Publicado por Léo Rosa em JusBrasil
Confiança me parece ser a palavra mais adequada para significar a liga vinculante das relações sociais. Penso confiança como uma torcida para que um investimento (nosso investimento político) dê certo. Não concebo uma confiança como uma entrega cega, que aliena a responsabilidade que atine a cada um manter.
A escolha de uma autoridade pública carece dessa confiança, ou, já sem ela, tudo estará politicamente perdido, pois a suspeita não estabelece os liames necessários ao que se chama de Nação, ou, muito menos, ao que se chama de Estado. Não confiar, pois, não é uma opção possível, se queremos convivência.
Agora, o indivíduo não alienado, ou cidadão, que é mais que um mero eleitor, deve reservar-se um adequado tanto de ceticismo. Não por aquela desconfiança de quem imputa acusações gerais, sem nome indicado ou fato narrado, tipo: “todo político é ladrão”. Mas uma desconfiança metódica.
O ceticismo metódico, nas relações políticas de uma sociedade, não pode ser pessoal, pois seria irrelevante, surtiria efeitos muito limitados; seria mais um desabafo particular do que um gesto cívico. Devem ser construídos meios institucionais por meio dos quais a sociedade articulada possa atuar.
Falta, no Brasil, uma instituição que supervisione com efeitos políticos, os políticos que elegemos. Temos tido decepções após as eleições que se realizam, mas ficamos impotentes para tomar providências. E não falo do político ladrão, que esse, havendo provas (e muitas vezes sem elas) acaba levado às barras dos tribunais.
Creio que o nosso maior desgosto está na inoperância, no desinteresse, na incompetência, na traição das promessas que os marqueteiros escrevem e que os candidatos leem sem muita noção. Estamos meio enfastiados. Isso nos tem feito abandonar a República. Mas sabemos que não podemos abandoná-la.
Na Idade Média houve uma forma de mandato político chamado de imperativo. Por essa forma, a atuação do político vinculada à vontade estrita dos seus representados. O mandatário fica sem margem de interpretação do melhor interesse público. Essa formulação restou impraticável, e menos ainda o seria numa democracia de massas.
A ideia prevalecente, e em verdade correta, é a de que o mandatário político representa toda a nação. Ele não é o delegado de interesses específicos, mas um representante fiduciário da coletividade que, ao seu honesto alvitre, interpreta fatos e conveniências e cumpre a vontade geral.
Mas se o mandatário fica solto de obrigações para com o eleitor, que fazer? Bem, há um instituto muito usado mundo afora que se chama recall. O recall é uma forma de revogação de mandato, aplicável quando o descontentamento dos eleitores para com um determinado político é significativamente amplo.
Usa-se uma petição (notice of intente to recall petition) com objetivo de retirada de poder, assinada por um número mínimo previsto de eleitores e dirigida diretamente à autoridade pública que sofreu perda de confiança, requerendo-se a sua substituição ou demissão do cargo.
Se a autoridade requerida nega-se a atender o solicitado, seja por omissão de resposta, seja por responder negativamente, é realizada uma votação conforme previsto em lei, submetendo-se aos eleitores que caibam votar a cédula com as opções confirmar de ou não a remoção intentada.
São algumas as formas adotadas e muitos os lugares que usam o instituto. Mais em municípios, mas não só. A reforma política que se diz que ocorrerá poderia contemplar a sua aplicação. Talvez com um caminho legal para exercer reclamação de político, os cidadãos não desistamos da política como lugar e meio de organização social.