Publicado por Marianna Dantas em JurisBrasil
Resumo: Este artigo tem como propósito analisar a relação intrínseca existente entre o conceito de consumidor lato sensu e stricto sensu conforme disposições constantes no Código de Defesa do Consumidor e o princípio constitucional da isonomia. Para isso, faz-se necessário fazer uma breve exposição histórica acerca da origem da proteção do consumidor, demonstrando o conceito de consumidor destinatário final e consumidor por equiparação, levando-se em consideração o instituto da vulnerabilidade, analisando por fim as relações de consumo e o papel do princípio da isonomia.
Palavras-chave: código de defesa do consumidor. Conceito. Consumidor. Consumidor por equiparação. Relação de consumo. Vulnerabilidade. Princípio da isonomia.
1. Introdução
O Código de Defesa do Consumidor é um regramento se suma importância para o ordenamento jurídico pátrio, na medida em que compila em seus artigos normas atinentes aos direitos e deveres dos consumidores, delimitando o conceito de consumidor, bem como de fornecedor.
Este código, além de visar a proteção integral do consumidor, parte vulnerável da relação jurídica, busca regular a própria relação de consumo em si.
Desta forma, tendo em vista a importância do Código de Defesa do Consumidor e a necessidade de esclarecimento acerca da figura do consumidor, é que este artigo se propõe a analisar e a responder alguns questionamentos acerca do conceito de consumidor stricto sensu e lato sensu, correlacionado estes conceitos ao Princípio Constitucional da Isonomia.
Para se alcançar tal objetivo inicialmente se faz imperioso fazer breve exposição dos fatos históricos que motivaram o surgimento do Direito do Consumidor e posteriormente culminaram na promulgação da Lei 8.078/90 que deu origem ao Código de Defesa do Consumidor, demonstrando os avanços da sociedade no sentido de proteção do consumidor.
Na sequência será explanado acerca conceituação de consumidor, da mais estrita a mais ampla, visando a conclusão e o entendimento acerca da relação direta ou não dos conceitos de consumidor, bem como sobre a aplicação do principio da isonomia e suas particularidades.
2. O surgimento do Código de Defesa do Consumidor: breve exposição histórica
O Código de Defesa do Consumidor foi criado pela Lei nº 8.078, que foi publicada em 11 de setembro de 1990, tendo entrado em vigor apenas em 11 de março de 1991. Este código surgiu para regular as relações de consumo existentes entre consumidores, fornecedores e prestadores de serviços criando normas e instituindo condutas a serem seguidas pelas partes envolvidas nas relações de consumo.
Ocorre que ao analisar o regramento constante no Código de Defesa do Consumidor, a maioria das pessoas se volta apenas aos acontecimentos ocorridos após a promulgação do Código, ou seja, a origem do referido código e os fatos que o motivaram a sua criação são normalmente esquecidos, não sendo vistos com a devida importância e significância.
A amplitude da relação de consumo é melhor compreendida a partir de ações como: saber distinguir as partes integrantes, identificar o objeto discutido, reconhecer a vulnerabilidade do consumido, bem como analisar as particularidades de cada relação consumerista.
Objetivando facilitar o entendimento da amplitude e da aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor, necessário se faz rever alguns dos fatos históricos que inspiram e inspiraram e impulsionaram a elaboração do referido código.
Inicialmente cumpre registrar acerca da origem do Direito do Consumidor que:
O Direito do Consumidor é considerado um direito moderno, tendo em vista que a primeira legislação feita direcionada à proteção dos consumidores foi em 1910, na Suécia. Os direitos dos consumidores outrora tutelados eram postos juntamente com outras legislações. [1]
Antes da Revolução Industrial, a produção fabril era basicamente artesanal, consubstanciada na relação direta e pessoal entre o artesão (fornecedor de bens e serviços) e o consumidor propriamente dito.
Os produtos normalmente eram produzidos para um fim destinado e para uma determinada pessoa, não existindo em produção em série, contudo, este cenário foi sendo alterado, dando espaço pouco a pouco a produção em massa, ou seja, a produção manufaturadas passa a ser maquinofaturada.
Nesse cenário histórico a partir da Revolução Industrial, ocorrida na metade do século XVIII, a conduta e as necessidades da população tomaram outros contornos, de forma que neste novo período pós- Revolução Industrial houve um significativo aumento populacional nas cidades, formando-se as atualmente conhecidas metrópoles, que passaram a demandar um aumento nas ofertas dos produtos, o que gerou uma maior produção, destinada a um maior número de consumidores, atrelado uma maior sofisticação e eficiência, ou seja, a produção deixou de ser pessoal e passou a ser para todos, houve a massificação da produção.
Segundo entendimento do doutrinador Rizzato Nunes com essa alteração “passou-se então a pensar num modelo capaz de entregar, para um maior numero de pessoas, mais produtos e mais serviços. Para isso criou-se a chamada produção em série, a ‘standartização’ da produção, a homogeneização da produção.” [2]
Esse modelo de produção ganhou força na passagem do século XIX para o século XX, espalhando pelo mundo o modelo capitalista de produção, intensificado pelo avanço significativo da tecnologia, o que se chama de Revolução Tecnológica principalmente pela transferência de tecnologia de guerra que passa a ser reaproveitada na produção em larga escala.
Ainda segundo Rizzato Nunes “este modelo de produção é um modelo que deu certo; veio crescendo na passagem do século XIX para o século XX; a partir da Primeira Guerra teve um incremento, e na Segunda Guerra Mundial se solidificou” [3]
Assim, cumpre ainda destacar que além da produção ter assumido uma nova postura e forma, as relações de consumo travadas entre as partes também tiveram alteração na sua essência, onde o perfil coletivo entre produção e consumidores requeria novas regras de conduta e responsabilidade.
