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MAIO
UMA PANDEMIA NO CAMINHO DO PRIMEIRO DE MAIO...
Por Sergio Victor Tamer [2]
EMPREGO
Cuidemos primeiro do direito ao trabalho para depois pensarmos melhor o direito do trabalho...
As grandes transformações econômicas e
tecnológicas pelas quais têm passado as nações desenvolvidas e em
desenvolvimento, especialmente agora com a pandemia da Covid19, vêm causando
abalos profundos na natureza dos empregos e, em consequência, nas relações
trabalhistas. A velha dicotomia entre capital e trabalho tende a desaparecer, dando
lugar à luta dos excluídos pelo acesso ao
trabalho, pelo Direito ao Trabalho.
O número de desempregados e de
subempregados avança velozmente, enquanto aqueles que pela primeira vez se
apresentam ao mercado de trabalho encontram, pela frente, um mundo entrelaçado
e cada vez mais instantâneo como resultado de fantástica revolução tecnológica.
Funções são suprimidas, profissões desaparecem e outras surgem, a fragmentação
social torna-se uma realidade, tudo em decorrência dessas mudanças.
A revolução tecnológica que ainda
está em curso trouxe mudanças profundas nas relações trabalhistas. As nações
que se prepararam para o momento atual estão conseguindo atravessar, mais ou
menos incólumes, as adversidades que agitam o mercado de trabalho.
Com visão premonitória, SINZHEIMER[3], em estudo de 1933, já havia ressaltado que o
Direito do Trabalho não pode ter uma
existência isolada, pois se nutre da economia. Nesse sentido, todo o seu
conteúdo depende de uma economia que assegure condições de vida ao trabalhador.
A nova realidade impôs a muitas empresas a
adoção de processos de reestruturação, mediante módulos de organização e
produção menos rígido. A flexibilização das normas trabalhistas passou a ser
objeto da atenção de sindicatos de trabalhadores nos países industrializados,
como estratégia negocial. Em alguns casos, as relações industriais teriam
assumido a forma híbrida de flexibilidade regulamentada.
De qualquer forma, com flexibilização regulada ou
não, tem o Direito do Trabalho o destino inexorável de
igualmente transformar-se e, assim, sugerir medidas que possam atenuar os
efeitos da crise transitória provocada por essa indomável revolução
tecnológica, que nos leva, a passos largos, para a fase econômica chamada de
sociedade pós-industrial. E é dentro desse enfoque que vamos analisar alguns
aspectos da indispensável flexibilização das estruturas do Direito do Trabalho
que deve, o quanto antes, abandonar as anacrônicas soluções da época em que a
sociedade ainda vivia os primórdios da revolução industrial.[4]
Mas a promoção e efetivação do direito ao
trabalho implicam no auxílio à compensação das desigualdades sociais, no
exercício da liberdade e da igualdade reais e efetivas e, por consequência, na
fruição da vida digna. Por isso, não basta reconhecer ao trabalho o valor de
direito fundamental, é preciso torná-lo viável. No
Brasil estão indissociáveis, e se situam dentre os fundamentos da República, “os
valores sociais do trabalho e da livre iniciativa” (CF, art. 1º, IV). No
capítulo da ordem econômica, seu elemento estruturante está “na valorização do
trabalho e da livre iniciativa” (CF, art. 170, caput), da mesma
maneira que no capítulo destinado à ordem social a Constituição ressalta,
dentre os seus fundamentos, o “primado do trabalho” (CF, art. 193).
Nesse contexto, e em breve síntese, mas ainda sem termos levado em conta a possível extensão e profundidade
da pandemia da Covid19 nas relações de emprego, o que só virá agravar ainda
mais o quadro que será aqui exposto, vamos
analisar as principais políticas públicas hoje existentes na área do direito ao trabalho, uma vez que a sua
sistematização, eficácia e abrangência é condição necessária para a satisfação
desse direito fundamental...
Mas, de que trabalho
nos referimos?
(1) O diretor-geral da OIT, Guy Ryder[5], disse que o centenário (2019) “é um momento para
refletir sobre o propósito” da OIT e “sobre o rumo para o futuro”, porém desde logo
constata que “o mundo do trabalho passa por uma mudança transformadora sem
precedentes”, que “traz oportunidades para muitos e para outros gera um
sentimento profundo de instabilidade, ansiedade e até medo.”
(2) Uma das funções principais do Estado é garantir
aos cidadãos seus direitos fundamentais, valores que foram sidos paulatinamente
conquistados pela humanidade e historicamente registrados nas constituições
democráticas.[6] Por tanto, impedir a quebra do sistema
financeiro e adotar medidas que protejam a atividade económica e, em sentido
mais amplo, a preservação da própria organização social democrática, justificam
as medidas intervencionistas, ainda que sejam excepcionais.[7]
(3) No começo, com o avanço da tecnologia, parecia que
apenas o setor industrial seria atingido pela substituição da mão de obra
humana por máquinas e robôs. No entanto, avanços recentes mostram que
profissionais de escritórios também estão sob ameaça. Daí a pergunta: o futuro
será de trabalho sem emprego?[8]
(4) O Fórum Econômico Mundial no relatório “Futuro do Trabalho”, publicado
em 2016,[9] diz que a “Quarta Revolução Industrial” deve
implicar na perda de mais de 5 milhões de empregos em até cinco anos.
