SERGIO TAMER é Professor e advogado, mestre em Direito Público pela Universidade Federal de Pernambuco e Doutor em Direito Constitucional pela Universidade de Salamanca. Foi Secretário de Direitos Humanos do Estado (2009-2010) e Secretário de Justiça e Administração Penitenciária (2011-2012). É autor de várias obras jurídicas e atualmente é diretor do Centro de Estudos Constitucionais e Gestão Pública do Maranhão – CECGP.
Foi muito festejado um decreto do Governo Federal que, não obstante entrar em vigor somente a 1ª de dezembro, veio para coibir os abusos das grandes corporações do mercado de telefonia, mas que se dirige, por igual, às megaempresas de aviação civil, energia elétrica, abastecimento de água, planos de saúde, instituições financeiras, transportes terrestres, operadoras de TV a cabo e acesso à internet. Ou seja, veio para dizer que o que está escrito no Código de Defesa do Consumidor deve ser cumprido – no Brasil, precisamos de leis para lembrar que outras leis estão valendo -, especialmente no tocante aos direitos básicos do consumidor contra métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços. Ora, o que pode ter de prática mais desleal e abusiva do que aquela que, mediante ardil e fraude escancarados, impede o consumidor de promover o cancelamento do serviço? A proibição está no Código, mas as grandes empresas sem rosto, sem escritório, sem endereço e sem telefone nas cidades contratam a voz terceirizada dos call centers para impor uma prática comercial que impede o consumidor de exercitar seus direitos elementares. Esse é apenas um dos pontos mais visíveis do embuste ao consumidor. Há outros cuja lista iria extrapolar o espaço deste artigo. O mais grave é que se passaram anos sem que as agências reguladoras e os demais órgãos de fiscalização e controle fizessem cumprir os princípios e as normas contidas no Código do Consumidor. Qual o custo dessa omissão, inclusive financeiro, para o mercado consumidor, vale dizer, para as famílias brasileiras? Veja-se que o diretor do Procon do Distrito Federal foi logo avisando que, sem fiscalização, o decreto vai acabar “virando letra morta”. E é aí que está o risco, pois foi exatamente por falta de fiscalização que as agências reguladoras acabaram permitindo essa prática despudorada do “jogo-do-empurra” que se espalhou por todo o Brasil. É bom que se lembre que agências reguladoras como ANATEL, ANEEL, ANAC e outras existem porque se transferiu um monopólio, que era do Estado, para o particular, ao setor privado, na época das privatizações aceleradas ou da desestatização. Uma atividade econômica que era exercida exclusivamente pelo governo passou a ser explorada com exclusividade por uma empresa privada. Sem concorrência e sem competição alguma era preciso |
criar um mecanismo que pudesse compensar a sua falta. Daí a existência das agências reguladoras. E quando elas não funcionam ou fazem de conta que…? Bom, nesses casos, é na base do salve-se quem puder e, na verdade, poucos poderão se salvar por tratar-se de um monopólio… A assinatura do decreto, muito bem recebido pelo mercado consumidor, que implorava uma ação política estatal contra tais abusos, revela, de forma subjacente, como está deplorável e caótica a atuação dessas agências reguladoras e dos órgãos de defesa do consumidor. Ou seja, a burocracia estatal tem funcionado mal nesse setor. Há muita resolução sendo publicada e pouca ação fiscalizadora. Uma economia que conseguiu situar-se entre as dez maiores do mundo não poderá ostentar esse magnífico e aplaudido crescimento às custas da opressão e da espoliação dos seus consumidores, sob pena de comprometer o Estado democrático e de direito. Assim, a assinatura do decreto nos dá, também, um claro sinal de que o Estado, opressor no passado, tornou-se aliado do cidadão em defesa dos seus direitos, apesar da má atuação da sua máquina burocrática. Álvaro Valle costumava afirmar, em advertência aos abusos dessas e outras grandes empresas, que “os liberais lutaram contra os reis quando eles oprimiam a liberdade. Passaram a lutar contra o Estado, quando ele se tornou o opressor. Talvez amanhã, para arrepios de Hayek ou Von Mises, venham a lutar contra as grandes corporações do mercado, que estão se candidatando ao lugar do Estado como opressores da liberdade individual. ” A realidade em que vivemos, quando falham as agências reguladoras ou os mecanismos de controle da burocracia estatal sobre as grandes corporações do mercado – quer no setor da aviação civil, telecomunicações, instituições financeiras ou de energia elétrica -, é a da mais vergonhosa opressão à liberdade individual. O decreto do Presidente Lula veio em boa hora, mas trouxe consigo revelações que nos aconselham a direcionar nossa luta contra essas corporações gigantescas que escapam, com frequência, ao controle do Estado e oprimem, amiúde, os direitos fundamentais do cidadão.a |
REVISTA JURIDICA CONSULEX – ANO XII – Nº 284 – 15 DE NOVEMBRO / 2008