Publicado por Wagner Francesco em JusBrasil
Estarrecido – muito embora deveria já ter me acostumado: mas eu sou ruim de me acostumar com o que não presta – leio o procurador da República Manoel Pastana legitimar uma aberração do Processo Penal: pra ele, prender provisoriamente acusados na Operação Lavo Jato é uma ato válido, pois “passarinho pra cantar precisa estar preso”. Fico aqui pensando se o Pastana cria pássaros e se ele não anda cometendo Crimes Ambientais…
Enfim, o fato é que a ideia de pássaro preso é extremamente perigosa, pois nos remete aos tempos do DOI-CODI. Quantos “pássaros” foram presos, torturados e forçados a confessar? No caso do Pastana, o que ele pretende é forçar delação premiada e seduzir pessoas a contarem o que ele quer ouvir – e assim, conseguir um prêmio.
Ora, o artigo 312 do Processo Penal é claro:
A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria.
Certamente o Procurador da República vai querer inserir no artigo acima: “e para assegurar que o acusado confesse o crime ou a participação nele.” Acontece que o inciso LXIII, artigo 5º da Constituição Federal e o artigo 186 do Processo Penal zelam pelo direito ao silêncio e garantem o direito de não produzir provas contra si. Isto é: agora há uma inversão processual: o Estado, que deveria provar a culpa, na impossibilidade disto mantém cativo o acusado na tentativa de arrancar algo quando ele abrir a boca. Quer dizer: para o Pastana, passarinho tem que ficar preso pra abrir o bico.
André Karam Trindade e Lenio Luiz Streck escreveram acertadamente:
Utilizar a prisão como forma de pressionar os acusados para que façam a delação é transformar o Direito Penal em responsabilidade objetiva. Prende-se o acusado para que, depois, este se defenda contando tudo o que a autoridade deveria descobrir por ela mesma. E por que por ela mesma? Pela simples razão de que, no Estado Democrático, o réu não precisa provar nada. Não há inversão do ônus da prova. Simples assim. Quem deve provar é a acusação. Tal função compete ao Ministério Público.
O Estado, falido, não consegue cumprir o seu papel de investigador, o Ministério Público não consegue provas suficientes para denunciar (embora ofereça a denúncia mesmo assim, muitas vezes, só pra manter a sua fama de mal…) e a saída encontrada é se apegar a atos inconstitucionais e inquisitórios para conseguir informação.
Aonde vamos parar? Quão profundo é este poço? E eu aqui fico pensando: se eles prendem gente rica para conseguir a confissão, imagina o que pobres usuários de drogas não andam sofrendo na mão desta (in) justiça…