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CENTRO DE ESTUDOS CONSTITUCIONAIS E DE GESTÃO PÚBLICA

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Sociedade Limitada: por que é o tipo societário mais utilizado no Brasil? por Amanda Lima Fontes

AMANDA LIMA FONTES

“A complexidade do mundo moderno e a competitividade dos mercados determinam que para “estar no páreo” o empreendedor precisa compreender muito bem o ambiente em que atua, dominar a regulamentação do seu segmento, conhecer e escolher o melhor tipo societário para o seu negócio…”

Amanda Lima Fontes, advogada,

sócia do escritório AD FONTES ADVOCACIA

 

 Você já percebeu isso? Já sentiu que estava participando de um jogo do qual não conhece exatamente as regras?  Se sentiu perdido, enganado ou que não tinha o conhecimento necessário para fazer as coisas acontecerem?

O Xadrez é um esporte estratégico de tabuleiro de alta complexidade, que simula o confronto entre dois exércitos. Uma verdadeira metáfora da vida.

Foi criado há mais de 2.000 anos, provavelmente no século VI a.C, nos abastados reinos da índia, e é considerado um dos mais complexos exercícios de inteligência humana.

São 2 jogadores e 32 peças, sendo 16 brancas e 16 pretas. Ambas as cores possuem 2 torres, 2 cavalos, 2 bispos, 1 dama, 1 rei e 8 peões. O tabuleiro tem 64 casas, claras e escuras. O objetivo é encurralar o rei do exército adversário e impor o xeque-mate ou obter a sua rendição.

Trata-se de uma disputa de ideias, estratégias e experiências vividas.

O número de caminhos a seguir tende ao infinito, as jogadas do Xadrez são equiparadas, inclusive, ao número de átomos do Universo. Só nas primeiras quatro jogadas existem 318 bilhões de combinações possíveis.

Qualquer semelhança com a vida real, com os negócios e com o direito societário não é mera coincidência.

O tabuleiro é o mercado, as peças são as pessoas envolvidas, o relógio é o tempo.

A estratégia, o raciocínio lógico e o exercício de antevisão são as habilidades necessárias.

Esse jogo, na visão de grandes pensadores como Ross, Kelsen, Hart e Weber, envolve uma dimensão normativa. Logo, para compreendermos o comportamento de um enxadrista, devemos entender que o sentido de sua ação é orientado pelas regras do jogo.[1]

Assim, só podemos afirmar que alguém está jogando xadrez quando domina a técnica de realizar lances de acordo com as regras do jogo.

É assim no jogo. É assim na vida.

Tudo isso para te dizer que a complexidade do mundo moderno e a competitividade dos mercados determinam que para “estar no páreo” o empreendedor precisa compreender muito bem o ambiente em que atua, dominar a regulamentação do seu segmento, conhecer e escolher o melhor tipo societário para o seu negócio.

Ou então deve lançar a moeda pra cima e contar com a sorte. Se der cara, ele vence, se der coroa ele volta pra casa.

Mutatis Mutandis[2], o enxadrista que não se prepara para o embate, tem uma visão turva do tabuleiro, e desconhece as regras e as técnicas mais sofisticadas do jogo de Xadrez, terá poucas chances de se tornar um campeão.

Saber disso é o que basta para tornar essencial o estudo das formas e das regras.

Por isso, hoje, nós vamos dissecar as principais informações que você precisa conhecer sobre o tipo societário mais utilizado no Brasil: a Sociedade Limitada.

Continue lendo para aprender tudo sobre :

 O que é a Sociedade Limitada.

  • Por que constituir uma Sociedade Limitada.
  • Onde registrar a Sociedade Limitada.
  • Como definir o seu Capital Social.

O que é a Sociedade Limitada?

É o tipo de “empresa” (tipo societário) constituído por dois ou mais sócios que contribuem com dinheiro, crédito ou bens para a formação do seu capital social, organizando a atividade para a produção e circulação de bens ou serviços e dividindo o bônus e o ônus, nos limites de suas participações.

