Publicado por Patrícia Cobianchi Figueiredo em Atualidades do Direito
Advogada, professora, mestre em Direito do Estado (PUC/SP), especialista em Direito Constitucional pela ESDC/SP, coordenadora da Comissão de Direito Constitucional da OAB/SP-Santana, membro da comissão de direitos infanto-juvenis da OAB/SP-Central, autora de artigos, capítulos e do livro Os Tratados internacionais de direitos humanos e o controle da constitucionalidade (LTR).
Análise da Evolução Jurisprudencial do STF em 2014
Recurso extraordinário, repercussão geral e concursos públicos: o posicionamento do Supremo Tribunal Federal acerca da cláusula de barreira e do limite etário
Este artigo tem por fim trazer conhecimentos gerais acerca da repercussão geral como mais um requisito de admissibilidade do recurso extraordinário e demonstrar sua aplicabilidade em dois julgados proferidos pelo Supremo Tribunal Federal e pertinentes a concurso público, quais sejam, um sobre a limitação etária para ingresso em carreira e outro acerca da cláusula de barreira constante de editais. Para tanto será exposto que a repercussão geral, prevista no § 3º do artigo 102 da CB/88 (acrescentado pela EC n. 45/2004), apenas foi regulamentada em 1996 com a edição da Lei 11.418, além de outras regulamentações trazidas por emendas regimentais e portaria. A análise proposta tem utilidade social e jurídica, seja em razão dos efeitos das decisões nos recursos extraordinário com repercussão geral reconhecida, seja devido aos temas relativos a concurso público.
1. Aspectos geral sobre a repercussão geral
A Emenda Constitucional n. 45, de dezembro de 2004, conhecida como “Reforma do Judiciário”, entre tantas alterações, incluiu o §3º no art. 102, o qual trata da competência do Supremo Tribunal Federal, a saber:
§ 3º No recurso extraordinário o recorrente deverá demonstrar a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que o Tribunal examine a admissão do recurso, somente podendo recusá-lo pela manifestação de dois terços de seus membros.
A expressão “nos termos da lei” presente no comando constitucional acima citado indica tratar-se de uma norma de eficácia limitada, porquanto dependente da edição de lei regulamentadora para sua aplicabilidade. Tal regulamentação ocorreu apenas em dezembro de 1996 com a edição da Lei 11.418, cujo prazo para entrada em vigor foi de 60 (sessenta) dias . Assim, foram acrescentados ao Código de Processo Civil o art. 543-A e o art. 543-B, com seus respectivos parágrafos. O caput do art. 543-A traz a seguinte redação:
Art. 543-A. O Supremo Tribunal Federal, em decisão irrecorrível, não conhecerá do recurso extraordinário, quando a questão constitucional nele versada não oferecer repercussão geral, nos termos deste artigo.
A partir de então, demonstrar a repercussão geral no recurso extraordinário tornou-se mais um requisito formal para sua admissibilidade, sem a qual o Supremo Tribunal Federal não conhecerá do recurso. Nos termos do § 2º do art. 543-A: “O recorrente deverá demonstrar, em preliminar do recurso, para apreciação exclusiva do Supremo Tribunal Federal, a existência da repercussão geral.”
São duas as hipóteses de repercussão geral, conforme §§ 1º e 3º do art. 543-A:
§ 1o Para efeito da repercussão geral, será considerada a existência, ou não, de questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico, que ultrapassem os interesses subjetivos da causa.
§ 3o Haverá repercussão geral sempre que o recurso impugnar decisão contrária à súmula ou jurisprudência dominante do Tribunal.
A hipótese de repercussão geral do § 1º acima transcrito deixa clara a tendência mundial para que os tribunais superiores conheçam apenas os recursos cujos interesses não se restrinjam às partes do processo. Não se tratando, portanto, de uma peculiaridade brasileira. Já quanto à hipótese do §3º é o reconhecimento de que as matérias já discutidas no Supremo Tribunal Federal que formaram jurisprudência ou mesmo deram ensejo a edição de súmula, contem por si mesmas, a repercussão geral. Nessa hipótese, portanto, não há a necessidade de demonstração nos termos do § 1º, pois resta presumida.