Objetivando uma proteção mais eficiente as relações de consumo no Brasil as iniciativas prol consumidor foram surgindo com o passar dos anos, tendo apenas a partir dos anos 70 essas iniciativas alcançado a relevância devida, como o surgimento das primeiras associações e entidades governamentais voltadas para a defesa do consumidor.
Na década de 70, mais especificamente no ano de 1976, foi criado pelo Governo do Estado de São Paulo o primeiro órgão público de proteção ao consumidor, que recebeu o nome de Grupo Executivo de Proteção ao Consumidor, mais conhecido como PROCON.
Passados alguns anos, outras associações e entidades em prol do consumidor também surgiram, porém todas estas com um campo de atuação muito restrito, não atingindo todos os consumidores brasileiros.
Neste sentido, faz importante destacar que no ano de 1985, foi dado um avanço significativo para proteção do consumidor, tendo sido baixado em 16 de abril deste ano pela ONU (Organização das Nações Unidas) a Resolução nº 39/248, que continha normas sobre a proteção do consumidor, tornando clara a posição deste na relação de consumo, além de tarar de maneira ampla do tema.
Sobre essa resolução, afirma João Batista de Almeida que “ao fazê-lo, reconheceu expressamente “que os consumidores se deparam com desequilíbrios em termos econômicos, níveis educacionais e pode aquisitivo”.” [4]
Desta forma, respaldando a necessidade de regramento especifico para tratar das relações de consumo no âmbito nacional, eis que veio a Constituição Federal de 1988 e instituiu em seus dispositivos a necessidade de proteção do consumidor, bem como da criação do Código de Defesa do Consumidor.
Ainda segundo o ilustre doutrinador João Batista de Almeida:
A vitória mais importante nesse campo, fruto dos reclamos da sociedade e de ingente trabalho dos órgãos e entidades de defesa do consumidor, foi a inserção, na Constituição da República promulgada em 05 de outubro de 1988, de quatro dispositivos específicos sobre o tema. [5]
Neste passo, em 1988, com a promulgação da Constituição da República, pela primeira vez na história do Brasil, a “obrigação do Estado em promover a defesa do consumidor” entrou na lista dos direitos e garantias fundamentais, sendo o artigo 5º, XXXXII, uma cláusula pétrea, portanto imutável.
Para Sergio Cavalieri Filho, o quanto disposto no artigo 5º da Constituição Federal não trata-se de uma simples recomendação ou advertência para o estado, mas sim uma ordem.
Entende ainda este que “promover a defesa do consumidor não é uma mera faculdade, mas sim um dever do Estado, mais que uma obrigação, é um imperativo constitucional. E se é um dever do Estado, por outro lado é uma garantia fundamental do consumidor”. [6]
A defesa do consumidor ainda teve amparo constitucional no artigo 170, V da Carta Magna, que dispõe que para se manter a ordem econômica, é necessária a observância dos princípios do direito do consumidor.
Sobre isso, posicionou-se mais uma vez Sergio Cavalieri Filho que “a defesa do consumidor, além de direito fundamental, é também princípio geral de toda a atividade econômica.” [7]
Por fim, a Constituição Federal de 1988 no artigo 48 das Disposições Constitucionais Transitórias determina que o Congresso Nacional deverá criar o Código de Defesa do Consumidor.
Cumpre registrar que durante muitos anos, todas as controvérsias e a simples regulação das transações de consumo realizadas entre um fornecedor e um consumidor eram regidas e dirimidas através dos dispositivos constantes no Código Civil e o Código de Processo Civil.
Ocorre que, os supracitados códigos possuíam uma vertente claramente privatista, voltada para a igualdade formal entre as partes, situação esta que não é presente nas relações de consumo, justamente pela existência da vulnerabilidade e da hipossuficiência do consumidor em face da relação de consumo, de modo que se fazia necessário a criação de um regramento próprio e especifico para reger essas relações, equilibrando as desigualdades existentes nas relações de consumo.
Fazia-se necessário assim a estruturação de um regramento jurídico especifico voltada para a proteção e regulação da relação de consumo, principalmente do consumidor, parte em nítido desequilíbrio.
Para Sergio Cavalieri Filho:
Examinando o problema em profundidade, constatou-se que a reestruturação da ordem jurídicas nas relações de consumo passava por algo muito mais abrangente do que uma mera atualização pontual da lei. Na realidade, exigia uma nova postura jurídica capaz de permitir o delineamento de um novo direito, fundado em princípios modernos e eficazes. [8]
Neste passo, todos os avanços e transformações ocorridas nas relações de consumo, exigiram uma mudança no comportamento das pessoas, bem como uma modernização da legislação brasileira que regulava essas relações a fim de garantir uma maior proteção as partes envolvidas, principalmente aos consumidores.
Assim, diante da previsão constitucional acima mencionada, em 11 de setembro de 1990 é sancionada a Lei nº 8.078, conhecida como Código de Defesa do Consumidor, sendo um a lei de ordem pública e de interesse social, tendo como finalidade a regulação e proteção das relações de consumo.
Com a vigência do referido código, percebe-se claramente um avanço significativo para o ordenamento jurídico pátrio, todavia, após 23 anos da promulgação do CDC, constatamos a sua aplicabilidade e fiscalização deve melhorar, pois as relações de consumo na atualidade, apesar de todas as medidas de proteção existentes ao seu redor, ainda sofrem desrespeitos e infrações.
3. O conceito de consumidor no Código de Defesa do Consumidor
Muito se discute acerca da conceituação de consumidor, de quem é ou não consumidor, de forma que apenas como essa conceituação e posterior definição é que se pode delimitar determinada relação como sendo de consumo.