É o seu Zé da padaria, que se juntou com o seu João. O primeiro deu R$ 80.000,00 (oitenta mil reais) e o segundo R$ 40.000,00 (quarenta mil reais). Compraram o maquinário, alugaram o ponto e montaram a “Aurora”. Aquele cuida da produção, este do financeiro. Possuem 7 funcionários.

Mas é também a indústria de planejados, que nasceu da união do Sr. Fligher e com Sr. Mattos. Hoje, têm 350 funcionários, Conselho de Administração, Conselho Fiscal e mais de 12 sócios.

A propósito, a Sociedade por quotas de Responsabilidade Limitada surgiu na Alemanha no século XIX. Chegou ao Brasil em 1919 por meio do Decreto 3.798/1919, que ficou em vigor até 2002, com o advento do Código Civil.

De lá pra cá, ganhou notória importância para a economia do nosso país. E hoje, é o modelo mais utilizado por aqueles que querem explorar uma atividade econômica.

 

Por que constituir uma Sociedade Limitada?

O capital investido pelos sócios define suas participações no negócio, separando os patrimônios pessoais do societário.

Aí está uma das maiores vantagens da Sociedade Limitada: a limitação da responsabilidade civil proporcional ao capital disponibilizado e ao risco assumido.

Tal escolha legislativa é um incentivo jurídico ao investimento em atividades empresárias, pois aqueles que desejam e aceitam participar de uma sociedade sabem que seu patrimônio pessoal estará protegido.[3]

Ou seja, se João disponibilizou R$ 100.000,00 para constituir uma oficina com Pedro, o que se entende é que assumiu um risco de igual monta. Logo, não poderia ter prejuízo superior à quantia referida.

Tal proteção não é um benefício só ao empresário, mas é corolário lógico do poder de livre iniciativa, fundamento do Estado Democrático de Direito.

Ora, a limitação da responsabilidade, obviamente, incentiva as pessoas a tomarem o risco de empreender, o que reverbera diretamente no desenvolvimento econômico do país.

Sendo assim, a Sociedade Limitada une a limitação da responsabilidade a uma estrutura bem menos complexa do que a da Sociedade Anônima, o que enseja maior facilidade de constituição.

Porém, há que se lembrar que o referido benefício só se mantém incólume diante da licitude da conduta do empreendedor e da observância de regras – algumas, inclusive, comezinhas – que regulamentam o tipo societário.

Um exemplo, que parece até ‘bobo’ mas pode pegar de surpresa os desavisados, é a regra contida no artigo 1.158, §3º do CC/02,a qual determina que se o administrador da empresa utilizar o nome da sociedade (denominação) com a omissão da  expressão
“limitada” ou “LTDA”, assume para si, pessoalmente, a responsabilidade solidária pela obrigação firmada.

Ora, tal conduta simples pode afastar do empreendedor um dos grandes benefícios de se constituir o referido tipo societário.

Além disso, há que se cuidar das condutas para que não incorra em abuso de personalidade (jurídica), representado pela confusão patrimonial (mistura dos patrimônios – aquele famoso hábito de pagar contas pessoais com o cartão da empresa) ou desvio de finalidade (exercer atividade além do objeto social previsto no contrato), o que daria ensejo à desconsideração da personalidade jurídica. Mas isso, é assunto para outro artigo.

Outra vantagem da Sociedade Limitada é a não exigência de capital social mínimo, diferentemente da Eireli. Nesta, o Capital Social mínimo é de 100 salários mínimos, o que, hoje, é cerca de R$ 100.000,00 (cem mil reais).

O que se vê, na prática, é que muitas pessoas iniciam suas atividades econômicas como empreendedor individual, enquadrados como MEI. Porém, ao ganharem corpo e expandirem a atividades transformam suas matrículas de empresário individual em Sociedade Limitada, associando-se a outro (s) empreendedor (es).

É preciso lembrar que o Empresário Individual não tem personalidade jurídica distinta da pessoa física, logo, a responsabilidade é ilimitada, respondendo aquele com todos os seus bens pessoais.