Demonstrada a repercussão geral no recurso extraordinário, caberá ao Plenário do Supremo Tribunal Federal reconhecê-la ou não. Todavia, o § 4º do art. 543-A possibilita que a repercussão geral seja reconhecida sem necessidade de ir a Plenário, o que ocorrerá quando presentes 4 (quatro) votos favoráveis na turma que é composta por 5 membros. A possibilidade é compreensível porque, nos termos do art. 102, § 3º, da CB/88, o recurso somente pode ser rejeitado por dois terços. Para a análise da repercussão geral há também a possibilidade de o Relator admitir manifestação de terceiros (amicus curiae), como previsto no § 6º do art. 543-A.
Da negativa da repercussão geral decorrerá o indeferimento liminar para todos os recursos sobre mesma matéria, resguardada a possibilidade de revisão da tese. Trata-se de uma espécie de efeitos erga omnes, pois atingirá todas as partes de processos versando sobre matéria idêntica. Eis a previsão do § 5o do art. 543-A: “Negada a existência da repercussão geral, a decisão valerá para todos os recursos sobre matéria idêntica, que serão indeferidos liminarmente, salvo revisão da tese, tudo nos termos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal.”
A decisão acerca da existência da repercussão geral publicada no Diário Oficial e terá valor de acórdão, (art. 543-A, § 7º).
O art. 543-B viabiliza ao Supremo Tribunal Federal ofertar tratamento isonômico para os recursos versando sobre a mesma controvérsia. Nesses casos, o Tribunal de origem selecionará um ou mais recursos que representem a controvérsia (leading case) para encaminhá-los ao Supremo. Quanto aos demais, ficarão sobrestados até o pronunciamento final que, se for pela negativa da repercussão geral, serão, automaticamente, inadmitidos (§§1º e 2º).
Por outro lado, caso seja julgado o mérito do recurso extraordinário – após, portanto, o reconhecimento da repercussão geral – a regra está no § 3º do art. 543-B, a saber: “os recursos sobrestados serão apreciados pelos Tribunais, Turmas de Uniformização ou Turmas Recursais, que poderão declará-los prejudicados ou retratar-se.”
A declaração de prejudicialidade por parte do Tribunal a quo terá cabimento após o Supremo Tribunal Federal ter negado provimento ao recurso extraordinário mantendo a decisão recorrida. Já quando o recurso for provido, o Tribunal a quo deverá se retratar reformando seu próprio entendimento, caso contrário o Supremo Tribunal Federal poderá cassar ou reformar liminarmente o acórdão contrário à orientação firmada, como previsto no § 4º do art. 543-B. Portanto, de uma forma ou de outra, irá prevalecer o entendimento do Supremo Tribunal Federal.
2. A repercussão geral sendo aplicada pelo Supremo Tribunal Federal e os casos relativos a concurso público
A regulamentação do art. 102, § 3º da CB/88 não se restringiu à edição da Lei 11.418/96, mas abarca também várias Emendas Regimentais que sobrevieram no período de abril de 2007 a fevereiro de 2012, além de uma Portaria de julho de 2009. São elas: ER Nº 21, de abril de 2007, ER Nº22, de novembro de 2007, ER Nº 23, de março de 2008, ER Nº 24, de maio de 2008, ER Nº 27, de novembro de 2008, ER Nº 31, de maio de 2009, ER Nº 41, de setembro de 2010, ER Nº 42, de dezembro de 2010 , ER Nº 47, de fevereiro de 2012, e a Portaria n 138, de julho de 2009.
São muitos os recursos extraordinários com alegada repercussão geral que chegaram ao Supremo Tribunal Federal, mais de 750 (setecentos e cinquenta) até este final de 2014. Todos estão à disposição no site www.stf.jus.br, onde é possível consultar a relação completa dos temas, aqueles com repercussão reconhecida e mérito julgado, os pendentes de julgamento, aqueles com repercussão negada e, ainda, os processos sobrestados.
