Publicado por Raymundo Passos em JusBrasil
Apesar de trazer mudanças positivas, a concentração dos atos na matrícula do imóvel tem variantes que podem abalar a segurança jurídica dos negócios imobiliários..
Com os objetivos de dar segurança jurídica aos negócios imobiliários, desburocratizar o processo de venda e compra e financiamento de imóveis, dar rapidez aos processos de análise e diminuir custos, a Lei 13.097/2015, que trata da concentração do ônus na matrícula do imóvel, ainda deixa muitos questionamentos sem respostas.
Muitas das dúvidas dos incorporadores e loteadores foram apresentadas aos especialistas em Direito Imobiliário durante o primeiro dia do Seminário Jurídico – Lei 13.097/2015: Concentração dos Atos na Matrícula, realizado pelo Secovi-SP (Sindicato da Habitação), na noite do dia 4/5.
A necessidade de privilegiar o adquirente de boa-fé, base das alterações trazidas pela lei, já vinha sendo considerada na jurisprudência, como a Súmula 375 do STJ (Superior Tribunal de Justiça), de 2009, que exigia a necessidade do registro da penhora ou a prova da má-fé do adquirente para caracterizar a fraude na venda de imóvel.
“A lei cria aspectos interessantes da boa-fé, mas traz muitas exceções”, alertou Rodrigo Bicalho, advogado do Conselho Jurídico da vice-presidência de Incorporação e Terrenos Urbanos do Secovi-SP, analisando o artigo 54 da Lei.
De acordo com ele, a legislação ainda é frágil, precisa de entendimento mais consolidado e aperfeiçoamento de seu teor. Há inúmeras situações não cobertas pela lei, tais como: os artigos 129 e 130 da Lei de Falências; a aquisição e extinção de propriedades sem registro do título (usucapião e outras hipóteses e a ação anulatória ou declaratória de nulidade de título aquisitivo).
Para créditos fiscais, a lei 13.097/2015 não dispensou a análise de certidões fiscais, pois, segundo o Código Tributário Nacional, pode haver fraude na alienação de bens a partir da inscrição do crédito fiscal em dívida ativa. “Lei ordinária, como a de concentração do ônus, não altera lei complementar, como o Código Tributário. E como reagirá o juiz do trabalho, sendo que os créditos trabalhistas prevalecem sobre os fiscais? Além disso, ao verificar as certidões para cumprir as exceções da lei, o adquirente pode ignorar eventuais execuções bancárias? As ações possessórias? Ainda assim será considerado de boa-fé?”, questionou Bicalho.
“Daqui a um ano, entra em vigor o novo CPC (Código de Processo Civil), que em seu artigo 792, inciso IV, traz disposição que pode até ser interpretada como derrogação da lei de concentração, pois traz de volta a regra anterior, em que a simples existência de demanda capaz de reduzir o réu à insolvência já gera a possibilidade de fraude”, informou o advogado.
Ele concluiu dizendo que para créditos pulverizados e para os consumidores de unidades autônomas e lotes de terreno, a Lei 13.097/2015 é benéfica. Também aproveitou para recomendar aos empresários a continuidade da tomada de todos os cuidados. “Ainda não entramos em um mundo novo. Antes de o tema se consolidar na jurisprudência, deve-se manter a cautela.”
Bipolaridade – Com o advento da Súmula 375, do STJ, a boa-fé passou a ser presumida e a má-fé comprovada. Mas como se comprova a má-fé do terceiro adquirente? José Roberto Novaes, advogado especializado em Direito Processual Civil e em Direito Tributário, respondeu: “Comprovando que o comprador tinha ciência de ação capaz de levar o devedor à insolvência”. Nesse caso, o credor deveria anexar ao processo certidão da comarca do imóvel indicando a existência da ação. “E esse aspecto consta do artigo 54 da Lei 13.097/2015”, indicou Novaes.
A jurisprudência, porém, dispensa a comprovação de ação que leve o vendedor à insolvência. “Não basta a insolvência presumida. Tem de haver comprovação de que o vendedor tem bens suficientes para quitar a dívida”, completou. Porém, o tempo de tramitação do julgamento do processo pode consumir o patrimônio do devedor.
