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Centro de Estudos Constitucionais e de Gestão Pública

O “pau de arara” hermenêutico do STF

Por Ruchester Marreiros Barbosa

Por Ruchester Marreiros Barbosa

Publicado por Canal Ciências Criminais em JusBrasil

Esta lei tem como função extinguir a análise da prescrição retroativa da pena aplicada em concreto pelo período da data do fato até a denúncia em razão da revogação do artigo 110, § 2º do CP, autorizando somente este exame pelo período do oferecimento da denúncia até a sentença com trânsito em julgado para a acusação ou depois de improvido seu recurso.

O STF, com este entendimento, se harmoniza com o verbete de súmula 438 na qual possui o seguinte enunciado: “É inadmissível a extinção da punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva com fundamento em pena hipotética, independentemente da existência ou sorte do processo penal“.

Em termos práticos, tomemos como exemplo o crime de furto qualificado, que tem pena privativa de liberdade de reclusão, de 2 a 8 anos e multa.

Em razão da sua pena máxima o crime prescreve em 12 anos. Se uma investigação tenha demorado 11 anos e 8 meses para se encerrar e há o oferecimento da denúncia, seu recebimento interrompe o prazo, conforme art. 117, I do CP.

Depois da denuncia, suponhamos que a fase processual demore mais 3 anos e 8 meses para finalizar, e para simplificar, a sentença transita em julgado para a acusação, condenando o réu a pena mínima, como geralmente ocorre na prática, ou seja, 2 anos.

Agora a prescrição conta-se por esta pena de 2 anos, que por sua vez prevê o art. 109, V c/c com o art. 110, § 1º, ambos do CP a prescrição pela pena em concreto, qual seja 4 anos, contando-se da data do recebimento da denúncia até o trânsito em julgado para a acusação. Em termos práticos, agora, o crime não está prescrito.

Antes da lei 12.234/10, o prazo de 2 anos contava-se a partir da data em que o crime havia se consumado, ou seja, considerava-se o lapso temporal desde o período das investigações, que no exemplo por nós utilizado, haveria ocorrido a prescrição (retroativa), em razão de ter durado a investigação, do nosso exemplo, 11 anos e oito meses.

Com a nova redação, o lapso temporal passa a ser contado, não mais a partir da consumação, mas somente após o recebimento da denúncia, que no nosso exemplo, por ter transcorrido 3 anos e 8 meses somente, mas a prescrição somente ocorreria após 4 anos, nos fazendo concluir que não haveria prescrição, mesmo tendo ocorrido 14 anos de incompetência estatal, mais do que os 12 anos previstos para a prescrição pela pena em abstrato.

Como conciliar o a garantia constitucional da duração razoável do processo, previsto no art. 5º, LXXVII da CR/88 e os diversos precedentes de sentenças da Corte Interamericana de Direitos Humanos, entendendo como violador do Pacto de San José de Costa Rica o pais que não atente a esta garantia?

O positivismo civilista Kelsiano impera e mantém o órgão de cúpula presa ao século XIX. A America Latina evoluiu na aplicação da denominada interpretação inter-cortes, segundo ao qual a corte suprema de um pais segue as interpretações realizadas pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, como é o caso da Costa Rica, Bolívia, República Dominicana, Peru, Colômbia e Argentina (Casos Simón, em 2005 e Mazzeo, 2007)

No entanto, o Brasil vem sistematicamente negando as interpretações da Corte IDH, no que a doutrina denomina de Nacionalização da Interpretação Convenção (RAMOS, André de Carvalho 2013).

No dia 10 de dezembro de 2014, a Comissão da Verdade (criada por ter sido o Brasil condenado pela Corte IDH) tocou novamente nesta tecla, de que o Brasil não está cumprindo a decisão da Corte no caso Gomes Lund e outros vs Brasil (Guerrilha do Araguaia) de 24 de novembro de 2010, tendo esta, no procedimento de supervisão do cumprimento de sentença, instado o Brasil a explicar, inclusive, porque vem utilizando (PASMEM!) as forças armadas para realizar buscas dos corpos dos desaparecidos identificados pela comissão da verdade, estipulando uma nova data para cumprimento, 20/03/2015, que por sua vez já passou.

O óbice foi criado pelo próprio STF ao julgar constitucional a famigerada lei de anistia na ADPF 153 em 29 de abril de 2010.

Percebem as datas: a) acórdão da Corte IDH, 24/09/2010; b) acórdão do STF, 24/04/2014. Isso mesmo! Um golpe! Quando a Corte estava em vias de finalizar o processo e repetir seu precedente como fez com outros países condenados por violações de direitos humanos e determinando a não incidência de lei de anistia como obstáculo às investigações dos autores por crimes praticados por agentes de regimes militares, o STF se antecipou e julgou constitucional 8 meses antes da Corte Interamericana exercer sua jurisdição internacional.

O que isso tem a ver com essa decisão sobre a constitucionalidade da prescrição retroativa limitada ao recebimento da denúncia, regulamentada pela lei 12.234/10, a qual aludimos acima?

O STF, mai uma vez contraria entendimento da Corte IDH de que deve haver uma duração razoável da investigação criminal! Isso mesmo! DU-RA-CÃO RA-ZO-Á-VEL DA IN-VES-TI-GA-ÇÃO CRIMINAL.

Assim decidiu a Corte IDH no caso Garibaldi vs Brasil e no Informe de admissibilidade e mérito nº 119/10 no caso Palma Mendonza Y Otros vs Equador, sentença de 03 de setembro de 2012 par.70, 80 a 85.

O que mais impressiona é a ausência total de comunicação entre cortes internamente, ou seja, entre o STF e o STJ.

Como assim? Além de termos um Tribunal Internacional, que julgando casos de violações de direitos humanos, entendeu sobre a aplicação da duração razoável do processo no sistema de persecução criminal como um todo, o próprio STJ também já decidiu assim em 2008 e 2013, respectivamente no HC 96666/MA e HC 209.406/RJ, ambos os casos trancando a investigação por inércia do Estado por 7 anos, e na Corte IDH, no caso citado acima, entendeu violador do princípio da duração o lapso de 9 anos, na qual tinha um indiciado por crime de homicídio, mas o Estado-investigação e o Estado-acusador, não foram diligentes o suficiente. Parou no indiciamento.

Entendeu o STJ como a Corte IDH, ou seja, a incidência da duração razoável do processo na persecução criminal, por incidência do art. 5º, LXXVII da CR/88.

Aí perguntamos: O que quer o STF? Ser uma corte acima do bem e do mal? Com que moral irá se punir violações sobre direitos humanos, se nossa Suprema Corte é a primeira (ou a última) a violar normas Constitucionais e Internacionais de garantias?

Somente o Min. Marco Aurélio entendeu como inconstitucional a novatio legis, entendendo que essa nova contagem enseja uma duração irrazoável, devendo o Estado se aparelhado para cumprir as garantias fundamentais e não a pessoa destinatária destas garantias terem seus direitos flexibilizados pelo legislador, por ser mais fácil invocar um direito penal do inimigo do que efetivamente dar eficácia concreta à Constituição da República e à Convenção Americana de Direitos Humanos.

Para nós essa nova contagem viola a garantia supramencionada, como já decidido pelo STJ, bem como afrontam os precedentes da Corte Interamericana de Direitos Humanos, em uma violação frontal ao Pacto de San Jose de Costa Rica.

Fonte: Canal Ciências Criminais