Publicado por Luiz Flávio Gomes em JusBrasil
Levantamento do Instituto Avante Brasil mostra, em valores atualizados, que os 31 casos principais de corrupção (de 1980 a 2014) geraram um rombo ao erário público de R$ 120 bilhões. Campeão destrutivo do dinheiro público continua sendo (por ora) o caso Banestado (R$ 60 bi), seguido da Petrobras (cuja estimativa preliminar gira em torno de R$ 10 bi a R$ 20 bi). Custa acreditar, mas, enfim, quem ignora todos esses fatos públicos e notórios? Quem ignora que nosso País, um dos paraísos mais cobiçados da cleptocracia mundial (em razão da quase certeza da impunidade), sempre se viu e sempre foi visto como uma nação, para além de obscenamente desigual (dentre as dez mais desiguais do planeta), completamente desmoralizada? Outro destino, menos cruel, lhe poderia estar reservado, a mim não cabe nenhuma dúvida em afirmar isso; seguramente o Brasil mereceria ocupar lugar distinto no concerto das nações, especialmente as que desfrutam de respeitabilidade internacional; mas a cínica política dos egoístas cleptocratas (ou seja: dos grandes ladrões) nunca lhe permitira algo diferente do que realmente é, uma “republiqueta” pujante, além de bela e futurista, mas desacreditada no conceito geral e internacional, que parece estar, antes de tudo, condenada a representar senão a escória de todas elas, ao menos, uma das menos confiáveis.
O que a opinião pública não vem debatendo com a seriedade que conviria? O impacto da corrupção e do dinheiro (do poder econômico) na legitimação democrática, que resulta conspurcada em virtude dos vícios nefastos do processo eleitoral, destacando-se (veja Organizacion de los Estados Americanos. Política, dinero y poder, coordenação de Dante Caputo. México: FCE, OEA, 2011): “(1) a eliminação das condições igualitárias na concorrência aos cargos políticos eletivos; (2) a distorção da agenda política (que é a responsável pela gestão das opções eleitorais); (3) a limitação das opções onde existem temas que ficam fora do debate cidadão; (4) a desigualdade de oportunidade na difusão da imagem e da mensagem do candidato eleva os meios de comunicação ao papel decisivo na eleição (eminentemente marqueteira); (5) o dinheiro (o poder econômico) é o que outorga a possibilidade de acesso “marquetizado” aos meios de comunicação e à opinião pública; (6) os meios de comunicação mais a fabricação de imagens marquetizadas são decisivos e isso somente é acessível a quem tem muito poder econômico (dinheiro)”.
Em um paraíso da cleptocracia, como o nosso, forma-se o círculo mais vicioso que se possa imaginar: as eleições são caríssimas (R$ 5 bilhões foi o custo das campanhas de 2014); os políticos e os partidos dependem de “financiamentos” generosos; muitos financiadores procuram resgate por meio das benesses públicas (contratos e licitações), distantes dos critérios da meritocracia, lisura, transparência e moralidade. O dinheiro público, conquistado de forma ilícita, resulta ser o grande suporte dos eleitos, que se comprometem com o fisiologismo partidário bem como com a divisão do orçamento público conforme as conveniências dos grandes ladrões que governam o País. Os gritos estridentes e inconformados, emitidos pelos ladravazes, de que tudo isso seria uma falsidade ou exagero, não resistem à mais superficial análise dos fatos. São os próprios envolvidos (executivos como A. M. Neto, da Toyo) que estão divulgando a inusitada e cruel realidade de que o dinheiro público alcançado pelo superfaturamento dos contratos é o mesmo (ao menos em grande parte) destinado às “doações eleitorais”. O financiamento eleitoral virou lavagem oficial de dinheiro!
As campanhas eleitorais estão cada vez mais esvaziadas de conteúdo programático. Muitas não passam de campanhas violino: pega-se com a esquerda e toca-se com a direita! Ou seja: ganha-se a eleição com os discursos progressistas e inclusivos da esquerda e governa-se com os rigores restritivos da direita (ou vice-versa, conforme as conveniências de cada momento). O que vale mesmo é a propaganda, não a seriedade do programa de governo. E quem viabiliza a propaganda é o dinheiro (o poder econômico) que, dessa forma, “compra” o maculado poder político. Com isso fica deteriorado o processo eleitoral, que se agrava sobremaneira quando se sabe que os candidatos são tratados como “objetos de publicidade”, não como os melhores para desempenhar a boa governança. Os eleitores, nesse deplorável contexto fantasioso, se dividem e discutem (até acirradamente) não a melhor opção para a sociedade, sim, qual é o melhor produto publicitário, porque a propaganda entra no lugar dos programas assim como dos pobres, estridentes e definhados debates. Nada mais favorável para se desacreditar na política e nos políticos que assistir a um insosso debate desse gênero. O dinheiro, em suma, compra votos, compra mandatos, compra favores: desse círculo vicioso do clientelismo eleitoral nunca nos livramos.
Seria um equívoco rematado afirmar, no nosso pouco espiritualizado país, a negação absoluta do bem. O bem existe, não há dúvida (inclusive na res pública). Do contrário ainda estaríamos no regime colonial, dependentes das tiranias da metrópole. Mas ao lado do bem é preciso reconhecer a existência do mal. Mais ainda: é indispensável pintá-lo sem nenhuma dissimulação em toda a sua integralidade, evitando-se o exagero. Seria uma heresia propagar que não respiram entre nós muitos administradores e pessoas públicas dotados de sentimentos honestos. Mas já passou da hora que vermos sua absoluta preponderância, o que significaria a eliminação do serviço público ou ainda a emenda bem como a profunda reforma de todos aqueles que se acostumaram a viver (ou a se enriquecer) do alheio como se fosse próprio. Mais transparência, marcos regulatórios eficazes, mais controle do poder político, que chegou onde chegou em razão da frouxidão do império da lei: tudo está por ser feito contra a cleptocracia brasileira.