O historiador José Murilo de Carvalho em entrevista à “O Estado de São Paulo” no último fim de semana, comentando as manifestações de rua das capitais brasileiras, formulou convite aos partidos políticos para se “repaginarem”, significa buscarem canais de participação das pessoas que mobilizadas pela internet, estão nos protestos, que se tornaram os principais acontecimentos da vida pública nacional. O fenômeno não é privativo do Brasil, e se repete no mundo inteiro, no Ocidente e no Oriente. A crise política, econômica, ética, requer o reexame de autores clássicos da estirpe do britânico Thomas Hobbes (1588-1679).
Hobbes não acreditava na bondade do ser humano, ao contrário, tinha-lhe como egoísta e preocupado unicamente com seus haveres e poderes. Detentor do Direito natural ao exercício da força, como condição à sobrevivência física, percebeu que na situação original de “homo homini lúpus” (do homem lobo do homem), o caminho seria a guerra geral e a aniquilação de todos. Assim, por questão de conveniência e oportunidade partiu para o pacto social fundador do Estado. Não cabe contestar aqui os pressupostos hobbesianos, e sim, rediscutir com urgência o pacto social brasileiro.
Propala-se, o país está de fato sob a égide do sistema parlamentar de governo, em razão do fortalecimento do Congresso Nacional, determinado pelo “Presidencialismo de coalização” criado pela Constituição Federal de 1988. Desde o Segundo Império, Dom Pedro II se considerava um “presidente da República”, passando pela “República de 1889”, e todas que lhe seguiram, que a forma de governo adotada no Brasil é o hiperpresidencialismo. Para muitos, largocaminho autoritário,sobretudo no contexto latino-americano.
Houve o hiato entre 1961 e 1963, quando se adotou o parlamentarismo, para permitir a posse de Jango, vetado pelos ministros militares após a renúncia de Jânio Quadros. A curta experiência parlamentarista foi benéfica em leis excelentes no campo social, e em resultados positivos na esfera administrativa, ainda que governo e oposição conjurassem para derrubar o regime parlamentar.
O reexame do parlamentarismo como forma de governo, não pode esquecer a necessidade daexistência de partidos políticos fortes e respeitados, o oposto do quadro atual. Daí a importância da sua reestruturação, permitindo que as vozes das ruas neles se manifestem, como sustenta o historiador José Murilo de Carvalho, para quem as manifestações serão inócuassem canais institucionais de encaminhamento dasreivindicações.
No mundo inteiro a prática política sempre esteve defasada em relação aos avanços da tecnologia, é caso da internet, que forçará alterações profundas no sistema de representação e nos partidos. Na experiência brasileira, eles não lograram-se consolidar-se historicamente, agora, seria a oportunidade para utilizando os recursos tecnológicos transformarem-se em efetivos canais de representação da sociedade.
É a oportunidade para repensar a forma de governo. Indiscutivelmente o parlamentarismo é menos concentrador de poder, e portanto, mais democrático. Mas só será viável com partidos políticos fortes e representativos da sociedade. Obviamente não será aplicável ao mandato da atual presidenta, seria um golpe contra a vontade popular. Se aprovado em uma reforma do Estado e da política, após a submissão a aprovação popular, seria vigente após a próxima eleição presidencial, valendo para o mandato do próximo presidente.
Pela atual Constituição, os partidos são pessoas jurídicas de Direito privado, ainda que paradoxalmente sejam mantidos com as verbas do Fundo Partidário, oriundas dos impostos. A forma de financiamento e de organização dos partidos políticos terá que ser refeita.
O tamanho do Estado e as suas funções deverão serreformuladas. Questões como controle de armamentos, reservas indígenas, células-tronco, Lei de Anistia, das cotas, não deveriam ser decididas pelo Supremo Tribunal Federal mas por um Legislativo representativo e pela sociedade. A transferência de poderes para os tribunais resulta da omissão do Legislativo e da quantidade de competências que lhe foram atribuídos pela Constituição.E com a abstenção dos parlamentares e o medo de perder votos, os juízes as foram assumindo.
A crise é uma oportunidade para redimensionar o pacto social e o tamanho do Estado e de suas funções, essencialmente divididas em três: a segurança tão valorizada por Hobbes; a saúde de qualidade para todos; igualmente a educação. No Leviatã, o brilhante Thomas Hobbes parte da maldade ínsita do ser humano. Particularmente prefiro ficar com Rousseau e Marx que adotaram o ponto de partida da bondade do homem. Mas poderão indagar: é um Fla-Flu entre Hobbes e Rousseau?Não. O último sustentava o essencial: o refazimento do pacto social.