Um dos brasileiros que mais influenciou o pensamento político do país, nos séculos 19 e 20, foi Ruy Barbosa. Defendia o voto obrigatório por considerá-lo indispensável à formação da consciência de cidadania. Em seu tempo, vivendo em uma sociedade marcada pelo escravagismo, de eleitorado ínfimo, enxergava na sua ampliação, a via necessária para a construção da democracia. A memorável campanha por ele desfechada para a Presidência da República, em 1910, provocou inusitada participação do eleitorado, ainda que a escolha efetiva se fizesse pelo acerto entre os estados maiores, no Congresso Nacional, a época liderado por Pinheiro Machado, o condestável da República Velha.
Após 1930, aumentando o eleitorado, e pela ausência de partidos políticos representativos, as eleições presidenciais adquiriram feição plebiscitária, disputadas em função de grandes nomes, em torno dos quais se travava a disputa. Até 1955, um ano após o suicídio, Getúlio Vargas ainda era o centro da corrida presidencial. Em lado oposto o Brigadeiro Eduardo Gomes. Nesse pleito elegeu-se Juscelino Kubitschek, aliado de Vargas. Em seguida vieram Jânio Quadros, Fernando Collor, Fernando Henrique, Lula, Dilma, agora também candidata a reeleição.
A lembrança de Ruy ocorre no momento da divulgação, semana passada, da pesquisa do Instituto Datafolha com seguinte conclusão: 61% dos entrevistados é contra o voto obrigatório previsto pelo artigo 14, da Constituição Federal, e as sanções decorrentes do não comparecimento do eleitor: justificação, multa, proibição de contratar com o serviço público. O mais grave, se pudessem optar, 57% dos brasileiros não compareceriam às urnas no próximo dia 5 de outubro. A rejeição cresce entre os mais ricos e escolarizados, e na faixa etária mais madura.
Há muitas ilações acerca do levantamento efetuado pelo Datafolha. Elas merecem acurado exame de parte de lideranças partidárias, dos candidatos, de todos os interessados no chamado “mercado do voto” instituído pela democracia da Constituição de 1988. Passadas tantas eleições após a sua promulgação, o tempo é razoável para o balanço dos resultados alcançados em razão da falta ou do modelo político adotado. A primeira hipótese parece mais plausível. As leis que regem o processo eleitoral: a Complementar nº 64/90, tratando das inelegibilidades; a dos partidos políticos nº 9.096/95 e a das eleições nº 9.504/97, mantiveram intacto o sistema de representação anterior à interrupção do ciclo democrático. Permitiram, não obstante proibições pontuais, a manutenção das influencias do poder político e econômico sobre a vontade do eleitorado. Resultado, a falta de modelo congruente de representação política da sociedade, determinou a descrença em suas possibilidades. Sobretudo de parte das camadas com renda maior e acesso aos bens da cultura. Para quem o voto obrigatório termina sendo forma compulsória de perpetuação do velho estilo de fazer a política, como diálogo exclusivo entre as grandes lideranças. Tal como no passado, cabendo ao eleitorado as tarefas meramente homologatórias. Nas eleições de 2014, os grandes eleitores são os ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso e Luís Inácio Lula da Silva. Vez por outra trocam petardos a propósito de quem deixou o melhor legado. Qual a melhor herança: o plano de estabilização monetária ou os programas compensatórios de distribuição de renda? O eleitor mais esclarecido sabe que um não existiria sem o outro. E mais, se questiona sobre qual o seu papel no sistema político que o transformou em mero avaliador no dia do pleito. Depois não o ouve mais. Não lhe cabe qualquer possibilidade de revogação dos mandatos outorgados aos eleitos.
O peso do poder econômico é determinante sobre o resultado das eleições, transformando a sociedade política brasileira em plutocracia semelhante à norte-americana, em nosso caso, favorecendo invariavelmente os detentores dos cargos públicos. Exemplificativamente, ano passado, o partido dominante na esfera federal recebeu, segundo o Tribunal Superior Eleitoral, oitenta milhões reais. As outras agremiações de maior porte, em torno de quarenta e cinco milhões. Isso em um ano de não realização de eleições. Imagina em 2014, ano eleitoral, a partilha vai aumentar, tudo dependerá das pesquisas. Ninguém quer ficar mal com o vencedor. Os principais doadores são as construtoras.
As eleições são dominadas pelos institutos de pesquisa, as empresas publicitárias e as doadoras. Elas serão as donas do governo que governará através dos reclames publicitários.
O eleitor permanece esquecido e obrigado a votar. A discussão é interessante e merece uma consulta plebiscitária. Por enquanto permaneço com Ruy para que a democracia pressupunha a representação de todos, das maiorias e das minorias privilegiadas.