Por repetidas vezes, a violência do Estado norte-americano contra cidadãos afrodescendentes ocorre nas unidades federadas dos Estados Unidos. Atestam que as leis dos Direitos Civis, aprovadas nos anos sessenta do século passado, nos governos Kennedy e Johnson, vêm sendo desrespeitadas, não obstante as decisões da Corte Suprema, algumas delas precedem as normas aprovadas pelo Congresso.
As marchas pela igualdade, lideradas pelo pastor Martin Luther King, contribuíram para a mudança de uma legislação racista e segregacionista existente desde a formação e a independência política daquele país. A brutalidade se repetiu no assassinato de George Floyd, em Mineápolis, Minessota.
As redes sociais, as maravilhas da tecnologia, a rapidez das comunicações, permitem ao mundo a conscientização e a repulsa ao racismo e a consequente desigualdade que o acompanha. Os relatórios sobre Desenvolvimento Humano da Organização das Nações Unidas-ONU apontam para menor renda e maior grau de pobreza das populações negras nos Estados Unidos. Historicamente, por motivações ideológicas e religiosas, lá, como na África do Sul, se constituiu o apartheid social, até hoje, apesar das cotas, não inteiramente resolvido.
Quem não se lembra da Ku-KluxKlan, os encapuzados autores de atrocidades como o enforcamento e incineração de pessoas negras. O sociólogo Gilberto Freyre, de “Casa Grande e Senzala”, um dos teóricos da democracia racial brasileira, reconheceu que a abolição da escravatura de 1888 foi incompleta. O governo republicano, os proprietários rurais, os industriais, foram indiferentes à sorte do negro livre, deixando-o sem propriedade, forçando-o a abandonar as fazendas para inchar as periferias e as favelas das grandes cidades do país.
No Brasil, ao contrário dos Estados Unidos e da África do Sul, por motivos culturais e religiosos, não se deu a segregação racial, explicada pelo fato de Portugal, o colonizador, haver sofrido a miscigenação moura na península ibérica, e de em parte ter sofrido influência africana, que em muito contribuiu para a colonização e a criação do mito da democracia racial luso-brasileira. Não temos a segregação anglo-saxônica, mas sofremos a questão crucial do racismo: onde estão os mais pobres, sem água, esgotos, sem moradias dignas, com pouco acesso aos serviços essenciais do Estado? Nas periferias, nas favelas, onde ficam os descendentes dos escravos libertados.
Convém desmitificar a ideia do homem cordial suscitada por Sérgio Buarque de Holanda, o autor de “Raízes do Brasil”, esboçada no último país a abolir a escravatura, a maior violência que se pode cometer contra o ser humano. É originária das presas de guerra desde a antiguidade, tanto que entre gregos e romanos os escravos eram brancos, alguns loiros de olhos azuis. A tese da inferioridade racial, para justificar a escravatura na modernidade, encontrou pseudocientistas a sustentá-la. É o caso do Conde Gobineau. Autor do livro “Ensaio sobre a Desigualdade das Raças Humanas”. Diplomata esteve a serviço da França no Brasil, em 1869, conhecendo e estabelecendo amizade com o Imperador Pedro II, persuadindo-o a importar colonos brancos, para evitar a miscigenação, para ele, responsável pela degenerescência física e intelectual dos seres humanos. Era apenas a justificativa ideológica da escravidão dos africanos, prisioneiros de guerra tribais depois negociados. Esquecia-se o Conde de que na África desenvolveram-se civilizações negras altamente evoluídas, como a dos egípcios, com inestimáveis contribuições a humanidade. A ciência posterior ao diplomata francês concluiu: não existem raças. Há apenas uma unidade, a raça humana. Preocupante é a previsão de Aristóteles: a escravidão nunca desaparecerá da face da terra. A globalização e financeirização geraram nova leva de escravos, com elevada concentração da renda, aumentando a pobreza dos pobres e empobrecendo as classes médias. Eles estão de braços dados nas manifestações das cidades do mundo, lutam juntos contra as desigualdades sociais.