Para Mario Tognollo, advogado especializado em Direito Imobiliário e integrante do Conselho Jurídico da vice-presidência de Incorporação e Terrenos Urbanos do Sindicato, nesses casos a ação já nasce com a execução. Portanto, as Certidões Negativas de Débito (CND) são necessárias e os procedimentos serão os mesmos adotados antes da publicação da Lei. “A atividade imobiliária é atípica. Logo, é inadmissível para o empresário qualquer ineficácia antes, durante ou depois da incorporação.”
De acordo com Tognollo, o benefício efetivo da Lei de Concentração está no seu artigo 55, quando se reconhece a eficácia da venda de unidades autônomas ou de lotes resultantes de parcelamento. “Haverá prejuízos, mas evitará indenizações”, disse, completando que os termos da lei devem ser bem analisados para evitar que bons negócios deixem de ser realizados.
Mais do mesmo – O coordenador do Conselho Jurídico da presidência do Secovi-SP, Marcelo Terra, falou aos presentes que a concentração dos atos na matrícula do imóvel é um tema debatido há anos, mas que ainda não se chegou a termo, pois “é muito fácil falar de fraudes contra credores; difícil é ter coragem para combater intransigências. Trabalhamos com conceitos antigos à luz de uma nova realidade e atribuir a responsabilidade da fraude ao comprador do imóvel é criar, para o advogado, a necessidade de desenvolver conhecimento extrassensorial. Avaliar a existência de ações é simples. Mas a insolvência não!”, criticou.
Terra lembrou que o desembargador gaúcho Décio Antonio Erpen iniciou os estudos da concentração do ônus na matrícula do imóvel no final dos anos 1970 e durante as décadas de 1980 e 1990. “Em 1986, doutor Erpen disse ser inútil e infrutífera a busca por certidões, e que o registro público é o único mecanismo capaz de outorgar a desburocratização e dar segurança jurídica”, contou.
Em 1995, conforme Terra, durante Simpósio Cidadania e Segurança Jurídica, em Porto Alegre/RS, o desembargador Erpen apresentou carta propondo a inscrição das dívidas ou quaisquer ônus no Registro de Imóveis.
Vinte anos após as defesas do visionário desembargador, a concentração na matrícula do imóvel é objeto de lei, porém ela não traz nada de realmente novo. “É mais do mesmo”, disse Terra. “Ela facilita a vida do operador do Direito, mas já existe um arcabouço legal de proteção ao adquirente. Se há proteção da Lei 13.097/2015, para que juntar certidões exigidas nas Leis 6.766/1979 e 4.591/1964 no momento do registro do memorial de incorporação? Porém, o artigo 55 da Lei de concentração é sensacional, por proteger os adquirentes de unidades autônomas e lotes.”
Para o vice-presidente do Irib (Instituto de Registro Imobiliário do Brasil), Francisco Ventura Toledo, a lei buscou fazer o que a jurisprudência do STJ vinha tentando estabelecer, ou seja, proteger o adquirente de boa-fé.
O registrador diferenciou fraude fiscal de fraude civil e enfatizou que “dívida fiscal inscrita em dívida ativa pode caracterizar fraude, fato que exige a apresentação de CND”.
Toledo disse que a o grande volume de averbações na matrícula do imóvel pode atrapalhar o fluxo normal da venda do imóvel. “As exigências de certidões para registro da incorporação e loteamento na lei não vem apenas da existência de fraude de execução, mas da avaliação da idoneidade moral e financeira do incorporador.” Destacou, por considerar positivo, o conteúdo do artigo 59 da legislação, que trata da supressão na Lei das Escrituras Públicas da obrigatoriedade das certidões de feitos ajuizados em nome dos alienantes.
De acordo com o advogado Alexandre Clápis, o expresso no parágrafo único do artigo 54 da Lei 13.097/2015 quase chegou à presunção absoluta. Porém, não deixou de questionar: “Além de todos os documentos, podemos esquecer os títulos mencionados na matrícula? Essa lei vai nos ajudar? Ainda estamos longe de trabalhar com segurança e perdemos a chance de elaborar uma boa lei, que dê segurança efetiva, como existe na Espanha e na Alemanha”, opinou.
O Seminário Jurídico é coordenado pelos advogados Rodrigo Bicalho e Olivar Vitale, integrantes do Conselho Jurídico da vice-presidência de Incorporação e Terrenos Urbanos do Secovi-SP e instrutores da Universidade Secovi.