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Notícia

Centro de Estudos Constitucionais e de Gestão Pública

Quadrilheiros na República cleptocrata

Publicado Jusbrasil por Luiz Flávio Gomes. 

Outros políticos aparecerão, com certeza, nas novas delações premiadas em curso. A roubalheira cleptocrata tem capilaridade. Os que comprovadamente receberam propinas do esquema da Petrobras serão declarados judicialmente “quadrilheiros da República” (expressão do ministro Celso de Mello usada no julgamento do mensalão). Os partidos políticos mergulhados na corrupção e geradores de quadrilheiros estão podres. Moralmente, estão em fase bastante avançada de putrefação. Tornaram-se arcaicos e decrépitos. A rigor, nem mais partidos são, pois já se transformaram em facções criminosas. Estão completamente corrompidos (sobretudo pelo poder econômico e financeiro). Não vale mais a pena lutar por eles. No dia 15/3 vou às ruas para praguejar contra os políticos profissionais assim como contra os partidos corruptos. Vamos gastar nossa energia com algo diferente. Não podemos desistir do Brasil, mas dos partidos e políticos corruptos sim: adeus!

A Espanha está indo para esse novo caminho, com dois partidos distintos: Podemos e Cidadãos. Os velhos partidos corruptos estão sendo abandonados. Necessitamos de lideranças políticas novas, sem os vícios da ladroagem e do parasitismo que caracteriza a cleptocracia. Quando um ciclo político se encerra, outro tem que nascer. Assim é a democracia (ainda que seja meramente eleitoral). As pessoas estão enraivecidas e fartas. Os protestos pipocam por todas as partes. Necessitamos de novos horizontes. Algo em que possamos acreditar. Colocando fim na mediocridade e na cleptocracia. As visões ultrapassadas se exauriram. Chega de privilégios e de roubalheiras. O ciclo da República nova (30 anos depois da redemocratização de 1985) se acabou. Morreu porque levou às últimas consequências a patologia da ladroeira, da roubalheira, do patrimonialismo, do clientelismo, do financiamento empresarial “criminoso” das campanhas eleitorais (só tem legalidade na aparência). A eliminação do jogo eleitoral deve ser o destino de todos os políticos e partidos cleptocratas; para a sepultura devemos mandar o estilo mafializado de governança implantado no Brasil por aventureiros inescrupulosos formado pelo quarteto maligno do funcionalismo de alto escalão (núcleo administrativo) + políticos (núcleo político) + economia de mercado (núcleo econômico-empresarial) + o mundo das finanças (núcleo financeiro).

Com um pouco mais de consciência cidadã e o auxílio das redes sociais podemos varrer do País esse velho e falido modelo de fazer política, que não está ouvindo o clamor da população desesperada, diariamente humilhada pelo deboche do “bolsa-esposa”, do novo prédio parlamentar de um R$ 1 bilhão que se quer construir, do juiz dirigindo um Porsche apreendido, da apologia da violência feita por Lula etc. É chegada a hora de a população abrir os olhos definitivamente e abandonar os sectarismos e bipartidarismos. Nenhum desses partidos celeiros de quadrilheiros da República cleptocrata vale o nosso voto ou nosso respeito. O futuro do Brasil tem que ser radicalmente diferente do que os barões ladrões da cleptocracia apregoam. Não existe economia próspera sem conhecimento e tecnologia. Os poderosos ladrões cleptocratas (das três esferas: federal, estadual e municipal) jogam tudo no atraso e no analfabetismo (porque eles mesmos são muito ignorantes). O ignorantismo faz parte da estratégia de conquista ou manutenção do poder, sobretudo por meio do clientelismo.

A primeira infraestrutura do Brasil tem que ser a ciência, o domínio da tecnologia e a educação de qualidade para todos, em período integral (veja Cristovam Buarque, O Globo). Não tem futuro o país que se mantém isolado e sem competitividade. É preciso romper com os tradicionais vícios das lideranças cleptocratas (que somente veem seus interesses). Precisamos esquecê-las e abandoná-las nas mãos da Justiça criminal, que deve se encarregar delas (punindo todos, consoante o Estado de Direito, com o máximo de ressarcimento possível do dinheiro roubado do patrimônio público). Por força da governança acentuadamente cleptocrata, a pobreza (18% da população) e a miséria persistem (5,9% dos pobres) assim como o analfabetismo absoluto (13 milhões de pessoas), milhões de crianças sem futuro (a não ser o “bico” do crime organizado), jovens sem emprego, natureza destruída, falta de água e de energia, corrupção endêmica, violência epidêmica, desigualdade sistêmica, insegurança jurídica, inexistência de uma verdadeira economia de mercado com concorrência em pé de igualdade etc.

É típico das governanças cleptocratas a venda de ilusões (com o dinheiro dado pelos financiadores e usufruários da cleptocracia). Temos que lutar por mudanças radicais, pela via democrática e sem violência. Novas experiências para elevar nosso padrão moral devem ser testadas. Por frustrantes que sejam, provavelmente serão muito melhores que a esclerosada e majestática cleptocracia instalada no poder.