Desta forma, afirma Paulo de Tarso Vieira Sanseverino que o conceito de consumidor é o elemento mais importante da definição de relação de consumo.[9]
O Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 2º, caput, traz a conceituação mais comum de consumidor que dispõe que:
Art. 2º – Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.
Em simples análise a conceituação acima exposta, verifica-se que esta afirma que quem adquire ou simplesmente utiliza determinado produto ou serviço, na qualidade de destinatário final pode ser considerado consumidor.
Contudo, é justamente no que venha a ser este destinatário final que surge a maior dificuldade de se definir tal pessoa, física ou jurídica, como sendo consumidor.
Indaga-se se destinatário final é somente aquela pessoa que diretamente participa de uma relação de consumo comprando um produto ou uma prestação de serviço para uso próprio ou de familiares, ou ainda pode ser quem adquire bens ou serviços para utilizar como bem de produção?
Respondendo este questionamento, José Geraldo Brito Filomeno afirma o seguinte:
Consoante já salientado, o conceito de consumidor adotado pelo Código foi exclusivamente de caráter econômico, ou seja, levando-se em consideração tão somente o personagem que no mercado de consumo adquire bens ou então contrata a prestação de serviços, como destinatário final, pressupondo-se que assim age com vistas ao atendimento de uma necessidade própria e não para o desenvolvimento de uma outra atividade negocial. [10]
Sobre isso, afirmou ainda Claudia Lima Marques que:
O legislador brasileiro parece ter, em princípio, preferido uma definição mais objetiva de consumidor no art. 2º, caput. Necessário interpretar a expressão “destinatário final”. Destinatário final é o consumidor final, o que retira o bem do mercado ao adquirir ou simplesmente utilizá-lo (Endverbraucher), aquele que coloca um fim na cadeia de produção e não aquele que utiliza o bem para continuar a produzir ou na cadeia de serviço.[11]
Ainda sobre a figura do destinatário final, ponto essencial para definição de consumidor, cumpre registrar que existiam diversas interpretações acerca da referida expressão o que fez surgir duas correntes de interpretação, a finalista e a maximilista.
A primeira corrente, a finalista, também conhecida como subjetivista, interpreta a conceituação de consumidor de maneira restrita, considerando como consumidor apenas aquela pessoa que adquire o bem ou serviço para si, sem nenhum caráter profissional, devendo ser observada a vulnerabilidade inerente a este.
Para Claudia Lima Marques:
Esta interpretação restringe a figura do consumidor àquele que adquire (utiliza) um produto para uso próprio e de sua família; consumidor seria o não profissional, pois o fim do CDC é tutelar de maneira especial um grupo da sociedade que é mais vulnerável. [12]
Segundo entendimento de Paulo de Tarso Vieira Sanseverino, a corrente finalista resume-se no fato de que “somente o destinatário fático e econômico do bem pode ser considerado destinatário final, ficando excluídos os profissionais”.[13]
Já a corrente maximalista é aquela que tem uma interpretação mais abrangente de consumidor, não se importando se a pessoa que adquire o bem ou o serviço é profissional ou mão, bem como qual é a sua destinação.
Nesse sentido, firma Sergio Cavalieri Filho que:
A corrente maximalista ou objetiva entende que o CDC, ao definir o consumidor, apenas exige, para sua caracterização, a realização de um ato de consumo. A expressão destinatário final, pois, deve ser interpretada de forma ampla, bastando a configuração do consumidor fático do bem ou serviço, isto é, que o retire do mercado, encerrando objetivamente a cadeia produtiva em que inseridos o fornecimento do bem ou a prestação do serviço. [14]
Inspirado nas duas correntes de interpretação acima expostas, cumpre demonstrar a existência de uma terceira corrente, chamada de corrente mista que é aquela originada a partir das jurisprudências do STJ, em que leva em consideração para conceituar consumidor a existência da vulnerabilidade, na medida em que, para esta corrente, basta restar configurada a vulnerabilidade face ao fornecedor, a pessoa ser enquadrada como consumidor.
Acerca desta corrente, cumpre trazer a baila o ensinamento de Sergio Cavalieri Filho que afirma que:
A linha de precedentes adotada pelo STJ inclinava-se pela teoria maximalista ou objetiva, posto que vinha considerando consumidor o destinatário final fático do bem ou serviço, ainda que utilizado no exercício de sua profissão ou empresa.
(…)
Por último, evoluiu a jurisprudência do STJ para a corrente finalista mitigada ou atenuada ao admitir a aplicação das normas do CDC a determinados consumidores e profissionais, como pequenas empresas e profissionais liberais, desde que demonstrada a vulnerabilidade técnica, jurídica ou econômica no caso concreto (…). [15]
Essa conceituação constante no artigo 2º, caput do CDC, que reflete o conceito de consumidor standard, ou stricto sensu, denominações estas adotadas por diversos doutrinadores e pela jurisprudência pátria, nem sempre é suficiente para enquadrar os verdadeiros participes das relações de consumo.
Como demonstrado alhures para que alguém seja caracterizado como consumidor, mediante disposição do artigo 2º, caput do CDC, deve preencher aos requistos constantes nos mesmo.
Ocorre que, existem situações, em que mesmo não preenchendo os requisitos do artigo mencionado acima, existe uma parte vulnerável, que direta ou indiretamente assume o papel de consumidor, sendo parte de uma relação de consumo, precisando para tanto ser protegida pelo regramento constante do CDC.