Nesse sentido, a Sociedade Limitada provavelmente será o tipo adequado se você quiser se associar a outra (s) pessoa (s) , e não precisar (ainda) captar recursos no mercado nacional (abertura de capital/venda de ações) e quer se beneficiar da limitação de responsabilidade.

Vale dizer que esse tipo societário não é adequado somente a pequenos negócios familiares.

Hoje, inúmeras multinacionais como Honda, IBM, Toyota e Nestlé optam por constituir suas subsidiárias como Sociedades Limitadas a fim de escapar da obrigatoriedade de publicação de seus balanços (o que é determinado pela lei das Sociedade Anônimas[4]).

Note-se que a escolha do tipo societário vai, inexoravelmente, atrair para a organização um tipo de regulamentação (legislação aplicável), alguns benefícios e outros ônus.

Assim, tal decisão é de extrema importância para o sucesso do negócio e deve ser tomada com os olhos fincados no planejamento jurídico de longo prazo da empresa.

Como constituir a Sociedade Limitada?

 O primeiro passo é planejar estrategicamente o negócio. Qual será a atividade explorada pela empresa? Quanto de capital eu precisarei aportar para exercer as atividades? Quem investirá junto comigo?

A partir de então os pretensos sócios devem alinhar as bases negociais da atividade, o que pode ser feito por meio de um Memorando de Entendimentos.

Essa fase é formada pelo esqueleto do Contrato Social e as principais definições que deverão norteá-lo. É o momento de decidir participação societária, quantia a ser investida do negócio, qual é a função de cada sócio na empresa, as obrigações de viabilização para a constituição dela, etc.

E então partir para elaboração e o registro do Contrato Social, o que efetivamente dará vida à empresa.

Onde registrar a Sociedade Limitada?

O Contrato Social deve ser registrado na Junta Comercial ou no Cartório de Registro de Pessoas Jurídicas.

Então quer dizer que o próprio empreendedor escolhe onde registrar?

Não. Claro que não. A adequação do registro vai depender da natureza jurídica da sociedade.

Sociedades Simples devem ser registradas no Cartório de Registro de Pessoas Jurídicas, Sociedades Empresárias na Junta Comercial.

A forma de organização econômica e a própria atividade escolhida para explorar é que definirão a natureza da sociedade.

Sociedades Simples não possuem elemento de empresa. Exploram atividades de prestação de serviços decorrentes de atividades intelectuais que, em regra, são executados pelos próprios sócios. Ex: Sociedade de médicos, dentistas, pesquisadores, escritores.

Já a sociedade empresária tem como finalidade o exercício de atividade econômica organizada para a produção ou circulação de bens e serviços. O que as diferencia é exatamente o elemento de empresa, ou seja, a estrutura organizacional da atividade que ganha complexidade, deixando de ser tratada como uma atividade desvinculada do mundo empresarial.

Sendo assim, uma sociedade de médicos reunidas em salas comercial, em que eles mesmos atendem os pacientes, organizados de forma mais simples, é considerada sociedade simples. Por sua vez, a mesma sociedade, ao construir uma ampla sede, transformar-se em hospital, contratar mão de obra, terceirizar serviços, etc. torna-se sociedade empresária.

Tal análise deve ser feita caso a caso pelo profissional que lhe assessora, porém, o que se deve ter em mente para o momento é que o registro inadequado da sociedade enseja grandes prejuízos a ela. Afinal, se a sociedade é empresária e por equívoco registra-se no Cartório de Registro de Pessoas Físicas, esta passa a ser considerada irregular.

Sociedades irregulares perdem o benefício da responsabilidade limitada, logo, os sócios respondem pessoalmente pelas dívidas da empresa.

Como definir o Capital Social?

Capital é o dinheiro que se investe – e se mantém investido – para garantir a existência e o funcionamento da sociedade e da empresa, permitindo obtenção de lucro.[5]

Nesse sentido, o Capital Social é o valor inicial exato que a sociedade precisará para organizar suas atividades, de modo que possa realizar o seu objeto.

Tal quantia é originada da transferência de parte do patrimônio dos sócios para o da pessoa jurídica.