Saiba mais

A riqueza sem meios de produção (Leo Rosa de Andrade)

É inquestionável a presença difusa de formas corruptas na essência da articulação da sociedade brasileira [cleptocrata]. Trata-se de uma concorrida e muito bem administrada fonte de poder e modo de geração de fortunas ilícitas, seja para os que não detêm os meios de produção [no caso da Petrobras, por exemplo, altos funcionários desta empresa, partidos, políticos e intermediários financistas], seja em favor de grupos econômicos e financeiros [que fazem da corrupção uma plusvalia, uma fonte extra de riqueza]. É forma tão ampliada que se pode dizer que tem, no país, uma dimensão que concorre com a maneira clássica de enriquecimento dentro do sistema de livre mercado, o que se constitui em uma das gritantes manifestações de suas muitas contradições.

O enriquecimento, é sabido, é o objeto da ação capitalista, sistema econômico que permite acumular riquezas com fundamento na propriedade privada dos meios de produção. Em outras palavras, a forma clássica de acumulação de capital sustenta-se na propriedade dos meios de produção (máquinas, equipamentos, construções etc.), domínio este que garante ao proprietário a apropriação de parte do resultado do trabalho operário, possibilitando o seu enriquecimento. No Brasil, contudo, pretensamente fundado no investimento do capital privado, tal lógica não é exclusiva. Há, também, em funcionamento paralelo, outro modo de procedimento estabelecido, que dispensa deter meios de produção [ou que busca plusvalias com os meios de produção existentes para acumular riqueza ilícita]. Nele, fundamental é garantir a transferência indevida de recursos arrecadados pelo Estado para mãos privadas [o para estruturas de poder, para assegurar a sua continuidade], o que é obtido com a colocação de prepostos nos canais por onde correm as verbas [ou por meio da constituição de uma organização criminosa plurilateral, composta de vários núcleos: administrativo, político, econômico e financeiro].

Esses “sujeitos de confiança” [altos funcionários estatais, políticos], nos últimos tempos, operam articulados com “empresas” especializadas em tráfico de influência [intermediários financistas], com estabelecimento de compromissos fiduciários que garantam o repasse dos “recursos” a quem os contratou e, a todos os envolvidos no “serviço”, os percentuais que valham, o que é avaliado com a unidade de alguma moeda, estrangeira de preferência, levado em consideração o sucesso com o qual a operação foi ultimada, o que se expressa no montante efetivamente transferido.

“O pagamento pela intermediação, geralmente estabelecido em forma de comissão sobre o valor repassado, só é feito, neste caso, se houver sucesso na liberação da verba. Trata-se de um ‘contrato de resultados’.”³ “As comissões são distribuídas pelas diferentes pessoas que participam da intermediação do acordo, especialmente, com as funções desempenhadas por cada uma delas no processo de intermediação”4. Essas “relações negociais” têm preços, parâmetros, procedimentos e “ética” próprios [tornaram-se famosas as tabelas no escândalo da Petrobras, seja as relacionadas com a “cartelização” das empresas, seja a dos pagamentos de propina].

“O valor da comissão é geralmente definido no momento do acerto de intermediação e parece estar de acordo com um valor estipulado pelo ‘mercado da intermediação’. (…) Conhecer o momento adequado para solicitar e pagar a comissão faz parte do domínio dos princípios práticos que organizam a intermediação. Não é somente pelo risco de perda de dinheiro que o negocio da intermediação é inviabilizado quando o intermediário exige uma parcela da comissão – em forma de adiantamento – para que ela tenha inicio. Esta exigência é uma espécie de demonstração de que se desconhece como proceder ao participar de um ‘esquema de intermediação’. Tais exigências podem também ser interpretadas ou introduzirem um grau de desconfiança num negócio que se funda especialmente na confiança.”5

Esta “iniciativa privada alternativa” que se lança sobre o dinheiro público e dele se apropria, manobrando uma muito expandida e bem engrenada “máquina” de corrupção, movida a propina e alicerçada em comprometimentos pessoais com quem tem “ligações”, podendo ser “influente” e obter “facilidades”, sempre foi operada por verdadeiras “quadrilhas” [cleptocratas] que têm habitado as cercanias do poder e se foi capilarizando até vir a constituir-se em um mecanismo avassalador, com jeitos cada vez mais indiscretos e documentados, deixando vestígio de suas operações [como têm revelado as delações premiadas].

Por meio dos passos da história brasileira, muitos têm sido seus cúmplices, da mesma forma tantos têm sido suas vitimas. De algum modo são cúmplices os que alimentam estes procedimentos, mesmo que se achem “presas da realidade”, que façam isto apenas para “conseguir coisas”. São vítimas reais os que negam a ceder e sofrem as consequências. São vítimas os cidadãos não conformados a só “ajeitar-se” em um país construído sem historia de cidadania, cientes de que transformá-lo pressupõe uma decisão política que gera obrigação de resistência.