Como bem elucida o ilustre doutrinador Rizzato Nunes:
(…) a definição de consumidor do CDC começa no individual, mais concreto (art. 2º, caput), e termina no geral, mais abstrato (art. 29). Isto porque, logicamente falando, o caput do art. 2º aponta para aquele consumidor real que adquire concretamente um produto ou um serviço, e o art. 29 indica o consumidor do tipo ideal, um ente abstrato, uma espécie de consumidor difuso, na medida em que a norma fala da potencialidade, do consumidor que presumivelmente existia, ainda que possa ser não determinado. [16]
Acrescenta-se, que essas situações e essa necessidade de proteção com base no CDC refletem a aplicação do principio constitucional da igualdade nas conceituações de consumidor.
É justamente por meio das mais diversas conceituações de quem se enquadra como consumidor que o principio da isonomia se exprime, surgindo para tanto o chamado consumidor por equiparação, ou também consumidor “by standard”.
Pode-se resumir, consumidor por equiparação como uma ampliação do conceito de consumidor, almejando alcançar um maior numero de pessoas, que de alguma forma sobre dano ou interferência da relação de consumo.
Destaca-se que em que pese essa conceituação de consumidor por equiparação ser uma extensão da proteção do consumidor além daquele constante no artigo 2º, caput do CDC, este diploma legal abarca esta espécie de consumidor, em seus artigos 2º, parágrafo único, 17 e 29.
Para Felipe Peixoto Braga Netto “o CDC contempla a figura do consumidor por equiparação. É um mecanismo de extraordinários efeitos práticos, eis que oportuniza a ampliação da disciplina jurídica do CDC para casos que, sem esse mecanismo ficaria de fora”.[17]
Claudia Lima Marques, em seus comentários ao Código de Defesa do Consumidor entende que:
O ponto de partida desta extensão do campo de aplicação do CDC é a observação de que muitas pessoas, mesmo não sendo consumidoras stricto sensu, podem ser atingidas ou prejudicadas pelas atividades dos fornecedores no mercado. Estas pessoas, grupos e mesmo profissionais podem intervir nas relações de consumo de outra forma a ocupar uma posição de vulnerabilidade. Mesmo não preenchendo as características de um consumidor stricto sensu, a posição preponderante (Machtposition) do fornecedor e a posição de vulnerabilidade destas pessoas sensibilizaram o legislador e, agora, os aplicadores da lei. [18]
O conceito de consumidor por equiparação constante no parágrafo único do art. 2º do CDC estende a proteção do CDC, equiparando a consumidores, toda a coletividade, independente de previamente identificadas ou não, em razão desta ser de alguma maneira intervir na relação de consumo.
Reza o referido artigo que:
Art. 2º. Omissis
Parágrafo único. Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo.
Segundo entendimento do doutrinador José Geraldo Britto Filomeno:
O que se tem em mira no parágrafo único do art. 2º do Código de Defesa do Consumidor é a universalidade, conjunto de consumidores de produtos e serviços, ou mesmo grupo, classe ou categoria deles, e desde que relacionadas a um determinado produto ou serviço, perspectiva essa extremamente relevante e realista, porquanto é natural que se previna, por exemplo, o consumo de produtos ou serviços perigosos ou então nocivos, beneficiando-se, assim, abstratamente as referidas universalidades e categorias de potenciais consumidores.(…) [19]
Outra conceituação de consumidor por equiparação é a constante no artigo 17 do CDC, que dispõe que:
Art. 17 – Para os efeitos desta Seção, equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do evento.
Para esse artigo, que esta inserido na seção que trata da responsabilidade civil objetiva, pelo fato do produto ou do serviço, equipara-se ao consumidor, todas aquelas pessoas que mesmo não participando diretamente da relação de consumo, sofreu algum prejuízo em razão do produto ou serviço, ou seja, podem ser consideradas como consumidor quem direta ou indiretamente foi atingida por um evento danoso.
Destaca-se que estes consumidores equiparados em razão de um defeito de algum produto ou serviço, podem pleitear com base nas disposições do CDC, no prazo de 5 (cinco), indenização, mesmo que nunca tenha participado efetivamente de uma relação de consumo.
Para Sérgio Cavalieri Filho:
A finalidade desse dispositivo é dar maior amplitude possível a responsabilidade pelo fato do produto e do serviço (…). Não faz qualquer sentido exigir que o fornecedor disponibilize no mercado de consumo produtos ou serviços seguros apenas para o consumidor, não se importando com terceiros que possam vir a sofre danos pelo fato do produto ou do serviço, razão pela qual se deu a estas vítimas um tratamento diferenciado, que justifica, repita-se, pela relevância social que atinge a prevenção de tais danos. (…). [20]
Já o artigo 29 do CDC dispõe que:
Art. 29 – Para fins deste Capítulo e do seguinte, equiparam-se aos consumidores todas as pessoas determináveis ou não, expostas às praticas nele previstas.
A conceituação de consumidor por equiparação na forma do artigo supracitado pode ser considerada como a mais extensiva do campo da aplicabilidade da lei, na medida em que basta que alguma pessoa esteja exposta a simples práticas comerciais ou contratuais para que possa utilizar o artigo 29 do CDC.
Este artigo, por estar inserido no Capítulo das praticas comerciais, abrange todas as pessoas que estejam expostas às praticas comerciais, incidindo sobre as seções da oferta de produtos; publicidade; práticas abusivas; cobrança de dívidas; banco de dados e cadastros de consumidores, além das normas de proteção contratual.
Segundo Claudia Lima Marques:
O art. 29 supera, portanto, os estritos limites da definição jurídica de consumidor para imprimir uma definição de política legislativa. Para harmonizar os interesses presentes no mercado de consumo, para reprimir eficazmente os abusos do poder econômico, para proteger os interesses econômicos dos consumidores finais, o legislador colocou um poderoso instrumento nas mãos daquelas pessoas (mesmo agente econômicos) expostas às práticas abusivas. Estas mesmo sendo “consumidores stricto sensu”, poderão utilizar as normas especiais do CDC, seus princípios, sua ética de responsabilidade social no mercado, sua nova ordem pública, para combater as práticas abusivas! [21]
De mais a mais, em que pese todas as disposições conceituais em torno na figura do consumidor, no qual se apresenta das mais diversas formas, objetivando englobar um maior numero de pessoas em situações das mais diversas, a sua aplicabilidade não é tão simples.