Do total desses processos, 67 (sessenta e sete) são do ano de 2013 e 84 (oitenta e quatro) do ano de 2014, ou seja, 151 (cento e cinquenta e um) nos últimos dois anos, entre os quais estão os dois casos já julgados e que dizem respeito a concurso público. O primeiro caso trouxe a reafirmação da jurisprudência do STF sobre limite de idade para ingresso em carreira policial, a saber:
Terça-feira, 30 de abril de 2013
STF reafirma jurisprudência sobre limite de idade para ingresso em carreira policial
Por meio de deliberação no Plenário Virtual, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiram, por maioria de votos, aplicar a jurisprudência da Corte (Súmula 683) e rejeitar o Recurso Extraordinário com Agravo (ARE 678112) no qual um cidadão que prestou concurso para o cargo de agente da Polícia Civil do Estado de Minas Gerais buscava garantir judicialmente o seu ingresso na corporação apesar de ter idade superior ao máximo previsto no edital (32 anos). A Súmula 683 do STF estabelece que “o limite de idade para inscrição em concurso público só se legitima em face do artigo 7º, inciso XXX, da Constituição, quando possa ser justificado pela natureza das atribuições do cargo a ser preenchido”. No caso analisado pelo Plenário Virtual, de relatoria do ministro Luiz Fux, o recorrente, que tinha 40 anos à época do certame (cujo edital dispunha que o aspirante ao cargo deveria ter entre 18 e 32 anos para efetuar a matrícula em curso oferecido pela Academia de Polícia Civil de Minas Gerais) questionava decisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJ-MG) que, ao julgar recurso de apelação, manteve sentença que julgou improcedente Ação Declaratória de Nulidade de Ato Administrativo, na qual ele apontava a inconstitucionalidade do dispositivo da Lei Estadual 5.406/69 que fixava tais limites de idade. No Plenário Virtual, a repercussão geral da matéria discutida no recurso foi reconhecida, por maioria de votos, em razão da relevância jurídica do tema (limite etário para ingresso em carreira policial) que, segundo apontou o relator do processo, ministro Fux, “transcende os interesses subjetivos da causa”. O artigo 7º, inciso XXX, da Constituição Federal proíbe a diferença de salários, exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil. No caso em questão, a lei estadual em vigor à época do concurso público previa que o aspirante ao cargo deveria ter entre 18 e 32 anos. Em 2010, a Lei Complementar Estadual 113 suprimiu a referência à idade máxima, mantendo apenas o mínimo de 18 anos. De acordo com os autos, o recorrente foi aprovado na prova objetiva, avaliação psicológica, exames biomédicos e biofísicos, mas teve sua matrícula indeferida no curso de formação pois contava com 40 anos e a idade máxima permitida era 32 anos. Segundo o ministro Fux, a decisão do TJ-MG está em consonância com a jurisprudência da Corte, razão pela qual não merece reparos. “Insta saber se é razoável ou não limitar idade para ingressar em carreira policial, a par da aprovação em testes médicos e físicos. Com efeito, o Supremo tem entendido, em casos semelhantes, que o estabelecimento de limite de idade para inscrição em concurso público apenas é legítimo quando justificado pela natureza das atribuições do cargo a ser preenchido”, concluiu. De acordo com o artigo 323-A do Regimento Interno do STF (atualizado com a introdução da Emenda Regimental 42/2010), o julgamento de mérito de questões com repercussão geral, nos casos de reafirmação de jurisprudência dominante da Corte, também pode ser realizado por meio eletrônico.
Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verJulgamentoDetalhe.asp?idConteudo=237368, acessado em 01/12/2014
No caso, o autor da ação declaratória de nulidade de decisão administrativa julgada improcedente, interpôs recurso extraordinário que teve seu seguimento negado pelo Tribunal a quo. Contra tal decisão denegatória interpôs agravo que foi conhecido pelo Supremo Tribunal Federal para negar seguimento ao recurso. Inconformado, interpôs agravo regimental mediante o qual obteve a reconsideração da decisão e a inclusão do tema na sistemática da repercussão geral (ARE 678112 AgR/MG, rel. Min. Luiz Fux), tendo sido reconhecida devido à relevância jurídica do tema que transcende os interesses subjetivos da causa. Assim, foi negado provimento ao recurso extraordinário e reafirmada a jurisprudência já sumulada (Súmula nº 683) no sentido de que a limitação etária para concurso público é constitucional quando justificada pela natureza das atribuições do cargo, não ferindo, portanto, o comando constitucional que veda a diferenciação em razão de idade (arts. 3º, IV, 5º, caput, 7º, XXX, 37, I, e 39, § 3º, da CB/88).
