O Brasil está em oposição contínua a Montesquieu. Aqui, o Judiciário decide pelo Executivo que legisla, enquanto este último se omite. A separação dos poderes não vingou nos trópicos. O momento é oportuno para início de debate sério sobre as distorções do vigente sistema político. Acontece que a maioria da população descrê da política, e os candidatos com chance de vitória apresentam-se nas eleições como os anti-políticos. Assim se sucedeu com ex-presidente Lula, e parece repetir-se com a candidata Marina Silva. A estratégia eleitoral tem apresentado bons resultados em face da politiquice dominante. Ela nada tem a ver com os reais interesses da população. Por outro lado, o povo tem memória curta, quem, por exemplo, lembra do deputado que votou na última eleição?
É certo também, no Brasil, não se vota nos partidos políticos. Eles não lograram consolidar-se ao longo do tempo histórico. Dentre outras razões, por não representarem a população e constituírem meros aglomerados em torno das benesses do poder. O fato comprova na prática a falta de base e de representação social das agremiações partidárias. A indagação crucial é, no entanto: haverá governabilidade sem os partidos, e mais, o Presidente da República pode ser anti-político? Obviamente não. O sistema constitucional impede. Não se governa sem o Congresso Nacional, e este se compõe de representantes eleitos pelos partidos políticos.
Em homenagem a Semana da Pátria, não custa lembrar, desde a independência política em 1822, os partidos eram integrados por cortesãos disputando os favores do imperador Pedro I. É conhecida a briga de bastidores travada entre José Bonifácio de Andrada e Silva, o articulador do grito do Ipiranga, e Francisco Gomes da Silva, o Chalaça, defensor do partido dos portugueses. Oportunista, aproveitador, corretor dos momentos de deleite do Imperador, para quem arranjou a depois transformada em Marquesa de Santos. O Andrada, cientista, homem de elevada cultura, maçom e intelectual, responsável pela separação de Portugal, teve que enfrentar as intrigas do seu opositor nos corredores palacianos.
Os partidos políticos começaram assim, e prosseguiram durante o Segundo Império e todas as repúblicas, inclusive a última, formalizada pela Carta Constitucional de 5 de outubro de 1988. O povo como sempre o espectador, e não o detentor do poder político no Brasil. Mas a crise dos partidos políticos generaliza-se em todas as democracias ocidentais. Entre nós tem as suas peculiaridades. Destacam-se: a não separação, a invasão de funções, e a promiscuidade entre os poderes. Situação nada republicana. Todos os candidatos a Presidência da República incorporam em seus programas e promessas a Reforma Política. Em coro admitem, o atual sistema está falido e não pode continuar.
Durante o Segundo Império, como relata Machado de Assis, os políticos chamados de “casacas”, e detestados pela população, eram responsabilizados por todos os erros do governo. Contra eles o marechal Deodoro da Fonseca, líder do Exército, fortalecido pela Guerra do Paraguai, proclamou a República, que logo envelheceu em razão das práticas coronelísticas dos herdeiros dos casacas. A quartelada de 1930, rotulada posteriormente de Revolução, fez-se contra os seus vícios. A de 31 de Março de 1964 trouxe as mesmas motivações de combate à corrupção da chamada classe política.
Quando do esgotamento do ciclo autoritário de 1964 a 1985, deflagrada a Campanha das Diretas, eleito Tancredo Neves indiretamente pelo Colégio Eleitoral, proclamou-se a Nova República. Os mesmos que mamavam nas tetas da ditadura apresentaram-se como democratas. Colocaram a palavra Nova antes de República, em manobra semântica para esconder seus verdadeiros propósitos, prosseguirem no desfrute das benesses do poder. Apesar de seu descrédito diante da população, ao eleitorado não são oferecidas outras opções. Daí, a necessidade da utilização de expressões como anti-política ou nova política de parte dos candidatos a Presidência, na estratégia de ganhar os votos. Nem uma expressão nem outra são aceitáveis.
A verdadeira politica dispensa adjetivos, nela, a população não é espectadora, mas partícipe dos atos do governo. É esse o desafio aos eleitos, transformar em realidade, ainda que parcial, os anseios de participação do povo brasileiro.