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Centro de Estudos Constitucionais e de Gestão Pública

RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DO ESTADO BRASILEIRO POR VIOLAÇÃO DE DIREITOS HUMANOS POR ATO DE PARTICULAR: O caso dos meninos emasculados do Maranhão.

BRENDA LAIANNY BARROS BERNARDI

Advogada, especialista em Ciências Jurídico-Políticas pela Faculdade do Baixo Parnaíba e aluna de Mestrado em Direito e Ciências Jurídico-Políticas pela Universidade Portucalense

Resumo: O presente estudo tem por escopo a análise do instituto da responsabilidade internacional, mais precisamente a responsabilidade internacional do Estado por ato de particular, onde há a violação a normas de direitos humanos, internacionalmente considerados, por conta da omissão do Estado relativa a uma persecução penal efetiva e da falha no seu dever de garantia. Para tanto traz à baila o caso julgado pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos, relativo à trágica história dos meninos emasculados do Maranhão. Ademais, demonstrará como se deu a solução amistosa proposta pela Comissão entre o Estado brasileiro, sub judice, e as peticionarias, destacando as obrigações assumidas pela União, decorrentes da responsabilização internacional. Palavras-chave: Responsabilidade Internacional. Direitos Humanos. Ato de Particular. Dever de Garantia. Solução Amistosa do Conflito.

1. INTRODUÇÃO

Na atual conjuntura do Estado Democrático de Direito, tem-se presente o dever de cooperação internacional entre os Estados, bem como à obediência aos tratados internacionais pactuados. Dentre estes tratados, encontram-se pactos que preveem e regulamentam os sistemas de proteção aos Direitos Humanos. Com o objetivo de proteção e garantia dos Direitos da Pessoa Humana, foram criados, através de tratados internacionais, sistemas de proteção, tanto de caráter global, a partir da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1958, bem como os sistemas regionais de proteção, a exemplo dos sistemas europeu, africano e interamericano. Os sistemas regionais juntamente com o sistema global, compõem o aparato instrumental responsável pela proteção e garantia dos Direitos do Homem no contexto internacional. Somado a estes sistemas, há ainda o sistema nacional de proteção de cada um dos países signatários. No Brasil, o sistema de proteção dos Direitos Humanos, encontra amparo no Art. 1º da Constituição Federal de 1988, que eleva a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito. De modo semelhante, a Constituição da República Portuguesa, prevê a dignidade da pessoa humana como uma das bases da República.
Os sujeitos de direito internacional, por sua vez, tem o dever, contido nas normas do direito consuetudinário, bem como em pactos e tratados de direito internacional, de respeito aos demais sujeitos de direito internacional. Caso não cumpra o compromisso e cause danos ou prejuízos a outrem deverá responder internacionalmente perante os órgãos de jurisdição supranacional por suas ações ou omissões danosas, na maioria das vezes decorrentes de um ato ilícito. Como no caso trazido à baila, no qual o Estado Brasileiro falhou no seu dever de persecução penal eficaz perante um particular infrator de direitos humanos da criança e do adolescente. O caso dos meninos emasculados do Maranhão, no qual um mecânico vitimou inúmeras crianças e adolescentes, ao praticar contra eles violência e abuso sexual, ato contínuo a extração dos órgãos genitais, e por fim o homicídio. Conforme passa a demonstrar o caso logrou uma solução amistosa entre as peticionárias e o Estado brasileiro perante a Comissão de Interamericana de Direitos Humanos, culminando no reconhecimento da responsabilidade internacional do Brasil, o devido processo legal, o consequente julgamento e condenação dos responsáveis, e por fim medidas de reparação às famílias das vítimas, tais como indenização, e o compromisso assumido de atuar de modo a evitar a ocorrência de casos semelhantes.

