Pior que a criminalização dos sindicatos, dos movimentos sociais, é a criminalização da política, porque ela é a abobada da sociedade e lhe determina os rumos. Não por acaso, nas ruas, nos estádios de futebol, em casa, os brasileiros são diariamente vitimados e ameaçados pela violência generalizada, ceifando vidas, aleijando, paralisando, invalidando milhares de pessoas em todo o território do país. Durkheim, um dos fundadores da sociologia, da escola positivista, explicava esses acontecimentos. Partia da categoria fato social buscando as causas desses fenômenos.
Na perspectiva de Durkheim, a violência, a criminalidade, transgressoras das normas sociais, bem como a anomia, caracterizada pela ausência de padrões para reger as condutas dos indivíduos, explicam-se pelos exemplos dados pelas elites dirigentes, condutoras das sociedades. Se elas são corruptas, de baixa moralidade, descumpridoras das normas, geram a anarquia, a desordem e os correspondentes subprodutos, dentre eles, a violência e o crime.
No Brasil de hoje, raro é o dia em que a política e os políticos não estão presentes nos noticiários policiais dos jornais, das revistas, dos rádios e televisões, ligados a inquéritos por desvios de recursos públicos, a propinas, a um numero sem conta de ilícitos, criando a imagem de que a política é atividade reservada aos marginais e aos delinquentes.
O que pensarão dessa tal política os meninos e as meninas das periferias das cidades, das favelas? Ela não lhes dá boa escola, não lhes oferece empregos nem os serviços de saúde, enquanto o tráfico de drogas lhes proporciona altíssimos ganhos, ainda que com o custo final da vida curta. Os resultados do comércio ilícito são imediatos. Os políticos, fartos em promessas não cumpridas, não têm autoridade moral para criticar e penalizar as ilicitudes. Suas atividades de ganho fácil, às custas do erário público, são igualmente danosas. Matam as pessoas nos hospitais, negam-lhes as oportunidades de trabalho e de renda, dão-lhes péssimas escolas. O transporte público e o escolar são vergonhosos.
As estradas, portos, e meios de transporte urbano estão sucateados, os aeroportos reformados para a Copa do Mundo, em péssimas condições, tudo a serviço do caixa 2, instituição permanente, alimentadora dos esquemas de corrupção voltada para próxima eleição, garantidora da permanência dos mesmos, a se perpetuarem nos cargos do Legislativo, do Executivo, influenciando as decisões do Judiciário. A falta de representatividade e de legitimidade do sistema político é evidente, a população descrê de suas funções, e a reforma política é apenas um discurso de que se valem governo e oposição.
Obviamente, não se pode ignorar, na era da globalização, a superposição do financeiro, a dependência do mercado internacional, as influencias do tráfico internacional de drogas e do consumismo. No entanto, não se deve desconsiderar os aspectos peculiares da cultura nacional, e as determinações sócio-políticas locais.
Para tanto, não adianta questionar os excessos dos pressupostos teóricos sociológicos da escola positiva, tampouco é inútil preconizar futuros marcos legais proibitivos para a grande imprensa, apontada como responsável pelo show diário do noticiário da corrupção política. Claro, há interesses das grandes corporações. Mas a doença deve ser aferida principalmente pelas consequências no cotidiano das pessoas e o reflexo nas estatísticas criminais. Também pela superlotação dos presídios, povoados por indivíduos oriundos das camadas mais baixas população, composta na maioria de afrodescendentes. Ao mesmo tempo constata-se a falência dos sistemas de segurança e judiciário, incapazes de enfrentar a gravidade da enfermidade desagregadora do tecido social. Se comparado a um organismo, o modelo da organização política da sociedade está em estado de coma. Exige terapias de urgência.
A reforma do Estado, a alteração do sistema de representação política e eleitoral, a introdução do voto distrital misto, a redefinição do financiamento das campanhas eleitorais, com o aperfeiçoamento dos mecanismos de controle, a proibição da reeleição para os cargos do Executivo nos três níveis da Federação. A reformulação do Judiciário e da Segurança. A criação de tribunais administrativos, com a participação da sociedade, para o combate a corrupção. O estabelecimento de instrumentos de controle dos atos de governo pela sociedade. São todos itens indispensáveis para a reforma político-eleitoral.
Na verdade, são terapias urgentes, a serem exigidas dos candidatos nas próximas eleições gerais. A não aplicação levará, com certeza, o organismo político ao evento letal, ou seja, a morte, pela falência das funções. E, aí, será inútil procurar os culpados pela criminalização da política.