Ainda muito se discute acerca da conceituação do consumidor, de modo que a conceito de consumidor e aplicabilidade do CDC a determinada relação é feita de maneira empírica, observando-se caso a caso.
Acrescenta-se ainda que além da deficiência dos Tribunais que muitas vezes não aplicam corretamente os artigos acima expostos, registra-se, no outro lado, a o próprio consumidor, que muitas vezes não se enxerga como tal, obstaculizando a devida aplicação do CDC.
Destaca-se que para a maioria da população, altamente desprovida de acesso a informação, consumidor é apenas aquele que participa diretamente de uma relação de consumo, podendo apenas este demandar em juízo utilizando das disposições do CDC.
Ocorre que, como exaustivamente demonstrado alhures o conceito de consumidor vai muito além daquele relativo a relação de consumo direta, devendo-se observar a questão da vulnerabilidade intrínseca a todas as relações de consumo, bem como as disposições expressas do Código de Defesa do Consumidor, que conceitua três espécies de consumidor, o stricto sensu e o lato sensu.
4. Análise sobre as relações de consumo
Como é cediço, as relações de consumo são travadas entre duas partes distintas, na qual cada uma assume uma posição bem especifica e delimitada, antagônicas entre si. De um lado esta o consumidor lato sensu, parte vulnerável da relação e de outro o fornecedor, que vende ou presta serviço ao consumidor.
Por relação jurídica, entende-se pelo vínculo criado entre duas ou mais pessoas, na qual surgem obrigações para as partes envolvidas.
Essas obrigações podem ser previamente pactuadas pelas partes, em um nítido acordo de vontade das partes, ou serem previamente estipuladas por uma das partes pertencentes a relação jurídica.
No caso especifico das relações de consumo sempre se observa de um lado a figura do fornecedor e a figura do consumidor, que por meio de um contrato de consumo, criam uma relação jurídica especifica e bem delimitada, na qual ambos assumem direitos e deveres que devem ser cumpridos e respeitados.
Para Fabio Ulhoa Coelho, “a relação contratual de consumo aproxima, de um lado, uma pessoa enquadrada no conceito legal de consumidor e, de outro, uma enquadrável no de fornecedor”.[22]
Neste sentido, registra-se inicialmente que segundo a lei, mas especificamente o Código de Defesa do Consumidor em seu artigo 2º, “Consumidor, é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final”.
Destaca-se que como narrado alhures muito se discute sobre a extensão do conceito de consumidor e da definição do que venha a ser destinatário final.
O conceito de consumidor vai muito mais além do consumidor tipificado como destinatário final, equiparando-se ao conceito de consumidor toda a coletividade, vitimas do evento ou pessoas expostas as práticas abusivas.
Já o conceito de fornecedor constante no artigo 3º do Código de Defesa do Consumidor é de que “Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços”.
Desta forma, verifica-se que a relação jurídica de consumo, é definida como tal, por ser composta sempre pela figura do consumidor, que adquire direta ou indiretamente um produto ou serviço, de um fornecedor que o vende ou presta o determinado serviço.
Registra-se que a presença do um comprador de um bem ou serviço e um fornecedor, por si só não é suficiente para caracterizar determinada relação jurídica como sendo de consumo, haja vista que existem outras características que devem ser observadas, entre elas a existência de vulnerabilidade de uma das partes, bem como se a mesma esta de acordo aos conceitos de consumidor e fornecedor intituladas no CDC.
Tratando dessas divergências acerca da conceituação de consumidor, verifica-se no ordenamento jurídico pátrio e na doutrina e existência de teorias que tentam criar uma linha de pensamento e a partir desta conceituar consumidor.
Neste sentido entendem os autores do anteprojeto do CDC que:
É mister acrescentar ainda nesse passo, que a pedra de toque para que se considere que uma dada relação jurídica é ou não de consumo é a destinação final (de caráter prevalecente) e a vulnerabilidade (de caráter secundário). Sim pois se não fosse isso, sobretudo diante da vigência do citado Código Civil de 2002, não haveria necessidade de um Código de Defesa do Consumidor, já que a maioria dos princípios por ele elencados pioneiramente em 1990 ali foram oportunamente embutidos.[23]
Assim, cumpre registrar que a relação de consumo é marcada por um acentuado desequilíbrio entre as partes, criando assim uma desigualdade entres elas, na medida em que uma parte assume uma posição de superioridade frente a outra, ainda que isso ocorra de maneira implícita, não aparente.
A disparidade entre as partes componentes de uma relação de consumo recebe o nome de vulnerabilidade, sendo conceituada pelos doutrinadores das mais diversas formas, assumindo tipos diferentes, que possuem determinada repercussão no mundo jurídico a depender do contexto que esta inserida.
A partir de jurisprudências do Superior Tribunal de Justiça foi incorporado ao ordenamento jurídico a ideia da vulnerabilidade de uma das partes, como fator determinante para a caracterização da relação como sendo de consumo, conceituação esta que é conhecida pelos doutrinadores por meio da teoria mista.
