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REINCIDÊNCIA NAS PRISÕES EM PORTUGAL CHEGA A 75% 

O relatório de Atividades de 2017 da Direção-Geral de Reinserção e dos Serviços Prisionais voltava a integrar dados sobre esta matéria, dando conta que 2079 reclusos que entraram nas prisões naquele ano já lá tinham estado, menos 42 do que em 2016, e 54 do que em 2015. A maioria dos reincidentes estão na faixa etária dos 30 aos 40 anos, havendo um aumento também na faixa dos reclusos entre os 60 e os 70 anos. O tráfico de droga é o crime que mais leva os reclusos a regressarem, segue-se o de condução sem carta e depois o de furto e roubo.”

Ana Mafalda Inácio

26 Novembro 2019 — Do Diário de Notícias

Em Portugal, cada recluso custa ao Estado cerca de 50 euros por dia, são quase 20 mil euros ao ano. Mas os 49 estabelecimentos prisionais (EP) do país custam mais de 250 milhões de euros todos os anos ao Orçamento do Estado. A juntar a estes números há mais um, o da percentagem de reincidência: 75%. É assim no mundo, é assim na Europa e Portugal não foge à regra. Os dados que constam dos relatórios do Conselho da Europa, da União Europeia e da Amnistia Internacional não traçam o melhor retrato.

Se não vejamos, Portugal é dos países que estão acima da média europeia no que toca ao número de presos por cem mil habitantes, densidade populacional, duração de reclusão, população feminina e até no número de mortes e de suicídios nas prisões. É dos países que se incluem na taxa de reincidência de 75%, asseguram técnicos que trabalham na área, apesar de tais números não constarem da estatística oficial do Ministério da Justiça. Sobre este tema, apenas a Provedoria de Justiça lançou em 2003 que a taxa de reincidência deveria estar nos 51%.

Mas tais números fazem com que académicos e técnicos questionem se esta realidade não seria diferente se houvesse uma justiça restaurativa, como acontece em outros países e que está a dar resultados. Uma justiça que tem por base a filosofia de que “todo o homem é maior do que o seu erro”, que “qualquer homem deve ter direito à oportunidade da reabilitação e de mudar o seu comportamento”, com vítimas e agentes da justiça a serem protagonistas neste trabalho interior que tem de ser feito pelo próprio agressor.

Na Alemanha, por exemplo, há já prisões restaurativas. No Canadá e no Brasil há já o que chamam projetos de Restorative City, cidades ou comunidades inteiras a trabalharem no sentido da reabilitação dos agressores. Os resultados obtidos revelam uma redução nas taxas de regresso à prisão.

Portugal ainda está longe deste tipo de realidade, mas começa a tentar dar os primeiros passos. Embora, para o presidente da Confiar, Associação de Fraternidade Prisional, que integra o projeto Prison Fellowship International, “não esteja a ser fácil”. “Somos uma sociedade muito fechada na mentalidade judaico-cristã. É mais fácil olhar para o criminoso como só criminoso, e não como alguém capaz de se reabilitar”, diz Luís Graça, que defende mesmo que “cada homem é maior do que o seu erro” e que, por isso, a sociedade civil tem uma missão e responsabilidade nesta matéria.

Em termos de legislação, o termo foi introduzido pela mão do ex-secretário de Estado da Justiça João Tiago Silveira com o ministro Alberto Costa, mas ainda há muito para fazer.

Para sensibilizar a sociedade portuguesa, desde políticos a magistrados, desde associações, universidades e técnicos que trabalham neste meio ao mais comum dos mortais, a Confiar, associação fundada em 1999 pelo padre Dâmaso, conhecido como o visitador mais antigo das prisões, está nesta terça-feira na Assembleia da República a debater o tema. O objetivo é mudar “o paradigma que tem sido seguido até agora”, sublinha Luís Graça.

Tudo poderia ser diferente, desde a reintegração aos custos que pesam nos orçamentos anuais, se este tipo de justiça restaurativa, de filosofia ou de corrente, como muitos optam por definir, fosse levado mais a sério. Uma justiça que surgiu na década dos anos de 1970 e por associação ao falhanço da dita justiça retributiva ou punitiva.

De acordo com a definição mundialmente aceite, a justiça restaurativa é aquela que “pode mudar a vida das pessoas”, contrariando o sistema punitivo, assente no “tens de pagar pelo teu erro sem mais nada”, explicaram ao DN. “É mais simples pensar desta maneira, facilita a vivência em sociedade, o criminoso é o criminoso, mas quando sai? O que acontece? Se não tiver suporte familiar que o apoie e o ajude a não voltar à mesma vida é certo que regressa à prisão”, sublinha Luís Graça.

O presidente da direção da Confiar salienta o facto de não haver dados oficiais que permitam trabalhar a reincidência ou dar uma noção clara do que se está falar. Os dados recolhidos pela associação detetaram que só a Provedoria de Justiça tinha registos, mas de há 16 anos. Em 2003, a Provedoria referia que a taxa de reincidência em Portugal era de 51% na população masculina. Em 1998, era de 48%.