2. A RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL

2.1 Origem e conceituação: O instituto da responsabilidade internacional está intimamente relacionado à noção de “pessoalidade internacional”, isto é, está atrelado ao estudo dos sujeitos de direito internacional, segundo o qual incorre em responsabilidade internacional aquele sujeito que causar dano ou prejuízo a outro sujeito de direito internacional, por ocasião da prática de um ato ilícito internacionalmente considerado. O instituto da responsabilidade internacional serve para assegurar a efetividade das normas no plano internacional, assim como a responsabilidade civil no contexto interno dos Estados serve para regulamentar o descumprimento de normas preestabelecidas pelo ordenamento jurídico, levando o agente do ato ilícito a incorrer em responsabilidade. Desta forma os Estados assumem um compromisso perante a comunidade internacional de garantir o cumprimento das obrigações pactuadas por intermédio de tratados internacionais, ou até mesmo obediência às normas do direito consuetudinário, ou seja, dos costumes no direito internacional que regulam as relações entre os Estados. De modo geral a responsabilidade internacional, segundo a jurisprudência internacional, caracteriza-se como um princípio geral do Direito das Gentes, que deve ser acatado pelos Estados, pois a efetividade do sistema jurídico internacional, bem como a eficácia dos órgãos jurisdicionais de supremacia internacional, dependem da obediência a normas de jus cogens por parte de todos os Estados soberanos e possuidores de iguais direitos.

Logo, a desobediência a tais preceitos e o desrespeito a outro sujeito de direito internacional acarreta responsabilização e a consequente obrigação de reparar o prejuízo ocasionado. Ademais, a doutrina e jurisprudência internacional tem admitido a ampliação do regime de proteção dos direitos humanos, refletido na figura da responsabilidade internacional, para proteger os cidadãos contra os arbítrios de um Estado estrangeiro e até mesmo do seu próprio Estado.

2.2 Elementos Constitutivos da Responsabilidade Internacional: o ato ilícito, o nexo causal e o dano.________ A responsabilidade internacional do ente de direito internacional pressupõe a prática de um ato ilícito internacionalmente considerado. Por ato ilícito entenda-se a ação ou omissão do sujeito de direito internacional, no caso o Estado, que viola norma de direito internacional. Isto implica dizer que o Estado não pode invocar normas e disposições de seu direito interno como justificativa para o descumprimento de um acordo ou tratado internacional, conforme prescreve a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tradados, de 1969. O nexo causal, por seu turno, traduz-se na necessidade da demonstração de que o ente é o responsável pelo ato ilícito, ou seja, para que ocorra a imputação da responsabilidade faz-se necessário a comprovação da existência de um nexo entre a conduta do agente e a violação da norma internacional.
Neste caso, como descrito por Paulo Henrique Gonçalves Portela:

A imputabilidade pode ser direta, correspondendo a uma ação ou omissão do ente estatal, de seus órgãos ou de seus funcionários, ou indireta, quando o ato foi cometido por pessoa natural ou jurídica protegida pelo Estado ou a este vinculado, como um Estado de uma federação.

Em suma, a violação de normas Direitos Humanos por parte de um Estado, que acarrete em um resultado lesivo a um sujeito de direito internacional, gera a responsabilidade internacional daquele Estado e o consequente dever de reparar o prejuízo.

2.3 A Responsabilidade por condutas comissivas ou omissivas do Estado: A ocorrência da responsabilidade internacional pode ser verificada por ação ou omissão de qualquer dos Poderes do Estado: Administrativo/ Executivo, Legislativo ou Judiciário. A responsabilidade internacional do Estado pode ocorrer de forma direta ou de forma indireta. A responsabilidade direta emana de atos ou omissões dos órgãos estatais e de seus agentes, já a responsabilidade indireta, por sua vez, resulta de atos praticados por particulares, a respeito dos quais o Estado deixou de cumprir seu dever de prevenção do resultado danoso, punição dos culpados e proteção aos Direitos Humanos.