Para Rizzato Nunes, em sua obra, Comentários ao Código de Defesa do Consumidor, entende que a vulnerabilidade subdivide-se em técnica, que é a que “esta ligado aos meios de produção, cujo conhecimento é monopólio do fornecedor”; e econômica, que “diz respeito a maior capacidade econômica que, via de regra, o fornecedor tem em relação ao consumidor”.[24]
No entendimento de Claudia Lima Marques, Antonio Hermam e Bruno Miragem, a vulnerabilidade trata-se do princípio básico do Código de Defesa do Consumidor, existindo para estes três tipos de vulnerabilidade: a técnica, a jurídica e a fática. [25]
Para estes a vulnerabilidade técnica verifica-se quando “o comprador não possui conhecimentos específicos sobre o objeto que esta adquirindo e, portanto, é mais facilmente enganado quanto às características do bem ou quanto a sua utilidade”. A vulnerabilidade fática “é aquela desproporção fática de forças, intelectuais e econômicas, que caracteriza a relação de consumo”. Já a vulnerabilidade jurídica ou cientifica “é a falta de conhecimentos jurídicos específicos, de conhecimentos de contabilidade ou de economia”. [26]
Acrescentam ainda estes doutrinadores a ideia da presunção da vulnerabilidade das pessoas físicas destinatárias de serviços e de produtos, em face do artigo 2º combinado com o artigo 4º, I do CDC, bem como a presunção da vulnerabilidade em razão da idade, doença ou necessidades especiais, conhecida como hipervulnerabilidade, afirmando para tanto que:
A jurisprudência pátria aceita tanto a presunção de vulnerabilidade da pessoa física (art. 2º combinado com o art. 4º, I, do CDC), como destinatário final do produto e do serviço, quanto considera a hipervulnerabilidade a criança e do idoso consumidor, assim como aquele doente ou com necessidades especiais. Produtos e serviços destinados a estes consumidores, assim como a publicidade a eles destinada deve guardar parâmetros mais qualificados (art. 37, § 2º e art. 39, IV), ou além do abuso pode dar azo a danos morais (Resp 989860 – SP).[27]
Em que pese a presunção de vulnerabilidade acima exposta acerca da pessoa física destinatária final de produtos ou serviços, esta presunção não se estende a pessoa jurídica.
Neste sentido afirma Felipe Peixoto Braga Netto em sua obra que “a vulnerabilidade, pressuposto de aplicação do CDC, é presumida relativamente à pessoa física, devendo ser demonstrada quando a pessoa jurídica pretende ser considerada consumidora”. [28]
A vulnerabilidade em si, qualquer que seja a sua espécie, é justamente o instituto de suma importância no Direito do Consumidor, uma vez que este foi criado para regular as relações entre pessoas que assumam o papel de fornecedor e de consumidor, tendo a Constituição Federal de 1988 respaldado a sua criação, conforme disposição do artigo 48 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), bem como o seu artigo 5º, XXXII, que afirma que o Estado promoverá a defesa do consumidor.
Cumpre registrar que conforme preceitua o artigo 1º do CDC, é de ordem pública e de interesse social, tendo como objetivo dispor sobre normas de proteção e defesa do consumidor.
Sobre isso afirma Rizzato Nunes que:
Na medida em que a Lei n. 8.078/90 se instaura também como princípio da ordem pública e interesse social, suas normas se impõem contra a vontade dos participes da relação de consumo, dentro de seus comandos imperativos e nos limites por ela delineados (…)[29]
Neste sentido, o Direito do Consumidor, originou-se na intenção do Estado de reequilibrar as relações de consumo, buscando a concretização da isonomia entre as partes, assegurando para tanto a proteção do consumidor, parte vulnerável da relação, tudo isso por meio da aplicação dos preceitos básicos que regem o princípio constitucional da isonomia.
Assim, conclui-se pelas palavras do doutrinador José Geraldo Brito Filomeno, as normas instituídas pelo CDC são interrogáveis por vontade dos interessados de determinada relação jurídica[30], ou seja, independente da iniciativa do consumidor, a relação de consumo em que ele faz parte é regulada pelo CDC sendo os seus direitos protegidos e resguardados.
Salienta-se que antes os contratos atinentes as relações de consumo eram realizadas de maneira pessoal, passando agora após essa nova realidade a ser exteriorizada normalmente em um contrato único, no qual as cláusulas que o compõem já vem delimitadas pelo fornecedor, cabendo aos consumidores apenas aceitar o referido contrato, sem qualquer possibilidade de alteração. Este modelo de contrato é o atualmente conhecido como Contrato de Adesão.
Segundo Sergio Cavalieri Filho:
O novo mecanismo de produção e distribuição impôs adequações também ao processo de contratação, fazendo surgir novos instrumentos jurídicos – os contratos coletivos, contratos de massa, contratos de adesão, cujas cláusulas gerais seriam estabelecidas previa e unilateralmente pelo fornecedor, sem a participação do consumidor.[31]
Observa-se que é justamente na existência do Contrato de Adesão e outras condutas adotadas pelos fornecedores de bens e serviços que surge o instituto da vulnerabilidade do consumidor, situação esta que acarreta a necessidade da proteção deste.
Neste sentido, faz-se imperioso tecer considerações acerca do Princípio Constitucional da Isonomia, conhecido também de Principio da Igualdade, tipificado no artigo 5º da Carta magna, largamente presente nas relações de consumo regidas pelo Código de Defesa do Consumidor, uma vez que por meio da criação deste código que regula as relações de consumo, o legislador está buscando alcançar a isonomia entre os envolvidos.
5. O princípio da isonomia e sua aplicação no Código de Defesa do Consumidor.
Os princípios constitucionais são aqueles que refletem os valores incutidos no sistema jurídico pátrio, sendo através destes que o direito se exprime da melhor forma.