O relatório de Atividades de 2017 da Direção-Geral de Reinserção e dos Serviços Prisionais voltava a integrar dados sobre esta matéria, dando conta que 2079 reclusos que entraram nas prisões naquele ano já lá tinham estado, menos 42 do que em 2016, e 54 do que em 2015. A maioria dos reincidentes estão na faixa etária dos 30 aos 40 anos, havendo um aumento também na faixa dos reclusos entre os 60 e os 70 anos. O tráfico de droga é o crime que mais leva os reclusos a regressarem, segue-se o de condução sem carta e depois o de furto e roubo.

Assembleia da República discute justiça restaurativa

Os dados não são muitos, mas há uma missão a cumprir, defende Luís Graça. Há cinco anos que a associação integra também o projeto Europeu Building Bridges, desde o ano passado que tem um protocolo assinado com a Câmara Municipal de Cascais e com a Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (DGRSP) para efetuar ciclos restaurativos. Um trabalho que envolve técnicos, vítimas e agressores, através de acompanhamento psicológico, e cujo resultado final pode culminar na reabilitação e na mudança de comportamento do infrator.

O primeiro ciclo restaurativo foi realizado no ano passado, o deste ano ainda aguarda autorização da DGRSP para que se possa iniciar, pois “é preciso ir à prisão falar com os agressores, perceber quem pode ser incluído neste trabalho e passar por este processo, para, depois quando chegar cá fora, ter apoio para procurar o seu lugar na sociedade”.

Neste momento trabalha em parceria com o Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP) para análise de dados, formação de técnicos, através do Observatório e Centro de Competências em Justiça Restaurativa, criado no âmbito do projeto europeu Building Bridges, com a Faculdade de Direito, através da professora Sónia Reis, a fazer doutoramento na área, e com o advogado Artur Santos.

Nesta terça-feira, na Assembleia da República, no Auditório Almeida Santos, a Confiar assinará outro protocolo, com a Associação Portuguesa de Apoio às Vítimas (APAV), no sentido de “reforçar o trabalho de reabilitação do agressor com o apoio das vítimas”, explica Luís Graça.

Os passos seguintes vão no sentido de se candidatarem a fundos da União Europeia para poderem realizar em Portugal o projeto de Restorative City. “Cascais foi a primeira cidade a aceitar este desafio e é o nosso principal parceiro, agora vamos tentar levar esta experiência a outras autarquias.” Nas escolas, o objetivo é começar a explicar este conceito. A Confiar prepara-se para lançar um projeto neste sentido: o SOS Restorative. “Até para se trabalhar a prevenção da criminalidade”, refere o presidente da direção, até porque se sabe que “sete em cada dez crianças não conseguem quebrar o ciclo que lhes foi passado por pais ou familiares”.

127 presos por cem mil habitantes, mais do que países como França e Itália

A realidade reincidente não é só portuguesa. Faz parte de muitos outros países. O trabalho de reintegração é difícil, sobretudo quando se sabe que há um técnico de reinserção para acompanhar mais de cem reclusos.

De acordo com dados europeus recolhidos entre 2014 e 2015, comparativos da realidade prisional portuguesa com outros países do Conselho da Europa e da União Europeia, trabalhados pela Confiar, Portugal é dos países que estão acima da média europeia no que toca ao número de reclusos por cem mil habitantes (127), na densidade populacional nas prisões (113 reclusos para cem vagas) e na duração média de reclusão (31 meses), mas é também dos países que estão acima da média europeia quanto ao número de população feminina reclusa, ao número de mortes na prisão (52,1 por cada dez mil presos) e também de suicídios (15,7 por cada dez mil reclusos).

Os mesmos dados revelam que Portugal tem precisamente os mesmos presos por cem mil habitantes do que Espanha, mas mais do que a Grécia, Itália, França, Alemanha, Bélgica, República da Irlanda, Luxemburgo, Holanda, Noruega, Suécia, Suíça, Roménia, Bósnia, Bulgária, Croácia ou Chipre.

Em março deste ano, o número total de reclusos era de 13 045 (12 889 em regime geral, 833 são mulheres) e mais 156 inimputáveis. Do total, 17,1% são presos preventivos, os restantes condenados – sendo que destes 110 já usufruem do regime aberto para o exterior, 1574 regime aberto interior e 104 em regime de alta segurança. A maioria é de nacionalidade portuguesa, 84,8%, os restantes 15,2% são estrangeiros, a maioria de nacionalidades africanas.

O crime contra o património, roubos e furtos, aparece em primeiro lugar no motivo que os levou à prisão. Segue-se crimes contra a integridade física e depois o tráfico de estupefacientes.

Como diz o presidente da Confiar, “cada homem é maior do que o seu próprio erro. É nisto que acreditamos, é esta a missão da justiça restaurativa. A nossa base é a de que todos os seres humanos, mesmo aqueles a quem um dia o erro os levou para trás das grades, devem ter uma oportunidade para se redimir, perdoar, recuperar, reintegrar”.

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