Por Sergio Tamer, professor e advogado, presidente do Centro de Estudos Constitucionais e de Gestão Pública – CECGP
Em matéria ambiental estamos acostumados a colocar sempre a culpa nos outros, apontando o dedo para países poluidores e devastadores, e com essa prática política tentamos encobrir a inação de ministérios e órgãos públicos diante de ações criminosas que a cada mês destroem sobretudo o meio ambiente amazônico. Não fazemos o que nos compete fazer e ainda justificamos a omissão com o erro dos outros. A realização da COP 30, em Belém do Pará, no mês de novembro, se constitui na 30ª edição da Conferência das Partes, reunião de países signatários da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (UNFCCC), e tem como objetivo discutir questões relacionadas ao aquecimento global e às mudanças climáticas. Curiosamente, o evento será sediado na capital do Estado que mais tem violado o dever de preservar a floresta amazônica e seu bioma.
A Constituição Federal impõe o dever de agir às autoridades constituídas, de que é exemplo o artigo 225, ao garantir que “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida”, e que determina, também, “ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”. E ao tratar especificamente sobre a Amazônia brasileira, em seu parágrafo 4º, dispõe que “A floresta Amazônica é patrimônio nacional, e sua utilização far-se-á, na forma da lei, dentro das condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais.”
A violação às claras do preceito Constitucional não pode ser passivamente tolerada, pois o seu mandamento está acima das paixões políticas e partidárias e a sua obediência é devida por todo e qualquer governo, jamais ficando subordinada à discricionariedade dos Poderes Públicos. A ordem constitucional fragiliza-se pela falta de efetividade das suas normas, especialmente no que toca ao meio ambiente como direito fundamental. O flagrante e deliberado descumprimento da lei e da ordem ambiental, pela ineficácia das políticas públicas de controle, requer uma tomada de posição por parte da classe política e dos poderes constituídos da República. Basta lembrar que o Alto Comissariado das Nações Unidas sobre Direitos Humanos considera o meio ambiente um dos seis temas transversais de direitos humanos, ao lado da dignidade, justiça, desenvolvimento, cultura, gênero e participação.
O Judiciário brasileiro já reafirmou o direito à integridade do meio ambiente como direito humano fundamental, e sendo assim há uma prerrogativa de titularidade jurídica coletiva, atribuído à própria coletividade social. Nesse rumo, o desenvolvimento do Brasil passa pela preservação e pelo desenvolvimento da Amazônia e das demais áreas primordiais para o nosso equilíbrio ecológico, ou seja, pela implantação de um modelo de desenvolvimento econômico que respeite e preserve o meio ambiente conforme os ditames constitucionais. Há muitos caminhos para o progresso e o bem-estar da Região, privilegiando-se os recursos tecnológicos e científicos mais avançados, mediante o equilíbrio ambiental. A bioprospecção e a bioindústria, apoiada em recursos genéticos regionais, a inovação tecnológica e a exploração científica, devem ser alguns desses caminhos para a riqueza e o desenvolvimento sustentável.
Sustentabilidade ambiental e democracia estão intimamente associadas. Mas todos nós estamos vivenciando um momento em que as democracias, no mundo, experimentaram uma queda no seu nível de qualidade o que chegou a ser considerado como uma espécie de “recessão democrática”. Todavia, os graus de profundidade ou amplitude em que a participação, a representatividade e a transparência se apresentam em um sistema político é que vão definir os cambiantes níveis democráticos. Esses níveis ou modelos de democracia, por vezes, se sobrepõem e coexistem em diferentes graus em uma sociedade. E cada nível oferece uma forma distinta de participação e enfatiza diferentes valores democráticos. Daí se dizer que uma democracia plena não pode prescindir da participação ativa dos cidadãos, da transparência do governo e da proteção dos direitos humanos, do qual o meio ambiente é parte integrante. Sob esse ângulo, uma participação popular ativa deve ser estimulada, como a participação cidadã em assuntos públicos voltados para a questão ambiental. Há vários exemplos nesse sentido, como as consultas públicas, a formação de conselhos comunitários, audiências, e outras formas de engajamento social, permitindo que a população participe das decisões que afetam suas vidas.
Mas a garantia de um nível elevado de democracia precisa ter por base uma população com cultura política cívica e cidadã, caso contrário esses valores são facilmente vilipendiados e manipulados por governos autoritários e populistas. E um passo importante para adquirir-se essa cultura política é a inclusão social, mediante oportunidades iguais a todos os cidadãos, para que os seus direitos sejam exercidos em sua plenitude, condição, porém, que lamentavelmente ainda estamos em déficit constitucional.
Por ora, esperemos que estudiosos e pesquisadores do campo do conhecimento socioambiental e democrático possam destacar mais as nossas responsabilidades, especialmente sobre o que pode e deve ser feito por nós, no Brasil e, especialmente nos Estados que integram a Amazônia, o Maranhão incluído, para melhorar as condições climáticas do Planeta.