Naqueles dias agudizavam-se as crises. O aumento do salário mínimo, as medidas polêmicas, como a criação da Petrobras, no ano anterior, eram as manchetes do noticiário dos grandes jornais da capital federal, o Rio de Janeiro, e das principais cidades do país. Era agosto de 1954. Getúlio Vargas, ditador entre 1937 e 1945, retornara como presidente eleito no pleito de 1950.
Em seu retorno, Vargas defendia programa de governo desenvolvimentista, nacionalista e trabalhista. Opunha-se ao arrocho fiscal preconizado pelos organismos financeiros internacionais. O Brasil àquele tempo já era mais urbanizado. O rádio unificava as comunicações em todo o território nacional. Ocupava o lugar hoje desempenhado pela internet e pela televisão, dando então os passos iniciais. Os jornais e a revista “O Cruzeiro”, de circulação nacional, eram determinantes na formação da opinião pública.
A grande imprensa estava contra Vargas. Os principais jornais, rádios, televisão, também. Tinha o apoio do jornal “Última Hora”, fundado por Samuel Wainer, financiado por empréstimo contraído no Banco do Brasil. A operação financeira para a criação do jornal foi objeto de Comissão Parlamentar de Inquérito. Acentue-se, o empréstimo vinha sendo pago. Em seguida, suscitou-se dúvida sobre a nacionalidade do diretor Samuel Wainer. Nascido na Romênia, pela legislação, por ser estrangeiro, não poderia ser diretor de jornal.
Liderada pelo jornalista Carlos Lacerda, diretor do jornal “Tribuna da Imprensa”, era gigantesca a campanha contra Vargas. Orador de respeitáveis recursos retóricos, Lacerda foi o primeiro a utilizar com eficiência, o rádio e a televisão para fins políticos. Dispunha de amplo apoio das classes médias urbanas, sobretudo nas denúncias de corrupção, que segundo os seus ataques panfletários, minava as bases do governo.
Em 5 de agosto de 54, o atentado cometido por guardas palacianos, a mando do seu chefe, Gregório Fortunato, ceifou a vida do major da Aeronáutica Rubem Vaz, que fora deixar Carlos Lacerda em sua residência na rua Tonelero, em Copacabana. A morte intensificou a crise político-institucional, levou Vargas ao suicídio em 24 de agosto.
Aquela crise paralisava o país, ocupava os espaços, na imprensa, no Congresso, onde em junho fora promovido, sem êxito, o impeachment do Presidente. Várias fórmulas foram tentadas para superá-la: a licença, a renúncia, nenhuma delas chegou a bom termo. As denúncias contra o governo centravam-se na questão da corrupção.
Durante o Inquérito Policial-Militar, instalado na Base Aérea do Galeão, sob a coordenação de oficiais da Aeronáutica, divulgava-se diariamente os tráficos de influencias, os negócios articulados por Gregório Fortunato, o chefe da Segurança do Presidente, que ao tomar conhecimento teria comentado: “em torno de mim havia um Mar de Lama”.
O suicídio de Getúlio mudou o curso da História. Sem ele, Juscelino Kubitschek não teria sido eleito no ano seguinte. Não teria havido Brasília e outros desdobramentos que se seguiram: a eleição de Jânio em 1960, cavalgando a vassoura da moralidade; a sua renúncia em 25 de agosto de 61. A crise do veto militar ao vice Jango. Sua posse, com a Emenda Constitucional nº 4, introduzindo o parlamentarismo. E finalmente, o golpe militar de 64.
Lendo os documentos históricos da época, constata-se, o “Mar de Lama” de que falava Getúlio, era um pequeno riacho se comparado aos meganegócios encetados hoje nas estatais. Na Petrobras, por exemplo, por ele criada para alavancar sonho da autonomia energética e de independência econômica do país. A empresa estatal do petróleo é a espinha dorsal da economia nacional. Os escândalos de corrupção que a envolvem, contribuem consideravelmente para agravar a atual crise, determinada por fatores diversos. Dentre eles, os erros de gestão financeira e a diminuição do ritmo de crescimento da China, reduzindo as importações das commodities.
61 anos depois de agosto de 54, pode-se constatar: os principais erros de Getúlio vinham do período da ditadura, após insurreições e ataques aos palácios governamentais, constituiu a Guarda Pessoal, encarregada da sua segurança, tarefa que no Estado constitucional é deferida ás Forças Armadas.
Os negócios da Guarda e dos familiares do Presidente eram ínfimos se comparados aos atuais escândalos de corrupção. Hoje se sabe que a campanha de moralidade de 54 era, em parte financiada pelas empresas internacionais petrolíferas, inconformadas com a criação da Petrobras.
Os acontecimentos seguintes e as campanhas posteriores de moralidade se encarregaram de demonstrar a falsidade dos propósitos. Só a maioridade política do povo brasileiro e a sua efetiva participação nos atos de governo poderão evitar os insuportáveis desvios de recursos públicos, enfim, a desejável redução da corrupção.