Segundo os ensinamentos de Luis Roberto Barroso:
[…] os princípios constitucionais são, precisamente, a síntese dos valores mais relevantes da ordem jurídica. A Constituição […] não é um simples agrupamento de regras que se justapõem ou que se superpõem. A idéia de sistema funda-se na de harmonia, de partes que convivem sem atritos. Em toda ordem jurídica existem valores superiores e diretrizes fundamentais que ‘costuram’ suas diferentes partes. Os princípios constitucionais consubstanciam as premissas básicas de uma dada ordem jurídica, irradiando-se por todo o sistema. Eles indicam o ponto de partida e os caminhos a serem percorridos. [32]
Estes princípios constitucionais não se limitam apenas a esfera constitucional, sendo aplicado e surtindo efeito nos mais diversos ramos do direito.
No Código de Defesa do Consumidor não poderia ser diferente, sendo constatado pela simples análise das razões que deram origem ao referido código a aplicação dentre outros, o do princípio da isonomia, constante no artigo 5º da Constituição Federal.
Como demonstrado, as relações de consumo são marcadas por um forte desequilíbrio entre as partes, de forma que se encontra presente uma marcante vulnerabilidade do consumidor.
Destaca-se que a vulnerabilidade do consumidor face ao fornecedor foi reconhecida no inciso I, do artigo 4º do CDC, de forma que “tal reconhecimento é uma primeira medida de realização da isonomia garantida na Constituição Federal”.[33]
É justamente com reconhecimento do consumidor como parte vulnerável e pela observação das características e peculiaridades dos consumidores e fornecedores, que se pode efetivamente alcançar a igualdade o consumidor e o fornecedor.
Salienta-se que as duas terminologias utilizadas para falar de um único principio, são sinônimas, sendo amplamente utilizadas, inclusive pelos doutrinadores, Dirley Cunha Junior, no seu livro Curso de Direito Constitucional e Rizzato Nunes nas suas obras sobre direito do consumidor, entre elas, Curso de Direito do Consumidor e Comentários ao Código de Defesa do Consumidor.
O principio da igualdade ou da isonomia é principio norteador de todo o ordenamento jurídico pátrio e do próprio Estado Democrático de Direito, na medida em que possui referências em diversos artigos e incisos da Constituição Federal de 1988, sendo aplicado nos mais diversos ramos do direito, inclusive no Direito do Consumidor, aqui debatido, bem como pelo fato de almejar a igualdade de direitos entre todos os cidadãos.
Este princípio é o mais amplo dos princípios constitucionais, abarcando as mais diversas situações e por essa razão deve ser observado por todos os aplicadores do direito, em qualquer seguimento que possamos utiliza-lo, sob pena de restar configurado a violação direta de quase todos os outros dispositivos existentes no ordenamento jurídico brasileiro, já que a isonomia forma e fundamenta como pilar de sustentabilidade, toda a ordem constitucional brasileira. [34]
Para Dirley Cunha Junior:
A exigência de igualdade decorre do principio constitucional da igualdade, que é um postulado básico da democracia, pois significa que todos merecem as mesmas oportunidades, sendo defeso qualquer tipo de privilégio e perseguição. O principio em tela interdita tratamento desigual às pessoas iguais e tratamento igual as pessoas desiguais.[35]
Extrai deste princípio o entendimento que todos são iguais perante a lei, devendo ser vistos na sua especificidade, de forma a se igualarem aos outros na medida em que se igualam ou se diferenciam. Em outras palavras, o direito à igualdade é o direito que todos têm de ser tratados igualmente na medida em que se igualam e desigualmente na medida em que se desigualem, quer perante a ordem jurídica (igualdade formal), quer perante a oportunidade de acesso aos bens da vida (igualdade material), pois todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos.[36]
Essa caracterização do que venha a ser o Princípio Constitucional da Igualdade, adotada por toda a doutrina nacional adveio do discurso escrito por Rui Barbosa, ao ser paraninfo da turma de formandos de 1920 da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, em São Paulo, intitulado Orações aos Moços, que dizia:
A regra da igualdade não consiste senão em aquinhoar desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualam. Nesta desigualdade social, proporcionada à desigualdade natural, é que se acha a verdadeira lei da igualdade. O mais são desvarios da inveja, do orgulho ou da loucura[37]
Desta forma, verifica-se que este princípio visa disseminar a igualdade entre as pessoas tanto no âmbito, jurídico, social, quanto econômico, independente da maneira em que elas se apresentem.
Acrescenta-se ainda que por este princípio, não há necessidade que todas as pessoas envolvidas em uma relação jurídica sejam iguais, ou que adotem posturas semelhantes, uma vez que através dele o ordenamento jurídico pátrio irá observar a situação na qual se criam as relações jurídicas, bem como as partes envolvidas, para que após o entendimento destas duas vertentes possam se aplicar o direito da melhor forma para cada uma delas, respeitando as suas particularidades, buscando como objetivo final a concretização da igualdade entre as partes envolvidas.
Destaca-se ainda que o princípio da isonomia pode ser entendido de duas formas: igualdade perante a lei e igualdade na lei. O primeiro concerne ao dever de se aplicar o direito no caso concreto, mesmo se tal aplicação partir de ato discriminatório; o segundo exige que as normas jurídicas não contenham distinções, exceto aquelas autorizadas constitucionalmente.[38]
Para o ilustre doutrinador Celso Antônio Bandeira de Mello:
(…) é possível afirmar, sem receio, que i princípio da igualdade consiste em assegurar regramento uniforme às pessoas que não sejam entre si diferenciáveis por razões lógica e substancialmente (isto é, à face da Constituição), afinadas com eventual disparidade de tratamento.
