Quarta-feira passada a pré-estreia do documentário sobre a Copa de 1950 reuniu dez mil pessoas no estádio Centenário, em Montevidéu, para reviver o final daquele mundial em que o Brasil, franco favorito, jogava pelo empate para arrebatar o campeonato. Um gol de Gigghia, atacante da azul celeste, silenciou o Maracanã, inaugurado pelo prefeito do Rio, Mendes de Moraes, para abrigar os jogos da mais importante disputa futebolística do mundo. O Uruguai sagrou-se campeão, o Brasil, em clima de já ganhou, limitou-se a condição de vice, gerando a conhecida frustação nacional.
O documentário dirigido por cineastas uruguaios estreará proximamente no Brasil e será projetado em todas as cidades-sede da Copa de 2014. Boa lembrança dos nossos vizinhos platinos, nada como a memória para induzir ao aprendizado e para a tomada de boas lições.
Existem, é certo, consideráveis diferenças entre 1950 e 2014. O país ao longo de 64 anos mudou a face urbana, a população majoritariamente concentrada na zona rural, migrou para as cidades, formando grandes metrópoles como Rio, São Paulo, Belo Horizonte, Porto Alegre, só para citar alguns, dentre os maiores centros urbanos, onde serão jogadas a partidas do campeonato mundial do corrente ano.
Nunca é demais repetir a surrada frase de Karl Marx de que a História só se repete em forma de farsa. O que há de coincidências entre 2014 e 1950? Neste ano serão realizadas eleições gerais para a Presidência da República. Se tudo correr como previsto, disputarão a atual presidente Dilma Rousseff, Aécio Neves e Eduardo Campos. Em 50, os postulantes eram: o ex-ditador Getúlio Vargas, apeado do poder em 45 por pronunciamento militar; o brigadeiro Eduardo Gomes, reunindo os opositores do varguismo; e Cristiano Machado, apoiado pelo então presidente general Eurico Gaspar Dutra.
Resultado: a apoteótica eleição de Getúlio, com 48,7% dos votos, quase a maioria absoluta, contra 29,7 do Brigadeiro, e 21,5% de Cristiano Machado. A eleição do antigo ditador provocou a ira dos adversários, capitaneados pelo jornalista Carlos Lacerda, propagando que Vargas não deveria ser candidato, mas se isso ocorresse, não deveria ser eleito, mas se tal acontecesse, não deveria tomar posse.
A família de Lacerda, seu pai e irmãos, revolucionários de Trinta, sentiram-se traídos por Getúlio, que prometera as reformas preconizadas pelo tenentismo, mas cuidara de manter-se no poder, promovendo a industrialização, implantando a previdência social, as leis trabalhistas, sindicais, apresentando-se como o “pai dos pobres”. Depois, na redemocratização, fundou o Partido Trabalhista Brasileiro, para abrigar as bandeiras do nacionalismo e do trabalhismo.
Em 2014, o “pai dos pobres” é o ex-operário e sindicalista Luiz Inácio Lula da Silva. Presidiu o Sindicato dos Metalúrgicos no ABC paulista, liderou greves e fundou o Partido dos Trabalhadores no final da ditadura de 64. Após três tentativas elegeu-se Presidente da República, reelegeu-se, e ao longo dos dois mandatos implantou programas sociais, dentre eles, o Bolsa Família, que o credenciou a ganhar a paternidade dos desvalidos e a eleger a sucessora Dilma Rousseff.
A campanha contra Getúlio prosseguiu durante o seu mandato iniciado a 31 de janeiro de 51, pelos jornais e rádios, a televisão era incipiente. As acusações eram de corrupção, o “mar de lama” circundando o Palácio do Catete. O atentado a Lacerda precipitou os acontecimentos, levando-o ao suicídio.
Os opositores de Lula atacam o que chamam de lulo-petismo: aparelhamento do Estado, do Congresso, no episódio do mensalão. Mas as acusações de corrupção não impediram sua reeleição e da sucessora Dilma. O cenário do Brasil é diverso, agora se tem a base industrial legada por Vargas, e continuada por Juscelino Kubitschek e pelo regime de 64. A Petrobrás, a Eletrobrás, a ampliação das classes médias e da massa de trabalhadores, deram maior autonomia à economia nacional, mesmo continuando sangrada pela remessa de lucros para o exterior, denunciada na Carta Testamento de Getúlio Vargas. Nela prenunciava a chegada dos trabalhadores ao poder. A Guerra Fria do capitalismo contra o comunismo, que acabou, estava no auge.
O clima de euforia em relação à conquista da Copa em 50 prejudicou a seleção, candidatos invadiam a concentração para fotografarem-se com “os campeões”, sob os olhos impassíveis do técnico Flávio Costa. Todos desejavam faturar com o futebol nas eleições. Em 2014 a sociedade não aceita essa instrumentação. Sabe que para ganhar Copa, assim como as eleições, é preciso trabalho e humildade. Ela quer muito mais: mobilidade urbana e serviços públicos de excelência.