2.3.1 Legislativo: A responsabilidade Internacional do Estado pela conduta do Poder Legislativo refere-se primordialmente ao chamado “controle de convencionalidade de leis e da Constituição”, segundo o qual o Estado é responsável pelos atos emanados do legislador pátrio, ainda que não tenha havido aplicação concreta da norma. Isto ocorre porque a análise da convencionalidade dessas normas é realizada em abstrato. Portanto a mera possibilidade de ofensa ao bem jurídico tutelado pelas normas internacionais de direitos humanos já gera ao Estado a responsabilidade. Este dito controle de convencionalidade também pode ser aplicável quando da análise de norma constitucional, por uma Corte Internacional de direitos humanos, isto porque “as instâncias internacionais apreendem as leis internas, inclusive as normas constitucionais como meros fatos, analisando se houve ou não violação das obrigações internacionais assumidas pelo Estado”. Ademais os atos do Poder Legislativo que podem acarretar a responsabilidade internacional do Estado podem ser comissivos ou omissivos. Seja na aprovação de leis contrárias aos tratados, ou mesmo na inatividade de produção normativa de cunho obrigatório assumido em sede de tratado internacional.

2.3.2 Judiciário: A responsabilidade internacional por ato do Poder Judiciário do Estado relaciona-se essencialmente a duas hipóteses: “quando a decisão judicial é tardia ou inexistente (no caso da ausência de remédio judicial) ou quando a decisão judicial é tida, no seu mérito, como violadora de direito protegido.” A decisão restará caracterizada como tardia quando, por razões de morosidade da justiça, a prestação jurisdicional poderá ser considerada inútil ou mesmo ineficaz. A decisão inexistente, por seu turno, configura-se quando não existem tribunais qualificados para atender a demanda. No caso da decisão violadora de direito internacionalmente protegido, tem-se uma decisão judicial que, no mérito, afronta princípios relativos a direitos humanos, caracterizando-se, portanto, como uma decisão injusta, em desacordo com os essa espécie de direitos. Por fim, ressalta-se a questão da impunidade, quando o Estado-juiz, representado pelos órgãos jurisdicionais deixa de proceder à persecução penal, ou seja, à investigação, condenação e prisão dos particulares responsáveis por atos que violam direitos humanos internacionalmente protegidos.

2.3.3 Executivo: A responsabilização internacional por conduta lesiva a direitos humanos, por parte do Poder Executivo do Estado, por seu turno, pode ocorrer de duas formas. A primeira delas é a Responsabilidade Direta, qual seja, a oriunda de atos comissivos ou omissivos praticados por agentes públicos. Já a Responsabilidade Indireta, é referente a atos praticados por particulares, a respeito dos quais o estado falhou no seu dever de garantia de direitos humanos e de prevenção a atos lesivos de particulares. Esta responsabilidade indireta configura exceção à regra geral da responsabilidade direta, haja vista os particulares serem responsáveis por suas próprias ações violadoras de direitos humanos, no entanto, “o Estado pode ter responsabilidade pelos factos dos particulares sob a sua jurisdição quando não tenha tomado as precauções suficientes para prevenir um incidente ou para proteger as vítimas.”. Nesta hipótese, o Estado deixa de prevenir a violação de Direitos Humanos na atuação de particulares, assim, o Estado é condenado não somente por ofensa aos direitos humanos da vítima, mas por ter ofendido a sociedade internacional como um todo, haja vista ter se comprometido, mediante assinatura de pactos, a defender, salvaguardar e garantir os direitos da pessoa humana. Ressalta-se que em ambos os casos a responsabilidade internacional do Estado é objetiva, ou seja, independe da aferição da motivação ou intenção. Deste modo, não há necessidade de aferição da motivação do agente causador do dano, bastando tão somente a comprovação da ocorrência do ato ilícito, do nexo causal e do prejuízo, para que o Estado sofra a responsabilização.

