A presidente eleita Dilma Roussef quebrou um longo silêncio que adormecia as nossas posições internacionais no âmbito dos direitos humanos e, ao lado do seu ilustre patrono, o presidente Lula, afirmou com louvável energia que lhe repugna os maus tratos, a segregação e os assassinatos cometidos contra as mulheres no país dos aiatolás, o conturbado Irã. Alvíssaras!
A diplomacia brasileira vem sendo criticada pela orientação que imprime em nossas relações internacionais, sobretudo no âmbito dos direitos humanos. O princípio da não interferência em assuntos internos não pode ser invocado para tapar os olhos do país às violações praticadas em ditaduras comunistas, a exemplo de Cuba e Venezuela, ou em ditaduras teocráticas, como no Irã. Somos signatários dos principais tratados internacionais de direitos humanos e não podemos omitir, nessa matéria, os princípios da universalidade, indivisibilidade e interdependência dos direitos. O nosso silêncio, nesse campo, resvala para o terreno de uma inaceitável conivência.
Somos ávidos em criticar, no plano interno, as violações praticadas no período pós 64 (as cometidas durante a ditadura Vargas, de 1930 a 1945 já foram esquecidas) – mas não esboçamos qualquer indignação em relação aos nossos parceiros internacionais que cometem atrocidades ainda maiores.
Uma palavra sequer, a esse respeito, pronunciamos em nossos contatos internacionais como se o objeto de compra e venda, a mercadoria que vamos vender ou comprar fosse a única razão desse intercâmbio, fato que transforma o país em mero empório comercial, aviltando, assim, o sentimento da nação com os seus princípios, valores e culturas. Quando, excepcionalmente, fizemos uma intervenção diplomática nesse campo, foi um desastre, talvez por falta de prática: fomos defender um golpista, no Panamá, seguidor de Chaves, que havia sido defenestrado por um contra-golpe popular porque estava agindo para mutilar a constituição do seu país em vésperas de eleição.
Criticamos os americanos mas no campo diplomático, ainda temos muito que aprender com eles. Recentemente, o presidente Barack Obama assinou uma ordem que amplia as sanções ao Irã por violação de direitos humanos, como espancamentos, maus-tratos e assassinatos de inocentes. A determinação relaciona diretamente oito pessoas que ocupam cargos de comando no Irã, que, para as autoridades norte-americanas, são cúmplices de transgressão aos direitos humanos. As oito autoridades mencionadas na portaria terão bens e investimentos bloqueados, caso estejam em território norte-americano. Também foi determinada a proibição de transações financeiras e comerciais com os oito iranianos. Há, ainda, o risco de terem vistos cancelados e a entrada nos Estados Unidos impedida. As medidas foram tomadas com base em uma série de denúncias de abusos e violação de direitos humanos envolvendo as oito autoridades.
A Espanha, por sua vez, efetuou gestões junto ao governo cubano para receber os presos políticos que não cessam de ingressar nas prisões da ilha caribenha onde recebem, com freqüência, a "hospitalidade" dos irmãos Castro. Hugo Chaves também é alvo de reprimendas da comunidade internacional pelo cerceamento à liberdade de imprensa e ao livre comércio, bases das democracias. São gestos, palavras e medidas que, ainda que simbólicas ou inócuas diante das ditaduras, servem para sinalizar a posição vigilante do país diante das violações deliberadas pelos tiranos. O Brasil precisa assumir urgentemente seu papel e sua liderança nesse campo, pelo menos na América do Sul. Seu peso econômico, como a 8ª maior economia do mundo, não pode sufocar sua missão política irrenunciável no âmbito da defesa e da promoção internacional dos direitos humanos.
Este é um assunto que poderia, na próxima legislatura, entrar na pauta do Congresso. A sinalização positiva da presidente eleita Dilma Roussef, nessa direção, já foi um bom começo.
Sergio Tamer é presidente do Centro de Estudos Constitucionais e de Gestão Pública – CECGP e doutor em Direito Constitucional pela Universidade de Salamanca.