São Luís, cidade do coração!
Por SERGIO VICTOR TAMER
São quatro décadas e quatro anos vividos intensamente em São Luís desde aquele distante ano de 1975 até os dias de hoje. Vim para passar um ano e já se passaram quarenta e quatro... Por certo, alguma coisa isso representou em minha vida... Por certo, alguma coisa isso tem a dizer para mim próprio... Havia caminhos outros a percorrer?
O aniversário de São Luís é sempre uma data que me toca muito especialmente porque eu completo, em 2019, 44 anos de atividades ininterruptas em solo ludovicense. Se nesse tempo todo não dá para ver um filme completo, pelo menos aqui algumas imagens posso recordar. E é inevitável que eu me transporte para aqueles momentos iniciais de emotiva lembrança quando iniciei minhas andanças pela esperançosa cidade dos anos 70.
Ao chegar em maio de 1975 pela Pará-Maranhão, estrada recém-concluída e de pavimentação impecável, fiz esse percurso em torno de 6/ 7 horas de viagem, tempo impensável para os dias de hoje pelas más condições de trafegabilidade. Não conhecia o Estado nem a sua Capital, salvo notícias que chegavam dando conta da transformação que iria se operar com a instalação do grandioso Projeto Carajás. Muitas empresas, de todas as partes, também se preparavam para chegar aqui com esse mesmo objetivo de mercado. A nova Meca brasileira dos negócios estava sendo anunciada. São Luís passou assim a ser o novo porto de chegada... Projeto Alcoa, Vale do Rio Doce e empresas satélites já esboçavam por aqui as primeiras ações e despertavam também o imaginário do cidadão comum... “São Luís vai virar Paris, está por um triz...” cantavam, com ufanismo, Gerude e Jorge Thadeu...
Tinha por missão empresarial passar um ano em São Luís, instalar a filial de uma agência de Belém no ramo da publicidade e logo após retornar para concluir meus estudos que já haviam sido iniciados na Faculdade de Direito da Universidade Federal do Pará. De um ano previsto... já se vão 44 anos....e nem me dei conta...Cheguei dirigindo um pequeno carro, um Chevrolet Chevett, tendo como companhia um colega de trabalho em Belém, o maranhense Jamil Damous, (irmão de Laura Amélia Damous), ele recentemente falecido no Rio de Janeiro, onde morava e teve ao longo desses anos, brilhante atuação como redator dos programas especiais da TV Globo. Na minha bagagem, um saco de livros do meu curso de Direito, uma mala de roupas e muita expectativa com o que viria pela frente.
Jamil, que era sobrinho do saudoso vice-reitor Manoel Estrela, então no exercício do cargo de reitor pela ausência momentânea do reitor eleito José Maria Ramos Martins, levou-me à Reitoria para tratar dos requisitos da transferência momentânea do meu curso. E um dos critérios definidos em Resolução pela Universidade, era demonstrar a minha vinda e a da minha empresa, em função do projeto Carajás.
Aliás, em todas as conversas e em todos os lugares naquele ano de 1975 o assunto que mobilizava a cidade era a chegada do progresso com o tão decantado projeto Carajás. Era então comum os estabelecimentos comerciais evocarem tão auspicioso momento ostentando placas com o nome daquele Projeto. Por coincidência, hospedei-me logo na “Pensão Carajás” que ficava na Rua dos Afogados, na ladeira que descia ao pé do Banco do Estado do Maranhão. Para saborear-se uma boa peixada ou uma caldeirada típica, atravessava-se a Ponte do São Francisco para ali encontrar-se a “Peixaria Carajás” na Avenida Castelo Branco, e assim por diante. O nome “Carajás” transmitia entusiasmo e esperança para todos!