2.4 Efeitos da Responsabilidade Internacional:___________ A responsabilidade internacional gera muitos efeitos para os Estados que aderem aos tratados internacionais. São muitas obrigações adquiridas para a permanência dos Estados em organismos que são de extremo interesse para estes. A obrigação de reparar o dano ocasionado é de importância fundamental para o instituto da responsabilidade internacional, já que a reparação tem caráter automático e está implícita nas normas jurídicas de direito internacional consuetudinárias como obrigação resultante do ato danoso.

É considerada a maior consequência por um descumprimento de alguma obrigação internacional, pois o dano deve ser reparado integralmente. Outro efeito recorrente à responsabilidade internacional consiste na reposição das coisas no seu estado anterior ou restituio in integrum, que constitui modalidade do princípio da reparação. É, de certo modo, uma reparação privilegiada, pois se busca a total integração do dano causado, na tentativa de conduzir a vítima ao status quo, como se nunca tivesse existido dano. Há também a reparação por equivalência, quando não é possível a restitutio in integrum, o pagamento de indenização tenta sanar o dano causado. Na prática, este é o modo de reparação mais recorrente.

A satisfação é utilizada quando a indenização é inadequada para reparar prejuízo moral, é, portanto, modalidade de reparação puramente moral, pois esta é realizada através de arrependimento expresso do Estado. Este efeito é importante para a reintegração da honra, moral e prestígio do Estado vítima de dano. A reparação também pode tornar-se sanção, em alguns casos, o efeito ganha caráter penal, para que haja repressão a delitos internacionais. A sanção é imposta quando “a gravidade das ofensas que atingirão a soberania do Estado é tal que é preciso encontrar uma adequação da sanção à ilicitude cometida.” Em casos de delito internacional, a punição se dá através de suspensão ou anulação de relações convencionais para além das humanitárias do Estado vítima e Estados terceiros na relação de descumprimento da obrigação internacional, não estando excluídos o dever de indenizar e o restitutio in integrum.

2.5 Circunstâncias que excluem o atenuam a responsabilidade internacional: Mesmo que seja verificada a presença de todos os elementos caracterizadores da responsabilidade internacional, a saber, o ato ilícito internacional, a imputabilidade e o prejuízo ou dano a outro sujeito de direito internacional, a responsabilidade poderá vir a ser excluída ou atenuada, a depender da ocorrência de algumas situações. A primeira delas é a legítima defesa, utilizada em caso de ataque armado real ou em iminência. A reação com uso de força e armamento que visa a proteção do país garantem a soberania e a integridade necessárias a um Estado. Em regra, esta atitude é proibida pela Carta das Nações das Nações Unidas, entretanto é permitido excepcionalmente, o emprego de força nesta situação. Outras circunstâncias que atenuam ou excluem a responsabilidade internacional são a Represália consistente em retaliação a ato ilícito de Estado diverso, a Prescrição, que consiste na perda do direito de reclamar a reparação, o Estado de Necessidade, onde na ocorrência de lesão a bem jurídico de outro ente estatal para resguardar bem jurídico próprio. Há também os casos de caso fortuito, força maior e o perigo extremo, que consistem nos casos em que pessoas que estão sob a guarda e proteção do Estado se encontram em perigo iminente, nestes casos ocorrerá exclusão da responsabilidade internacional.

Outra hipótese que pode excluir ou atenuar a responsabilidade do Estado que violou a norma internacional, se verifica quando o sujeito internacional vítima do ato ilícito concorre para a ocorrência do mesmo . Em último caso, temos as medidas cabíveis que o Estado toma para evitar um dano, desta forma, a responsabilidade internacional pode ser excluída ou atenuada. Um exemplo desta excludente/atenuante é “quando um ente estatal alerta a estrangeiros que não reúne condições de manter a ordem e sugere que se retirem do respectivo território”.

