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Centro de Estudos Constitucionais e de Gestão Pública

“Ei, Dilma, vai tomar no…” – Viva a democracia

Publicado por Pedro Salgueiro em JusBrasil

É comum a vinculação entre democracia e Constituição, relacionando uma à outra quanto ao surgimento ou consolidação. Isto é, entende-se erroneamente que a democracia surge ou se consolida em um país após a edição de um texto constitucional. Esses dois elementos, obviamente, não têm qualquer relação de natureza ontológica, apesar do vínculo prático de fortalecimento democrático com a promulgação de uma Carta Política escrita e rígida.

Após surtos de manifestações sociais no último ano, a população brasileira decidiu mostrar que o é a democracia, exercendo direitos que lhe cabem, como única legítima detentora do poder (“todo poder emana do povo”). Vale lembrar, em poucas linhas, que a Teoria da Democracia advém de três correntes: 1) clássica – monarquia, governo de um só, aristocracia, governo de poucos, e democracia, governo do povo; 2) medieval – consubstanciada na concepção de soberania, que pode ser ascendente, quando o único poder vem do povo e os dá representatividade, ou descendente, quando o poder vem do príncipe e se transmite para uma camada inferior; 3) moderna – somente existem duas formas de governo, a monarquia e a república, sendo a democracia uma subespécie da segunda.

Tal exposição é relevante para que percebamos que há, atualmente, confusão entre termos, tais como república, democracia, Constituição etc., especialmente pela configuração da última corrente, a teoria moderna (esta como subespécie). Tão verdade isso, que repetidamente se vê políticos (ou seja, aqueles que, em tese, fazem política) defendendo a forma republicana ao invés do regime democrático, quando falam de um governo popular. Igualmente, na boca de parlamentares, a Constituição se torna sinônimo de poder do povo, sendo que este deriva, contudo, de uma percepção anterior à escrita constitucional (invoque-se jusnaturalistas, Rousseau, com seu contratualismo bilateral, ou Kelsen, com seu modelo lógico-jurídico, à livre escolha).

Entretanto, o que se abraça agora é que a população brasileira está paulatinamente percebendo que é participante principal de uma Democracia, em seu sentido contemporâneo. Isso significa que é ela a detentora do poder do Estado, delegando-o a quem deseja (pelo processo eleitoral), e também participando de maneira direta, em todos os seus estratos (maiorias e minorias).

A população, conhecendo esse fato, reclama o que é seu, não o que o Estado pode lhe dar. Reclama o que lhe pertence e foi sequestrado. Xingar a Presidente da República do Brasil em um evento internacional não foi um ato de selvageria, foi a demonstração de que a última gota já fez a água transbordar. De que gastar cerca de R$30.000 por mês com doces, pães, brioches, queijos e sucos para lanches no Palácio do Planalto é mais que abusivo para quem não dispõe de R$15 para comprar remédio para sanar uma dor de cabeça após um cansativo dia de trabalho (isso sem falar de dores/doenças que realmente interessam).

O coro que se fez no estádio Itaquerão quando da abertura da Copa do Mundo 2014 não foi a voz da elite brasileira, única capaz de comprar ingressos de alto preço, como disse a Presidente para se defender. Foi a voz uníssona do povo brasileiro, ora que não se formou coro maior justamente porque ali só estavam os poucos que dispunham de capital. Se abaixasse o valor do ingresso, o xingamento seria formado por número muito maior de pessoas.

Decerto, a chefe do governo do Brasil foi a representante escolhida para o ataque, mas quem se queria atingir ultrapassa a pessoa da Presidente. Queria-se alcançar, de forma geral, os agentes políticos (do executivo, legislativo e judiciário), os servidores de cargo em comissão e os agentes públicos faltosos ao labor (a exemplo daqueles que somente assinam/marcam seu registro de ponto ou que comparecem, mas não propiciam eficiência ao seu serviço).

Além do que, como se expôs, a democracia, formada em estreita ligação com a república, também é formada pelas classes econômicas altas. Tem ela a mesma importância que as classes mais baixas. O peso do voto é o mesmo, a tom da voz é o mesmo, as reivindicações são as mesmas (com as devidas proporções).

Os teóricos da Teoria das Elites: Gaetano Mosca, Pareto e Robert Michels (dentre outros) afirmavam a existência da classe governante (minoria) e a classe governada (maioria). A primeira vale-se da força (leão) ou da astúcia (raposa), sendo chamada de elite. A segunda é a massa, classe numerosa, desatenta, indecisa e facilmente levada. Essencial diferença entre ambos? ORGANIZAÇÃO.

Daí surgiu a máxima Lei de Ferro das Oligarquias (R. Michels), válida até os dias de hoje: "A organização é a mãe do predomínio dos eleitos sobre os eleitores, dos mandatários sobre os mandantes, dos delegados sobre os delegantes. Quem diz organização, diz oligarquia". Conforme Pareto, a classe oligárquica (minoria mandante) se organiza, tendo como consequência a consolidação do mando sobre a massa desorganizada. Ou seja, a elite sobrepõe sua vontade sobre a massa, de forma legal ou violentamente imposta (no Brasil, tal forma se baseia no princípio da representatividade).

Logo, a conclusão há muito observada se impõe atualmente, de que a democracia nada mais é que uma formação de elites amplas e abertas. Situação que passa a mudar a partir dos tempos de hoje, com a sociedade gritando em coro: “Ei Dilma, vai tomar no c…”.