Com toda essa euforia à minha volta, achei que havia chegado no momento certo e logo procurei um local para instalar a sede da empresa e iniciar os trâmites de minha transferência de curso. Não se precisa dizer que toda a cidade pulsava em torno da Praça João Lisboa e da Praça Deodoro e desses centros se irradiava por todo o seu belo e sinuoso traçado. Assim, em agosto de 1975, já estava eu instalado em parte do casarão que ficava na Rua da Paz esquina com a Rua de Santaninha, em plena Praça Deodoro. Casa que pertenceu à família do médico Renato Bacelar e de sua irmã a juíza aposentada Edine Bacelar de tradicional família da cidade de Brejo. O local era perfeito para se respirar o clima de São Luís de meados dos anos 70: uma cidade que começava a viver uma profunda transformação que somente iria se consolidar quase 20 anos depois.
O governador Nunes Freire, já indicado pelo presidente Ernesto Geisel e anunciado por Petrônio Portela, era aguardado em São Luís depois de uma cirurgia em afamada clínica de olhos de Belo Horizonte. O prefeito da Capital, nomeado pelo governador, viria a ser o engenheiro Bayma Júnior. Em outubro daquele ano iria acontecer a Expoema, um dos principais eventos do calendário anual do Estado. Para enfrentar uma agência de Goiás que nos anos anteriores fazia a confecção das peças publicitárias e a divulgação nacional da Exposição, reuni-me com as principais lideranças da comunicação do Estado: Lindenberg Leite, Mauro Bezerra, Cordeiro Filho, Nelson Farias e Rodrigo Caracas. Formado assim um pool de agências maranhenses, a conta foi conquistada e a divulgação, pela primeira vez, foi feita por empresas sediadas no Estado. Outras campanhas viriam a ser feitas pela minha empresa de publicidade, como a do relançamento do “Sabão Capricho”, da Fábrica Ivesa de Venizelos Murad, que contratou o comediante Jô Soares para os comerciais da televisão.
Foi um início promissor para logo depois vivenciarmos um período de estagnação econômica, de baixíssima oportunidade comercial, em grande parte provocada por fortes embates políticos que viriam suceder-se, especialmente no plano federal, entre o grupo remanescente do ex-senador Vitorino Freire e o grupo do senador José Sarney, com reflexos poderosos na economia do Estado. É que com a posse de Ernesto Geisel em 1974 na presidência da República, Vitorino, além de fazer Nunes Freire o governador do Maranhão, voltou a ter uma certa influência em Brasília exercendo a partir daí notória ameaça à hegemonia política que há nove anos vinha sendo formada no Estado. Além disso, os efeitos econômicos do Projeto Carajás só iriam começar a ser sentidos pelo mercado a partir dos anos 80 já com João Castelo à frente do governo.
Mas o final dos anos setenta foram decisivos para a minha vida pessoal e profissional. Para preencher uma lacuna na imprensa da época, que não editava jornal às segundas-feiras, apresentei ao mercado editorial o semanário Folha de São Luís, que circulou por quase dois anos tendo como editor o jornalista Oliveira Ramos. Raimundo Melo em O Imparcial, Bandeira Tribuzi no Jornal O Estado e Ribamar Bogéa, no Jornal Pequeno, comandavam os principais jornais da cidade. Moreira Serra, na Rádio Ribamar, tinha grande influência política com os seus inflamados editoriais radiofônicos. Ao transferir anos depois o jornal para o combativo jornalista Walter Rodrigues, passei a dedicar-me mais ao estudo do Direito onde fui aluno, dentre outros grandes professores, de José Maria Cabral Marques que viria a ser nomeado reitor da Universidade Federal do Maranhão em 1979. Convidado a integrar a sua assessoria especial, acompanhei de perto todo o desenrolar de sua gestão por quase sete anos. Vi a UFMA crescer e se expandir para o interior com o lançamento dos Campi de Bacabal, Chapadinha e Imperatriz. No âmbito internacional, foram feitos os primeiros convênios com instituições da Europa, dos EUA, do México, da América Central e da América do Sul, enquanto as obras de ampliação do Campus do Bacanga ganhavam força. Trabalhar ao lado do professor José Maria Cabral Marques, naquele período, foi um aprendizado inigualável e eu peço permissão para prestar, aqui, minhas homenagens especiais ao emérito educador de sucessivas gerações e que hoje se encontra enfermo em sua residência.