3. O CASO DOS MENINOS EMASCULADOS DO MARANHÃO.

A proteção aos direitos humanos concretiza-se em maior notoriedade quando os órgãos jurisdicionais internacionais aplicam sanções aos Estados que se sujeitam ao seu controle e supervisão. Isso ocorre quando o Estado falha na atuação e garantia dos direitos humanos, sendo internacionalmente responsabilizado pelas condutas ilícitas, leia-se ação ou omissão, praticadas em desfavor de outros sujeitos de direito internacional, inclusive os seus próprios cidadãos. O Estado Brasileiro já foi representado perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos por diversas vezes, em situações onde demonstrou negligência ou morosidade quando das investigações, imputações, condenações e aplicação das punições nos casos de particulares, violadores de direitos humanos. Como no caso dos meninos emasculados do Maranhão e Altamira. Ao longo dos anos, o descaso na investigação dos homicídios de crianças e adolescentes no estado do Maranhão e Altamira – PA, fez com que órgãos não governamentais de proteção da criança e do adolescente oferecessem denúncia em desfavor da República Federativa do Brasil, perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Neste caso, Francisco das Chagas Rodrigues de Brito, o “Maníaco do Maranhão”, foi condenado com a idade de quarenta e cinco anos no julgamento encerrado no dia 27 de agosto de 2009 a trinta e seis anos e seis meses de prisão. Acusado de homicídio, ocultação de cadáver e vilipêndio de duas crianças na cidade de São José do Ribamar, localizada na Ilha de São Luís, Estado do Maranhão.

Em meados do ano 2000, duas crianças da idade de dez e onze anos foram mortas, porém em 2006, Francisco já teria sido condenado a mais de 20 anos de prisão pelo homicídio de um adolescente de quinze anos, entretanto teve sua pena reduzida por ser diagnosticado como semi-imputável, por possuir o transtorno de personalidade antissocial. Nos dois julgamentos, ele teve sua pena reduzida em um terço por conta do mesmo motivo. É atribuído a Francisco das Chagas mais de quarenta assassinatos de crianças e adolescentes do sexo masculino, entre os anos de 1989 e 2003, dessa forma, é possível considerá-lo um dos piores “serial killers” brasileiro. No Estado do Maranhão teriam sido trinta vítimas na cidade de São José de Ribamar e Paço do Lumiar, ambas localizadas na Ilha de São Luís, e doze na cidade de Altamira, Estado do Pará. Esse caso ficou conhecido em rede nacional como “O caso dos meninos emasculados do Maranhão e Altamira - PA”, já que o maníaco mutilava os órgãos sexuais das vítimas, caracterizando seu modus operandi. Além disso, outras barbaridades eram cometidas às vítimas, dentre elas, asfixia, estupro, e depois que os matava, retirava a cabeça ou os dedos, em alguns casos chegou a queimar os corpos dos garotos.

Na data de 15 de dezembro de 2005, o Brasil e as ONG’s Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente Padre Marcos Passerini e o Centro de Justiça Global assinaram um acordo amistoso, onde o Estado Brasileiro reconheceu sua responsabilidade internacional e firmou compromissos quanto ao julgamento e punição ao responsável pelos crimes de estupro, homicídios e emasculações das crianças e adolescentes no Estado do Maranhão e cidade de Altamira-PA. Dentre as medidas adotadas para reparação da negligência a qual o Estado foi condenado, houve o pagamento de indenização aos familiares das vítimas, medidas de prevenção ao emprego de violência sexual contra crianças e adolescentes, homenagens póstumas aos meninos assassinados, inclusão dos familiares em programas sociais, entre outras medidas.

