“Como guardião da Constituição, o STF não pode se curvar a interpretações e anseios alheios ao sistema normativo que, indubitavelmente, comprometem a segurança jurídica.”
Anna Graziella Santana Neiva Costa[1]
Mariana Costa Heluy[2]
O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu nesta quinta-feira, em votação apertada (6 votos a 5), que os crimes de lavagem de dinheiro e corrupção quando conexos do caixa dois, devem ser processados no âmbito da Justiça Eleitoral ao invés da Justiça Federal.
A Suprema Corte consolidou entendimento que vinha sendo aplicado no âmbito da Segunda Turma do STF. Em contrapartida, a Primeira Turma ostentava entendimento majoritariamente contrário, o que resultava decisões dispares.
Em voto divergente, o Ministro Luís Roberto Barroso defendeu que os crimes comuns deveriam ser julgados pela Justiça Federal e os delitos eleitorais pela Justiça especializada, sustentando que a última não seria vocacionada para julgamentos criminais, o que não significaria desmerecê-la. No mesmo sentido, o Ministro da Justiça Sérgio Moro ponderou, em rede social que “a Justiça Eleitoral não está preparada para julgar corrupção e outros crimes comuns”.
O Procurador da República, Deltan Dallagnol publicou em rede social: “hoje, começou a se fechar a janela de combate à corrupção política que se abriu há 5 anos, no início da Lava Jato”.
Com todo respeito aos que discordem, a controvérsia travada não pode enveredar para argumentos que transformem a Suprema Corte em uma espécie de “inimigo público da sociedade” por aplicar corretamente os preceitos da Constituição Federal e das normas pertencentes ao ordenamento jurídico brasileiro. Como guardião da Constituição, o STF não pode se curvar a interpretações e anseios alheios ao sistema normativo que, indubitavelmente, comprometem a segurança jurídica.
Não se deve olvidar que precedente adquire valor de lei ou, por vezes, até de regra constitucional. Ademais, decisões que visem prioritariamente aprovação e aplausos de parcela da opinião pública – distanciando-se da legalidade – incorreriam, perigosamente, nos riscos da pós-verdade. O historiador Gregorio Caro Figueroa descreve pós verdade como “a situação na qual, na hora de criar e modelar a opinião pública, os fatos objetivos têm menos influência que os apelos às emoções e às crenças pessoais”.
O desejo e clamor social, ainda que envolvam o combate à corrupção, jamais podem ser o âmago de um debate jurídico. Ora, se a suposta conduta atribuída aos investigados possui inequívoca conotação eleitoral, a fixação da competência deve estar assentada à luz do artigo 109, inciso I, parte final, da Carta Magna, no caso, sujeita à Justiça Eleitoral. Por conseguinte, a forum attractionis dos crimes conexos tem o condão de viabilizar a unidade de processo e julgamento, que deverão, portanto, serem decididos por esse ramo especializado do Poder Judiciário.
O argumento de que não estaria a Justiça Eleitoral preparada para o desafio a rigor não é uma alegação válida. É um sofisma.
Compreender de forma diversa implica afastar a governança judicial da Corte Especializada diante de fatos que atingem diretamente a lisura das eleições, a igualdade dos candidatos, a democracia e, acima de tudo, a soberania popular tutelada no art. 1º, parágrafo único, da Constituição Federal.
Não se está aqui a defender o dito “golpe” ao combate à corrupção. Pelo contrário! É preciso combatê-la dentro dos parâmetros legais e limites constitucionais. Deve-se punir severamente os corruptos e usurpadores da vontade popular. Contudo, qualquer enfrentamento que ocorra fora dos contornos da legalidade, por mais nobre que seja, não fortalece a democracia, como bradam alguns “salvadores da pátria”.
[1] Advogada, Pós-Graduada em Direito Constitucional e em Ciência Jurídico-Políticas; MBA em Direito Tributário. Mestranda em Ciências Jurídico-Políticas. E-mail: annagraziellasnc@hotmail.com
[2] Advogada com especialização em Gestão do Transporte Marítimo e Portos. E-mail: mcheluy@gmail.com