Assim, os anos 70 terminavam e em apenas 5 anos eu já estava envolvido com aquela São Luís bela e encantadora, da terrasse do Hotel Central, da Praia do Olho D´Água e da vida pulsante em todas as ruas e becos do Centro Histórico. Os anos 80 iriam marcar o início da minha participação na vida jurídica e política do Estado. Formado em dezembro de 1980, proferi, em nome dos formandos, o discurso da Aula da Saudade, no Teatro Arthur Azevedo. Na mesa, o governador João Castelo, o presidente do Tribunal de Justiça, desembargador Filgueiras e os professores Nivaldo Macieira e João Batista Ericeira. Da assessoria do reitor Cabral Marques, iniciada em setembro de 1979, passei a integrar, a partir de 1984, o quadro de procuradores da Instituição, mais tarde integrado à AGU, onde permaneci até me aposentar em 2011.
Em 1986, aos 35 anos de idade, amigos comuns me levaram até à presença do deputado federal Álvaro Valle, no Rio de Janeiro, onde assumi o compromisso de fundar o Partido Liberal no Maranhão. Organizamos então, no auditório da Associação Comercial, um Curso de Formação Política para que Álvaro Valle viesse ao Estado anunciar a fundação do Partido. Era o início da chamada Nova República e o desejo de participação política e partidária era muito grande. Convidamos para esse curso nomes como Maria Aragão, Jackson Lago, Bello Parga, Edison Lobão e os juristas Pedro Leonel Pinto de Carvalho e João Batista Ericeira. O êxito do curso foi tão grande que o PL passou a estatuir, como meta programática e indispensável para lançar candidatos, cursos de formação política em todo Brasil. Fomos também o primeiro Partido, no Estado, a ocupar, por uma hora, o horário pré-eleitoral de televisão, ocasião em que adotamos, como tema do programa, a questão ambiental.
Mas foi com a eleição municipal de 1988 que o PL elegeu seus primeiros candidatos e revelou para a política nomes da importância de Pavão Filho, Tadeu Palácio, Lima Neto, João Bentivi, Vinicius Nagem e tantos outros. O puxador de votos naquela eleição foi o nosso candidato a prefeito Edvaldo Holanda que desequilibrou a eleição entre Carlos Guterres (então apoiado pelo governador Cafeteira) e Jackson Lago - permitindo assim a primeira eleição de Jackson a prefeito de São Luís. Nonato Aragão viria se juntar mais tarde ao Partido assim como o vereador Chaguinhas. Embora o apresentador da antiga TV Ribamar, Marco Antonio Vieira da Silva, fosse o primeiro deputado estadual a integrar o PL, em face da sua mudança de legenda, o primeiro deputado estadual efetivamente eleito pelo Partido foi Roberto Rocha nas eleições estaduais de 1990. Foram muitos os temas e as bandeiras levantadas pelo PL em quase dez anos em que estive à sua frente no Estado, de 1986 a 1995. Dentre os temas que apresentamos, teve destaque a estatização dos cartórios com a emissão gratuita de certidões de nascimento e o sistema de transporte urbano com a proposta de adoção do “ônibus-livre”.
Desse período de militância política, guardo uma frase que gostava muito de citar: “Quem luta por causas justas, ainda que sofra fortes obstáculos e eventuais derrotas nos embates, não perde nunca, será sempre um vencedor”. Por isso a dura realidade brasileira, com forte repercussão na situação sócio-econômica maranhense, antes de ser um desestímulo para o cidadão responsável deve, ao contrário, provocar-lhe uma reação permanente na luta pelas grandes causas. Daí entender a política como uma atividade permanente, inerente ao exercício da cidadania e voltada para o bem comum. A boa política não se faz apenas com cargos públicos mas com a participação viva e incessante em todos os assuntos de interesse geral.