4. SOLUÇÃO AMISTOSA ALCANÇADA

O caso supratranscrito foi julgado pela Comissão Internacional de Direitos Humanos (CIDH), a qual propôs uma solução amigável do conflito entre as parte. De um lado os representantes dos peticionários, do outro, representantes do Governo Federal brasileiro e do Governo do Estado do Maranhão. Finalmente em 15 de dezembro de 2005, após mais de um ano de negociações, na cidade de São Luis, Estado do Maranhão, foi assinado, em ato público, o acordo entre as partes. O acordo contemplava o reconhecimento da responsabilidade internacional, o julgamento e punição dos responsáveis, medidas de reparação, tais como reparações simbólicas e materiais, medidas de não repetição e mecanismos de seguimento. O caso ora tratado encaixa-se à hipótese de responsabilidade internacional indireta do Estado por ato de particular, pois o Estado brasileiro falhou no seu compromisso de prevenir a prática lesiva a direitos humanos a que se refere o caso, bem como demonstrou morosidade nas investigações, para apurar os fatos e identificar os culpados, fato que gerou a ocorrência de casos semelhantes, pois a inércia do judiciário deu azo à continuidade das práticas delitivas violadoras de direitos humanos, possibilitando ao agressor vitimar inúmeras crianças.

A responsabilidade internacional, com relação aos casos nº 12.426 e nº 12.427, foi reconhecida pelo Estado brasileiro no ano de 2006. Em decorrência da obrigação de reparar o dano, o Brasil, por intermédio da solução amistosa proposta pela Comissão Internacional de Direitos Humanos, procedeu ao cumprimento do pactuado. A primeira atitude que o Brasil teve de tomar foi o reconhecimento voluntário de sua responsabilidade internacional pelo ato do particular causador de violação de direitos humanos e a sua omissão na persecução penal eficaz quanto ao caso dos meninos emasculados do Maranhão. A segunda ação a qual o Estado brasileiro comprometeu-se foi a de julgar e punir os responsáveis pelas práticas criminosas descritas no caso. Comprometendo-se, portanto, a apurar a responsabilidade do réu, obedecendo ao devido processo legal, bem como respeitando os direitos humanos. Ademais, comprometeu-se a prosseguir eventuais investigações que tenham por objetivo apurar a responsabilidade de terceiros quanto ao mesmo caso. Além dessas medidas, a República brasileira assumiu a obrigação de acatar medidas de reparação, simbólica e materiais. Por fim, o Estado brasileiro e as peticionárias comprometeram-se a enviar relatórios anuais a respeito do cumprimento dos termos acordados na solução amistosa à Comissão Internacional de Direitos Humanos, com a finalidade de demonstrar a obediência efetiva ao acordo.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conforme fora demonstrado a responsabilidade internacional do Estado é tema recorrente, não caracterizando um fenômeno da atualidade, pois desde os primórdios do Direito Internacional, os Estados que descumpriam normas de direito consuetudinário sofriam responsabilização por seus atos prejudiciais a outros Estados. Desta forma, com o aprimoramento das relações internacionais e a criação de mecanismos de controle jurisdicionais de aferição do cumprimento dos acordos e tratados, de caráter supranacional, a responsabilidade passou a ser ainda mais incisiva. Haja vista o Estado não poder se eximir de cumprir com as obrigações internacionalmente assumidas, a responsabilidade do Estado por violação a direitos humanos sobrepassa aos atos dos seus próprios agentes, sendo excepcionalmente responsável por atos de particulares que violem direitos internacionalmente considerados, uma vez que tenha falhado no seu dever de garantia. Neste cenário, os organismos internacionais ligados aos sistemas regional e global de proteção de direitos humanos têm tido um papel de destaque na proteção da dignidade da pessoa humana. Fato que leva o Estado a preocupar-se mais com a manutenção de uma ordem social justa, onde prevaleça a salvaguarda de direitos fundamentais e haja prevenção e repressão efetiva a todo e qualquer ato de particular que ofenda bem jurídico alheio. De fato ainda há um longo caminho a ser trilhado para se chegar ao objetivo da garantia eficaz dos direitos humanos, mas o instituto da responsabilidade internacional fornece importante impulso para o alcance deste fim.

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