Logo, o referido instrumento é fundo originário expresso em moeda corrente e essencial à sociedade, fixado por meio da contribuição dos sócios, a qual pode ser feita em dinheiro ou bens suscetíveis de avaliação pecuniária (art. 997, III, do CC/02).

O Capital Social da sociedade limitada não pode ser integralizado com serviços.

Vale lembrar que Capital Social é único, ainda que ao longo da vida financeira da sociedade sejam feitos vários aportes. É um valor estático que só pode ser modificado mediante a observância das normas legais.

Além disso, os sócios não podem retirar da empresa valores (ativos) em prejuízo do capital. O que isso quer dizer?

Quer dizer que depois de subscrito e integralizado o capital, fica vedada a transferência de bens ou dinheiro do patrimônio da sociedade para os sócios (pessoas físicas) de modo a diminuir a quantia indicada no Contrato Social.

Assim, só vai haver lucro a ser distribuído quando do patrimônio ativo forem subtraídos o patrimônio passivo e o capital social, de modo a alcançar-se o patrimônio líquido.

Porém, contrariando todas as regras contábeis e jurídicas, o que se vê é a conduta indiscriminada de administradores e sócios de atacar o caixa da sociedade sem a escrituração contábil correta[6]e sem garantir a manutenção do capital social, o que caracteriza ato ilícito, com a responsabilização dos agentes. Além de colocar em perigo a existência da sociedade.

Por fim, o valor do Capital Social não pode ser uma ficção. Ele precisa ser real. Deve refletir o que efetivamente os sócios disponibilizaram.

A propósito, os sócios são responsáveis, pelo teor do artigo 1.055, §2º , do Código Civil pela exata estimação dos bens integralizados por um período de cinco anos.

O que se precisa ter em mente é que capital é a quantia investida para gerar sobrevalor. Logo, os sócios têm direito aos dividendos gerados por ele e não a usurpar o capital, enquanto ainda subsiste a sociedade.

Em outro texto, falaremos de forma mais profunda sobre a definição do Capital Social, tema de extrema importância para o bom funcionamento da sociedade e que suscita muitas dúvidas.

Conclusão

Em conclusão, é preciso destacar que há farta legislação aplicável às atividades econômicas. Aos agentes privados está resguardado o espaço entre tudo aquilo que o direito determina e o que ele não proíbe.

A nossa aspiração é para que essa lacuna seja cada vez maior, dando liberdade aos agentes econômicos.

Ao mesmo tempo, há que se lembrar que o modo de produção capitalista é essencialmente jurídico e suas estruturas são fundamentais para dar forma aos mercados e aos liames negociais.

Nessas curtas linhas, você pôde perceber que empreender sem conhecer o ambiente jurídico que você está inserido é como jogar xadrez e ignorar seus movimentos. É não saber que o bispo corre na diagonal, que o peão nunca retrocede e que a Rainha se move para todos os lados.

É ignorar que no Xeque  você sempre estará sob ameaça de captura.

Assim é no jogo. Assim é na vida.

Por isso, dá uma sorte conhecer o seu segmento de atuação, o ambiente jurídico empresarial brasileiro e, sobretudo, estar cercado de profissionais especializados que compreendam o mercado, a regulação e as estruturas jurídicas.

Se você não souber disso, o máximo que fará é mover aleatoriamente as suas peças no tabuleiro, desperdiçando energia, tempo e dinheiro, com uma perfomance abaixo do esperado ou grandes chances de desclassificação.

Por isso, é atual a recomendação de Einstein: “deves compreender as regras do jogo e depois deves jogar melhor do que todo mundo”.

 

[1]Do Xadrez à Cortesia. Dworkin e a teoria do direito contemporânea.

[2]“mudando o que deve ser mudado”

[3]MAMEDE, Gladston. Entenda a Sociedade Limitada e enriqueça com seus sócios.

[4]http://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/483604/noticia.htm?sequence=1, acesso em 26 de maio de 2019.

[5]MAMEDE, Gladston. Entenda a Sociedade Limitada e Enriqueça com seus sócios.

[6]MAMEDE, Gladston. Entenda a Sociedade Limitada e Enriqueça com seus sócios.

 

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