(…)
O que se visa com o preceito isonômico é impedir favoritismo ou perseguições, é obstar agravos injustificados, vale dizer que incidam apenas sobre classe de pessoas em despeito de inexistir uma racionalidade apta a fundamentar uma diferenciação entre elas que seja compatível com os valores sociais aceitos no Texto Constitucional. [39]
Diante dessas considerações acerca do principio da isonomia como um todo, cumpre agora restringi-lo a esfera do Direito do Consumidor, senão vejamos:
Como narrado alhures, a vulnerabilidade encontra-se presente em todas as relações de consumo, na medida em que em uma parte encontra-se o fornecedor, nitidamente superior em caráter técnico, jurídico e econômico, e de outro o consumidor, parte vulnerável da relação, muitas vezes até hipossuficiente.
Essa hipossuficiência difere-se da vulnerabilidade na medida em que todo consumidor é vulnerável, porém nem sempre este consumidor vulnerável é também hipossuficiente.
A doutrina aponta que:
A hipossuficiência é outra característica do consumidor, mas não se confunde com a vulnerabilidade. Para o Código de Defesa do Consumidor, todos os consumidores são vulneráveis, mas nem todos são hipossuficientes.
A hipossuficiência pode ser econômica, quando o consumidor apresenta dificuldades financeiras, aproveitando-se o fornecedor desta condição, ou processual quando o consumidor demonstra dificuldade de fazer prova em juízo. Esta condição de hipossuficiência deve ser verificada no caso em concreto, e é caracterizada quando o consumidor apresenta traços de inferioridade cultural, técnica ou financeira. [40]
Para Rizzato Nunes a vulnerabilidade é o conceito que afirma a fragilidade econômica do consumidor e também técnica, enquanto que a hipossuficiência tem sentido de desconhecimento técnico e informativo do produto e do serviço, de suas propriedades, de seu funcionamento vital e/ou intrínseco, dos modos especiais de controle, dos aspectos que podem ter gerado o acidente e o dano, das características do vicio etc.[41]
Desta forma, verifica-se que a hipossuficiência pode ser entendida como uma situação adicional a vulnerabilidade já existente em toda relação de consumo, ou seja, um “plus” aquela situação de nítido desequilíbrio que se encontra o consumidor, de forma que apenas em situações especificas e estando os requisitos necessários é que o consumidor pode ser visto também como hipossuficiente.
Assim, para equilibrar essa relação é que se aplica o principio da isonomia, através de adoção de medidas de proteção ao consumidor, deste a criação do próprio Código de Defesa do Consumidor passando pelos direitos do consumidor, elencados nos artigos 6º e 7º desde regramento, até a proteção da relação de consumo como um todo, seja sobre a esfera do consumidor, seja do fornecedor.
Sobre essa busca pela igualdade entre fornecedor e consumidor afirma Sergio Cavalieri Filho que:
O CDC busca a igualdade material (real), reconstruída por uma disciplina jurídica voltada para o diferente, porque é preciso tratar desigualmente os desiguais para que eles se igualem. Só se justifica a aplicação de uma lei protetiva se estivermos diante de uma relação de desiguais; entre iguais não se pode tratar privilegiadamente um deles sob pena de se atentar contra o principio da igualdade. [42]
No Direito do Consumidor, este princípio é utilizado como pilar base para a elaboração de regramentos que regem todas as relações de consumo, bem como na sua interpretação, com o objetivo de igualar as partes, colocando-as em pé de igualdade.
Assim, salienta-se que a legislação de proteção ao consumidor se justifica na medida em que é instrumento para realizar, tão plenamente, o princípio da isonomia, tanto no que concerne à isonomia formal quando a substancial.[43]
O referido princípio deve ser observado em todos os âmbitos que envolvem uma relação de consumo, devendo ser aplicado pelo legislador e respeitado pelas partes envolvidas, para que não haja uma maior discrepância entre os titulares do direito em questão.
Registra-se que o legislador não poupou esforços para criar ambiente igualitário nas relações de consumo, aplicando acertadamente no que cabia os ensinamentos oriundos do principio da isonomia.
Como explanado, o principio da isonomia, esta enraizado nas relações de consumo, através da aplicação das mais diversas formas de proteção elencadas nos artigos do CDC (Código de Defesa do Consumidor)– que foi instituído pela Lei 8.078/90 -, desde o controle da qualidade dos produtos e dos serviços, dos direitos e deveres dos consumidores e fornecedores, até a conceituação do que venha a ser consumidor.
É justamente nesta conceituação, na caracterização de quem se encaixa como consumidor que o principio constitucional da isonomia se exprime da sua melhor forma, ou seja, ampliando-se a caracterização de quem é consumidor, seja direto ou indireto, pode-se assim aplicar os regramentos específicos ao consumidor por meio do CDC, efetivando assim o princípio constitucional da isonomia.
Registra-se que a desigualdade nas relações de consumo, revestida na vulnerabilidade do consumidor face ao fornecedor, apresentasse no fato de que o fornecedor na qualidade de prestador de serviço ou de simplesmente fornecedor de determinado se mantêm em face dos consumidores em uma espécie de patamar elevado.
Não esta se falando que nas relações de consumo uma das partes, no caso o fornecedor, por interesse próprio e em único benéfico, assume uma condição jurídica, social ou econômica maior, mas que o consumidor por característica inerente a sua condição negocial é mais frágil que o fornecedor, seja no âmbito técnico, econômico ou jurídico, contudo isto em relação ao objeto consumido.
Salienta-se que o fornecedor tem a sua disposição todo o conhecimento acerca do objeto fundamental para a concretização da relação jurídica, o que o coloca em determinada vantagem face o consumidor.
No caso especifico das relações de consumo, observa-se que as negociações realizadas entre as partes não são realizadas com a mesma liberdade negocial, existente nas relações regidas pelo código civil, uma vez que normalmente nas relações de co