O evento foi realizado no dia 10 de abril no auditório do Jornal O Imparcial, promovido pelo Centro de Estudos Constitucionais e de Gestão Pública – CECGP, Jornal O Imparcial e Revista Juris.
Leia o artigo do Professor João Batista Ericeira
64: O olhar do Maranhão
Em 1964, no mundo prevalecia a bipolarização da Guerra Fria: a divisão política, militar, e ideológica entre Estados Unidos e União Soviética. No Brasil, vivíamos o ciclo do populismo e do nacional-desenvolvimentismo iniciado por Getúlio Vargas em 1930. O parque industrial estava montado, precisava começar a produzir, gerando impasse entre as reivindicações sociais e os interesses dos industriais e dos latifundiários. Os partidos políticos, a UDN que elegeu Jânio Quadros, o PSD de Juscelino Kubitschek, o PTB de João Goulart, contemplavam em suas plataformas e prometiam alargar os Direitos sociais.
O Maranhão era governado por Newton Belo, e nas eleições para governador marcadas para 1965, o candidato do PSD era o deputado Renato Archer. As Oposições Coligadas, reunião dos partidos que se antepunham ao então delegado junto ao poder central, senador Vitorino Freire, poderia escolher um entre os três prováveis candidatos: Neiva Moreira, José Sarney, Cid Carvalho, que articulara uma dissidência no PSD. Todos queriam assumir o papel de delegados do Poder Central, continuando a tradição maranhense do caciquismo. Na República Velha, exerceram o comando da chefia oligárquica Benedito Leite, Urbano Santos. Este último por duas vezes vice-presidente da República.
Na exposição ao Seminário “A Operação Civil-Militar de 64: o contexto maranhense”, promovido pela parceria “O Imparcial e CECGP”, o jornalista e historiador Benedito Buzar descreveu o clima do dia 31 de março: sem manifestações populares ou distúrbios. Algumas poucas prisões de Maria Aragão, William Moreira Lima, Bandeira Tribuzi, Sálvio Dino, Nagib Jorge Neto, Edson Vidigal, de diretores da UMES, dentre outros. Seguiram-se pontuais intervenções em órgãos públicos federais.
A Assembleia Legislativa cassou o mandato dos deputados estaduais Sálvio Dino e Benedito Buzar e de alguns suplentes. Perguntei aos dois: em que se baseava a Resolução que os cassou? Responderam-me: em um cabograma do general Justino Alves Bastos, comandante do IV Exército sediado em Recife. E o direito de defesa previsto pela Constituição Federal de 1946? A Carta Magna não estava mais vigorando, falava-se de uma Revolução, a partir do Ato Institucional expressando a vontade do grupo politico que tomara o Poder central.
No dicionário da Ciência Política, a palavra revolução tem várias acepções, no sentido sociológico, ela ocorre quando se dão mudanças profundas na estrutura da sociedade, repercutindo na economia, nos meios de produção. São exemplos da História Contemporânea: a guerra da independência dos Estados Unidos de 1776; a revolução francesa de 1789. Mais recentemente, a soviética de 1917, a chinesa de 1948, a cubana de 1959.
Utiliza-se também a palavra revolução com significado político-jurídico, na concepção adotada pelo filósofo do Direito e cientista politico Hans Kelsen (1881-1973), a maior figura do mundo jurídico do século passado. Tem neste plano, a importância de Karl Marx (1818-1883) para as ciências econômicas e socais, e de Freud (1856-1939) para a psicologia. Provocou profunda e radical ruptura, fazendo a teoria jurídica gravitar em torno do ilícito, e não do lícito, como se fazia antes dele.
Para Kelsen, dá-se a revolução quando a ordem legal, constitucional, é substituída por meios ilegítimos, e não previstos pela ordem jurídica derrubada, por outra, em razão da mudança do centro de poder. Assim, em 1889, 1930, 1945, 1964, houve a substituição do governo central, por novo grupo de direção, mantendo-se o funcionamento dos serviços públicos, seguido do reconhecimento pela comunidade de países, como previsto pelo Direito Internacional.
A historiadora Regina Faria e o jurista Pedro Leonel Pinto de Carvalho discorreram brilhantemente sobre os efeitos de março de 64, analisando a conjuntura internacional e nacional. De minha parte, adotei a terminologia kelseniana, com o escopo de enfocar a relação centro-periferia, como o fez o general Golbery Couto e Silva, chamando-o de movimento de sístole e diástole, brilhantemente desenvolvido pelo sociólogo José Ribamar Caldeira, no notável trabalho “Estabilidade social e crise politica, o caso do Maranhão”, publicado pela revista de Ciência Politica da UFMG.
Com a mudança do centro do Poder, o oligarca pós Revolução de 30, Vitorino Freire, tinha que ser substituído, tal como se procedeu em outros estados. Neiva Moreira teve o mandato cassado; Renato Archer foi vetado em comunicação do presidente Castelo Branco ao governador Newton Belo. Cid Carvalho inviabilizado pelas ligações com Juscelino e a adesão a João Goulart.
José Sarney tornou-se o único nome viável para governador e delegado do Poder Central. Castelo Branco facilitou-lhe o caminho, determinando a revisão eleitoral, reduzindo em 40% o eleitorado do interior, onde se localizavam os bolsões da fraude.
Ascendendo ao governo estadual, triunfando nas eleições de 1965, Sarney, como delegado do Poder central, deflagrou o processo de modernização capitalista conservadora do Estado, tal como Castelo Branco no plano federal: executando as obras de infraestrutura de energia, estradas, comunicação, universidades.
Mas a tradição oligárquica do Maranhão prosseguiu. Ela veio do Império, passou para a República, de Urbano Santos a Vitorino Freire. Após 64 a tradição continuou com o grupo que se instalou no poder, liderado por José Sarney, legitimado pelas obras de modernização capitalista do Estado, que se prolonga até hoje.
João Batista Ericeira é professor universitário e Coordenador do Núcleo de Ciência Política do CECGP.