No segundo caso julgado pelo Supremo Tribunal Federal e pertinente a concurso público houve o reconhecimento da constitucionalidade de cláusula de barreira constante em editais de concurso público, a saber:
Quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014
STF decide que cláusula de barreira em concurso público é constitucional
O Supremo Tribunal Federal (STF), em sessão nesta quarta-feira (19), considerou constitucional a utilização da regra de barreira em concursos públicos. Por unanimidade, o Plenário deu provimento ao Recurso Extraordinário (RE) 635739, com repercussão geral, interposto pelo Estado de Alagoas contra acórdão do Tribunal de Justiça estadual (TJ-AL), que declarou a inconstitucionalidade de norma de edital que previa a eliminação de candidato que, mesmo tendo obtido nota mínima suficiente para aprovação, não foi incluído entre os candidatos correspondentes ao dobro do número de vagas oferecidas. O entendimento do STF deve ser aplicado em casos análogos que estão com a tramitação suspensa em outros tribunais. No caso levado a julgamento, o TJ-AL manteve sentença que considerou que a eliminação de candidato no concurso para provimento de cargos de agente da Polícia Civil de Alagoas, em razão de não ter obtido nota suficiente para classificar-se para a fase seguinte, feria o princípio constitucional da isonomia. O Estado de Alagoas recorreu ao STF argumentando que a cláusula do edital é razoável e que os diversos critérios de restrição de convocação de candidatos entre fases de concurso público são necessários em razão das dificuldades que a administração pública encontra para selecionar os melhores candidatos entre um grande número de pessoas que buscam ocupar cargos públicos. O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, observou que a fixação de cláusula de barreira não implica quebra do princípio da isonomia. Segundo ele, a cláusula do edital previa uma limitação prévia objetiva para a continuidade no concurso dos candidatos aprovados em sucessivas fases, o que não representa abuso ou contraria o princípio da proporcionalidade. “Como se trata de cláusula geral, abstrata, prévia, fixada igualmente para todos os candidatos, ela determina de antemão a regra do certame. A administração tem que imaginar um planejamento não só econômico, mas de eficiência do trabalho”, sustentou. O relator do recurso, ministro Gilmar Mendes, apontou que, com o crescente número de pessoas que buscam ingressar nas carreiras públicas, é cada vez mais usual que os editais estipulem critérios para restringir a convocação de candidatos de uma fase para outra dos certames. Ele destacou que essas regras dividem-se entre as eliminatórias, por nota de corte ou por testes de aptidão física, e as de barreira, que limitam a participação na fase seguinte apenas a um número pré-determinado de candidatos que tenham obtido a melhor classificação. O ministro ressaltou que o tratamento impessoal e igualitário é imprescindível na realização de concursos públicos. Frisou, ainda, que a impessoalidade permite à administração a aferição, qualificação e seleção dos candidatos mais aptos para o exercício da função pública. “Não se pode perder de vista que os concursos têm como objetivo selecionar os mais preparados para desempenho das funções exercidas pela carreira em que se pretende ingressar”, afirmou. O relator argumentou que as regras restritivas em editais de certames, sejam elas eliminatórias ou de barreira, desde que fundadas em critérios objetivos relacionados ao desempenho dos candidatos, concretizam o princípio da igualdade e da impessoalidade no âmbito dos concursos públicos. “A jurisprudência do Tribunal tem diversos precedentes em que o tratamento desigual entre candidatos de concurso estava plenamente justificado e, em vez de quebrar, igualava o tratamento entre eles”, afirmou. Ao analisar o caso concreto, o relator destacou que o critério que proporcionou a desigualdade entre os candidatos do concurso foi o do mérito, pois a diferenciação se deu à medida que os melhores se destacaram por suas notas a cada fase do concurso. “A cláusula de barreira elege critério diferenciador de candidatos em perfeita consonância com os interesses protegidos pela Constituição”, apontou. Modulação Os ministros Luís Roberto Barroso e Luiz Fux seguiram o voto do relator quanto ao mérito do recurso, mas ficaram vencidos quanto à proposta de modulação dos efeitos da decisão para manter no cargo o recorrido, que há oito anos se encontra no exercício da função por meio decisão judicial.
Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=260726, acessado em 01/12/2014
Nesse caso, o Supremo Tribunal Federal, após reconhecer a repercussão geral devido à relevância social e jurídica do tema, não reafirmou a jurisprudência dominante sobre a matéria, que submetida a julgamento foi dado provimento, por unanimidade de votos, ao recurso extraordinário interposto pelo Estado de Alagoas (RE 635739/AL, rel. Min. Gilmar Mendes) para julgar constitucional a cláusula de barreira prevista em edital de concurso público e, portanto, não ofensiva ao princípio constitucional da isonomia previsto no art. 5º, caput, e art. 37, I, da CB/88.
Vale transcrever parte do voto do Min. Relator, onde, inclusive, define a conhecida “cláusula de barreira”:
No caso, o edital do concurso público para o cargo de Agente da Polícia Civil do Estado de Alagoas limita o número de candidatos para a etapa do exame psicotécnico até a posição de classificação correspondente ao dobro do número de vagas. O Tribunal de Justiça de Alagoas entendeu ser inconstitucional essa previsão editalícia de cláusula de barreira, ao fundamento de que confere tratamento não igualitário aos candidatos. […]É fato que, em vista do crescente número de candidatos ao ingresso nas carreiras públicas, é cada vez mais usual que os editais dos concursos públicos estipulem critérios que restrinjam a convocação de candidatos de uma fase para outra dos certames. As regras editalícias que impedem o candidato de prosseguir no certame, denominadas regras restritivas, subdividem-se em eliminatórias e cláusulas de barreira . As regras eliminatórias preveem, por exemplo, a exclusão dos candidatos que não acertarem, pelo menos, 50% (cinquenta por cento) das questões objetivas de cada matéria. Outro bom exemplo de regra eliminatória é o exame de aptidão física. Esse tipo de regra editalícia, como se vê, prevê como resultado de sua aplicação a eliminação do candidato do certame público por insuficiência em algum aspecto de seu desempenho. Além disso, é comum que se conjugue, ainda, outra regra que restringe o número de candidatos para a fase seguinte do concurso, determinando-se que, no universo de candidatos que não foram excluídos pela regra eliminatória, participará da etapa subsequente apenas número predeterminado de candidatos, contemplando-se
somente os mais bem classificados. Essas são as denominadas “cláusulas de barreira”, que não produzem a eliminação por insuficiência de desempenho nas provas do certame, mas apenas estipulam um corte deliberado no número de candidatos que poderão participar de fase posterior, comumente as fases dos exames psicotécnicos ou dos cursos de formação. Assim, pode-se definir a cláusula de barreira como espécie de regra editalícia restritiva que, embora não elimine o candidato pelo desempenho inferior ao exigido (v.g.: mínimo de acertos, tempo mínimo de prova), obstaculiza sua participação na etapa seguinte do concurso em razão de não se encontrar entre os melhores classificados, de acordo com previsão numérica preestabelecida no edital.[…] Regras diferenciadoras de candidatos em concursos públicos, que igualmente utilizem fatores de discrímen relacionados ao desempenho meritório do candidato ou à sua classificação no certame, também podem estar justificadas em razão da necessidade da Administração Pública de realização eficiente e eficaz do concurso. Muitas vezes, como parece óbvio, a delimitação de um número específico de candidatos para participação em fases mais avançadas de um concurso torna-se fator imprescindível para sua concretização com base na exigência constitucional de eficiência. Parece sensato considerar, nessa linha, que essa delimitação numérica de candidatos deva guardar pertinência lógica com o número de vagas oferecido no edital, além de outros fatores[…]São critérios que, portanto, não violam o princípio da isonomia, ao contrário, são exigidos por ele em matéria de concursos públicos. Por isso, e justamente por isso, as regras restritivas em editais de concurso público, como as regras eliminatórias e as denominadas cláusulas de barreira, quando estão fundadas (e assim