Puplicado por Ricardo Cesar Franco em Jusnavigandi
Durante muito tempo, o art. 594 do CPP, que determinava a prisão do condenado em primeiro grau como condição de admissibilidade da apelação, foi referido pelos tribunais superiores e pela doutrina majoritária como recepcionado pela Constituição. A guinada se deu com o HC 83.810/RJ no STF.
Resumo: O presente artigo tem como finalidade conhecer e dissertar sobre o posicionamento dos Tribunais Superiores, da doutrina tradicional e, por fim, da doutrina minoritária sobre a aplicabilidade ou não do artigo 594, do Código de Processo Penal, após a vigência da Constituição Federal de 1988, sob o ângulo dos princípios fundamentais da presunção de inocência, ampla defesa e contraditório e fundamentação das decisões. Para tanto, observar-se-á o posicionamento das referidas fontes de informação para se construir uma natureza jurídica da forma de aprisionamento comportado no referido dispositivo legal, questionar sua interdependência com outros dispositivos processuais penais e constitucionais, além da própria evolução jurisprudencial sobre a referida temática, desde 1990 até 2011.
Introdução
Examinando alguns papeis antigos, aqueles que ficaram guardados desde o fim dos estudos para aprovação no concurso da Defensoria Pública bandeirante, encontramos algumas decisões muito interessantes. Algumas delas, pela qualidade técnica e pela atualidade, continuam sob a epígrafe de reprodução obrigatória em artigos e trabalhos jurídicos em geral. Outras, todavia, que se referem a situações legislativamente superadas, chegam a causar certa apreensão.
O presente artigo se dedicará a dissertar sobre uma situação particularmente interessante, que, embora se refira à validade perdida de um texto legislativo revogado, ainda causa preocupação da doutrina mais garantista e, dessa forma, da defesa dos acusados em processo penal. A preocupação é justificada pela efetiva proteção ao princípio da presunção de inocência, cuja natureza foi excessivamente relativizada no julgamento de outrora, que acaba por ordenar o juízo sobre os requisitos de cautelaridade das prisões provisórias, dentre as quais aquelas que estavam estampadas no revogado artigo 594, CPP. Não ignoramos, naturalmente, que as inovações legislativas demandam algum tempo[1] até que os juízos jurídicos dos diversos órgãos jurisdicionais, mormente por manifestações de Tribunais Superiores, possam convergir em um sentido aproximado, permitindo-lhe, assim, uma existência conforme seu próprio posicionamento normativo, informado, sempre, pelas normas e princípios constitucionais aplicáveis à espécie. Mas não ze deve ignorar, também, que o fértil solo dos direitos fundamentais republicanos, a Constituição Federal de 1988, completará no corrente ano vinte e seis de existência e significativa parcela das garantias por ela inaugurada permanece em injustificado ostracismo.
Natureza cautelar da prisão processual estampada no artigo 594, CPP, presunção de inocência e profundidade do exame judicial dos referidos temas para cumprir a necessidade de decisões fundamentadas e públicas.
Filiamo-nos à posição apresentada pelo Dr. Luiz Flávio Gomes[2], segundo a qual, após a entrada em vigor do Texto Constitucional de 1988, em face do princípio da presunção de inocência, não se fazia mais possível a aplicação do art. 594, CPP[3], e seus consectários, tendo em vista que a medida lá indicada, recolhimento à prisão para apelar, constitui verdadeira antecipação dos efeitos da sentença condenatória, com caráter retributivo[4]. Assim, temos que o art. 59, do Projeto de Lei n.º 115/02, que posteriormente se convolou no art. 59, da Lei n. 11.343/06, é de inconstitucionalidade flagrante, do mesmo modo como compreendemos que não fora recepcionado o art. 35, da Lei n.º 6368/76.
Não subsistia, ante a (nova) ordem constitucional inaugurada em 1988, razão alguma para que tal dispositivo continuasse a limitar a liberdade do réu antes de transitada em julgado a sentença penal condenatória à revelia da averiguação e comprovação dos requisitos de cautelaridade ínsitos à prisão processual, quais sejam, o fumus comissi delicti e o periculum libertatis. Se existisse a necessidade de acautelamento por parte da justiça, mediante instrumentos mais gravosos e, assim, diversos, inclusive, das medidas diversas da prisão, devendo-se, nos termos do art. 312, CPP, recolher o réu ao cárcere, isso teria ocorrido em momento anterior ou, então, quando da sentença condenatória recorrível, mas com fundamento no acima indicado dispositivo legal e não em vetusta regra que desrespeita o longo rol de direitos que o povo brasileiro adquiriu nas últimas décadas, tendo em vista flagrante desrespeito à presunção de inocência se ausentes os motivos que autorizam a prisão preventiva.
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