratado ao ordenamento jurídico brasileiro.
Sobre as fases da incorporação dos tratados e convenções, em um primeiro momento, há a negociação entre os Estados, quer de forma bilateral ou multilateral, por seus representantes, que, no caso do Brasil, são o Presidente da República e o Ministro das Relações Exteriores, dentre outros legitimados. Com o texto do tratado “acabado”, passa-se à fase da assinatura do documento, que, a exemplo da negociação, pode ser procedida pelo Presidente da República, nos termos do art. 84, inc. VIII, da Constituição Federal, ou por outros atores internos, nos termos do art. 7º da Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados, incorporada ao ordenamento jurídico brasileiro pelo Decreto Federal nº 7.030, de 14/12/2009. Essas duas fases são consideradas fases externas e o compromisso firmado até então não vincula o ordenamento jurídico interno.
Após assinado o documento, começa realmente o processo de incorporação dos tratados. Nos termos do art. 49, inc. I, da Carta de Outubro, cabe ao Congresso Nacional resolver definitivamente sobre a entrada do tratado à ordem jurídica pátria, quando acarrete encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional. Embora a Constituição utilize o termo “definitivamente” para circunstanciar o ato do Congresso Nacional, é pacífico na doutrina internacionalista que este ato só será definitivo caso os parlamentares entendam por não incorporar o tratado. Caso aquiesçam, a última palavra será do Presidente da República. Considerando que o Congresso Nacional e o Presidente da República tenham se manifestado favoravelmente, este irá expedir decreto de promulgação, oportunidade em que o tratado começará a produzir efeitos jurídicos internamente. Após, o Presidente da República irá ratifica-lo perante os atores internacionais, o que equivale a informar que a República Federativa do Brasil aderiu aos termos do tratado ou convenção, começando a produzir efeitos jurídicos internacionalmente.
Pois bem. O art. 5º, §3º, da Constituição Federal, alterou o processo de incorporação quando se fala em tratados e convenções de direitos humanos. Veja-se que esta norma possibilitou ao Congresso Nacional, entendendo que o tratado ou convenção carrega conteúdo de direitos humanos, a prerrogativa de utilizar o quórum de votação próprio das emendas constitucionais (dois turnos, por três quintos dos membros, em cada Casa do Congresso Nacional). Com isso, o tratado ou convenção em questão fará parte materialmente da Constituição brasileira.
Mas além de possibilitar um quórum diferente, entendo que o novel art. 5º, §3º, da Carta Fundamental de 1988, também alterou o procedimento de incorporação, ao que tange à sua fase final interna, qual seja, a da promulgação. Nesse caso, por estarmos diante de uma provável emenda constitucional, o tratado ou convenção deve ser referendado e ratificado pelas duas casas do Congresso Nacional. Não é possível que esse documento internacional, sob essa condição, seja remetido ao Presidente da República decidir se o tratado ou convenção sobre direitos humanos que obteve votação própria de emenda constitucional é uma norma constitucional. A competência de aprovar norma constitucional cabe exclusivamente ao Congresso Nacional, nos termos do art. 60 da Constituição Federal de 1988.
Dessa maneira, o tratado ou convenção de direitos humanos, que for votado nos termos do art. 5º, §3º, da Constituição, terá que ser promulgado nos termos do §3º, do art. 60, ou seja, ser promulgado pelas Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal.
Em seguindo o tradicional iter de incorporação dos tratados, após passar por dois turnos em cada Casa e ser obtiver o voto de 3/5, ou mais, dos respectivos membros, poderia o Presidente da República não promulgar o tratado ou convenção?
Sem embargos, o tratado ou convenção sobre direitos humanos que não passar pelo processo que culmine na votação caraterística das emendas constitucionais terá o processo tradicional dos demais tratados como visto acima, passando normalmente pelo Presidente da República.
Até o momento, apenas a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, assinada em Nova Iorque, Estados Unidos da América, em 30 de março de 2007, aprovada e promulgada pelo quórum de votação ofertado pelo art. 5º, §3º.
Embora essa norma tenha uma força própria de emenda constitucional, o que requer o seu estudo atento também pelos constitucionalistas, a Convenção passou pelo procedimento tradicional de incorporação dos tratados, sendo, pois, promulgada pelo Presidente da República. Em 10 de julho de 2008, foi aprovada pelo Presidente do Senado, por meio do Decreto Legislativo nº 186 e promulgada pelo Presidente da República, por intermédio do Decreto nº 6.949, em 25 de agosto de 2009. Conforme se verifica pelas duas datas, o Presidente da República demorou mais de um ano(!) para promulgar uma norma equiparada a emenda constitucional. Ou seja, durante um ano tivemos uma norma materialmente constitucional suspensa, na espera de um ato do Presidente da República.
À guisa de conclusão, o Congresso Nacional é o único legitimado para promulgar normas constitucionais. Sem invocar a malfada separação dos poderes, nos termos propostos por Montesquieu, a força congressual de definir uma norma constitucional, por 3/5 dos seus parlamentares de cada Casa, em duas oportunidades, não pode ficar ao alvedrio do Presidente da República. O tratado ou convenção sobre direitos humanos, após ser votado nos termos art. 5º, §3º, é uma norma constitucional, interna, e os procedimentos legislativos respectivos devem ser seguidos. Em sendo uma norma equiparada a uma emenda constitucional, a essência do procedimento legislativo desta norma deve ser seguido para a incorporação do tratado ou convenção.
Assim, os tratados ou convenções sobre direitos humanos, que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, devem ser promulgado pelas Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, nos termos do art. 60, §3º, da Constituição Federal de 1988. Após a promulgação nesses termos, o Presidente do Congresso Nacional deverá informá-la, por mensagem, ao Presidente da República, que estará obrigado a ratificá-los, no plano internacional.
Por fim, verifica-se que, no caso dos processos de incorporação dos tratados e convenções de direitos humanos, o Congresso Nacional resolvê-lo-á definitivamente, nos estritos termos do art. 49, inc. I, da Constituição Federal.