justificadas) em critérios objetivos relacionados ao desempenho meritório do candidato, concretizam o princípio da igualdade (e também o princípio da impessoalidade) no âmbito do concurso público. […]Outra situação comum de previsão de “cláusula de barreira” em editais são as notas de corte da prova objetiva, que estabelecem que – entre os não eliminados – terá sua prova discursiva avaliada apenas número predeterminado de candidatos, considerando-se o custo operacional do concurso. Nesse ponto, destacamos que o expediente não constitui apenas uma medida operacional fundada em questões financeiras, mas também na limitação de recursos humanos presente na maioria dos concursos. A restrição de participantes da etapa discursiva é medida muitas vezes necessária à adequada correção das provas pela comissão avaliadora do concurso, dentro dos prazos estabelecidos pelo edital para a publicação dos resultados de cada fase. Trata-se de um imperativo determinado pela limitação de tempo e de recursos humanos e administrativos. […] Ante o exposto, dou provimento ao recurso extraordinário, para reconhecer a legitimidade constitucional da regra inserida no edital do concurso público com o intuito de selecionar apenas os candidatos mais bem classificados para prosseguir no certame e, em consequência, denego a ordem pleiteada no mandado de segurança originário.
Acórdão disponível em http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarConsolidada.asp, acessado em 01/12/2014
Ao contrário do outro caso mencionado, aqui houve novo entendimento por parte dos Ministros do Supremo Tribunal Federal e de forma unânime. O recorrido que pretendia ver a inconstitucionalidade da cláusula de barreira reconhecida foi vencido e, com isso, restaram sem efeitos decisões que havia conseguido a seu favor desde a primeira instância (liminar, sentença e acórdão), as quais lhe assegurava o exercício do cargo há mais de oito anos. Bem por isso, o Min. Luís Roberto Barroso ao emitir seu voto defendeu a modulação dos efeitos da decisão no sentido de não decretar a exoneração do cargo, mas foi vencido. Assim, resta declarada constitucional a cláusula de barreira em concursos públicos.
Foram esses os dois casos que, reconhecida a repercussão geral nos recursos extraordinários, foram julgados com reconhecimento da constitucionalidade tanto da limitação etária para ingresso em carreira pública, quanto à cláusula de barreira em editais de concursos públicos.
3. Conclusão
Atualmente, por força de comando previsto no art. 102, §3º, da CB/88, devidamente regulamentado, a demonstração da repercussão geral se faz necessária para o conhecimento do recurso extraordinário. Trata-se de uma tendência global de levar aos Tribunais superiores apenas as causas cujos temas estão além dos interesses subjetivos das partes.
Desde a edição da Lei 11.418/96 o Supremo Tribunal Federal vem concedendo eficácia jurídica e social à determinação constitucional, tendo recepcionado mais de 750 (setecentos e cinquenta) casos com alegada repercussão geral.
O destaque aqui foi para 2 (dois) casos relativos a concursos públicos cujos temas tiveram repercussão geral reconhecida nos respectivos recursos extraordinários. São eles: Limitação etária para ingresso em concurso público e cláusula de barreira constante de editais.
Foram dois julgados antagônicos no sentido de que um reafirmou a jurisprudência do Supremo Tribunal e o outro trouxe a alteração do entendimento reinante até então.
O julgado que contou com a reafirmação da jurisprudência, inclusive por estar sumulada, foi aquele sobre a limitação por idade para ingresso em carreira de policial. A decisão final foi pela constitucionalidade da limitação. Já o que trouxe uma mudança no entendimento anterior do Supremo Tribunal Federal, foi acerca da cláusula de barreira contida em edital de concurso público. A decisão final aqui, também foi pela constitucionalidade.
Assim, foram expostos os aspectos gerais da repercussão geral e o atual entendimento do Supremo Tribunal Federal em questões sobre concursos públicos, resguardando para um próximo artigo uma análise crítica sobre ambos os casos.