Após um período de estudos no exterior e de dois anos, em Brasília, na presidência nacional do PR, partido que sucedeu o PL mediante fusão com o PRONA, retorno ao Maranhão para, por indicação partidária, assumir, em 2009 a Secretaria de Direitos Humanos e Cidadania do governo de coalização da ex-governadora Roseana Sarney. Em um ano e nove meses desenvolvemos ali cinco projetos federais de grande alcance social, dentre eles a Caravana dos Direitos Humanos, o Núcleo de Defesa das Vítimas de Violência e o Registro Civil de Nascimento, em parceria com a Secretaria Nacional de Direitos Humanos da Presidência da República, ocasião em que procuramos interiorizar ao máximo as ações da secretaria. O Procon-online também foi criado naquela época voltado para agendamentos, reclamações e consultas.
Com a criação da Secretaria de Justiça e Administração Penitenciária-SEJAP, em 2011, a atividade penitenciária foi apartada da Secretaria de Segurança Pública e fui então nomeado pela governadora para assumir a nova Pasta. A gestão que desenvolvemos na recém-criada secretaria tinha três eixos prioritários: organização, respeito e disciplina. O resultado do trabalho implementado por essa equipe pode ser constatado pelos dados que o Jornal Pequeno obteve junto ao Departamento Penitenciário Nacional – DEPEN, do Ministério da Justiça, e que foi traduzido no editorial de março de 2013, quando já havia deixado o cargo.
São quatro décadas e quatro anos vividos intensamente em São Luís desde aquele distante ano de 1975 até os dias de hoje. Vim para passar um ano e já se passaram quarenta e quatro... Por certo, alguma coisa isso representou em minha vida... Por certo, alguma coisa isso tem a dizer para mim próprio... Havia caminhos outros a percorrer? Para o poeta espanhol Antonio Machado não há caminho...
“Faz-se caminho ao andar. Ao andar se faz caminho/ e ao voltar a vista atrás/ se vê a senda que nunca se voltará a pisar/...”
Mas ao vermos a senda vemos também a bela imagem de São Luís como aquela guardada em poema de BandeiraTribuzzi:
“Vista do mar, a cidade/ parece humilde presépio/ levantado por mãos puras/ e em sua simplicidade/ esconde glórias passadas/ sonha grandezas futuras.”
Agora digo, para mim mesmo, que se passaram 44 anos e nem me dei conta do tempo...Tenho, porém, o consolo de ler o poema “Conta e Tempo” de Frei Antônio das Chagas, que aconselha:
“Deus pede estrita conta de meu tempo.
E eu vou, do meu tempo, dar-lhe conta.
Mas, como dar, sem tempo, tanta conta,
Eu, que gastei, sem conta, tanto tempo?
Para dar minha conta feita a tempo,
O tempo me foi dado, e não fiz conta.
Não quis, sobrando tempo, fazer conta.
Hoje, quero fazer conta, e não há tempo.
Oh, vós, que tendes tempo sem ter conta,
Não gasteis vosso tempo em passatempo.
Cuidai, enquanto é tempo, em fazer conta!
Pois, aqueles que, sem conta, gastam tempo,
Quando o tempo chegar, de prestar conta,
Chorarão, como eu, o não ter tempo...”
Mas eu não quero chorar o tempo que passou, como dizia Chaplin em sua linda e imortal canção...Quero, sim, festejá-lo, como faço agora, comungando com todos os que vivem neste sofrida, mas sempre bela cidade, os seus 407 anos de fundação.
Viva São Luís, cidade de bravos, de poetas, escritores e heróis, mas, sobretudo, a cidade do coração!