As mudanças,
segundo o documento, vão chegar na corrente da robótica avançada, transporte
autônomo, inteligência artificial, aprendizagem automática, além do
desenvolvimento acelerado da biotecnologia.
Por outro
lado, o cenário tecnológico dá força para áreas como computação, matemática,
arquitetura e engenharia, onde haverá um ganho de 2 milhões de empregos.
(5) A vida de empregos temporários, freelancers e
“bicos” não são mais um traço passageiro das economias, tampouco uma expressão
particular de suas crises. As ocupações instáveis e flexíveis, segundo
estudiosos, já formam o novo rosto do mercado de trabalho.
Se novas
maneiras de ganhar a vida estão se sobrepondo, algo está, obrigatoriamente,
morrendo. Para o economista britânico Guy Standing,[10] o colapso acontece com a forma de emprego
clássica.
As mudanças
estruturais no mercado de trabalho, atreladas à globalização e à revolução
tecnológica, constroem um novo grupo social e econômico, o PRECARIADO. [11]
(6) O economista
Octavio de Barros[12] explica que esta extinção da ocupação
“clássica” cria espaços para o aumento do precariado. “O trabalho se torna cada
vez mais ‘on demand’ [sob demanda].”
Se o
envelhecimento da população está afetando o mercado de trabalho, o contrário
também acontece: as novas tecnologias, economia disruptiva e a Quarta
Revolução Industrial estão conferindo uma cara velha ao emprego
tradicional.
Mais e mais
empregos vão ser eletrônicos, ultrapassando qualquer relação trabalhista
envolvendo empregador-empregado.
Sem vínculos
duradouros com o empregador, as ocupações flexíveis mudam a relação tradicional
capital x trabalho.
(7) Quem é o precariado? Para Standing[13], o precariado está dividido em três grupos: (a) – a geração que saiu da classe trabalhadora típica do capitalismo industrial; (b) – etnias minoritárias e imigrantes que se sentem desligados da sociedade convencional; e, (c) – jovens qualificados que não estão satisfeitos com o mercado de trabalho.
(8) Observamos,
por outro lado, que a Educação está unida à criatividade e, sendo assim, só
sobreviverão, no médio e longo prazo, os empregos que dependam de criatividade,
inteligência emocional e habilidades sociais. O ensino tradicional deve mudar
rapidamente. O profissional deverá colecionar habilidades ao invés de
credenciais. Um pequeno exemplo de nossa defasagem: no Brasil, 8% dos jovens
fazem formação técnica[14] em quanto que nos países emergentes bem
sucedidos, acima de 50% dos jovens.
(9) As grandes transformações econômicas e tecnológicas
pelas quais têm passado as nações desenvolvidas e em desenvolvimento vêm
causando, dessa forma, abalos profundos na natureza dos empregos e, em
consequência, nas relações trabalhistas. A velha dicotomia entre capital e
trabalho tende a desaparecer, dando lugar à luta dos excluídos pelo acesso ao
trabalho, pelo Direito ao Trabalho.
O número de
desempregados e de subempregados avança velozmente, enquanto aqueles que pela
primeira vez se apresentam ao mercado de trabalho encontram, pela frente, um
mundo entrelaçado e cada vez mais instantâneo como resultado dessa inevitável
revolução tecnológica.
Funções são
suprimidas, profissões desaparecem e outras surgem, a fragmentação social
torna-se uma realidade, tudo em decorrência dessas mudanças. A revolução
tecnológica – que está em curso há várias décadas e tende a se aprofundar –
trouxe, de forma inexorável, mudanças profundas nas relações trabalhistas.
(10) A
flexibilização, nesse contexto, tem o propósito de alargar as condições de
empregabilidade para que o sistema, tão fortemente golpeado pelas mudanças
econômicas deste início de século, sobretudo pelas baixas taxas de crescimento
econômico, possa garantir níveis de emprego compatíveis com a crescente e
contínua demanda mundial.
(11) Do trabalho semi-escravo dos primórdios da revolução
industrial até aos direitos sociais que, em tese, o trabalhador de hoje dispõe,
uma longa história foi escrita, com destaque para a primeira fase dos
movimentos sindicais.[15] Contudo, repita-se que o direito do trabalho
nutre-se da economia, por isso registra, sem cessar, como um termômetro
sensível, os seus tremores e oscilações, sendo, portanto, dela dependente e com
ela interagindo.
(12) A escassez do
emprego tradicional, assim, não significará o fim do trabalho, como pregam
alguns alarmistas, mas, antes, uma profunda mudança na sua dinâmica. Alguns
trabalhadores arriscam-se, desde agora, lançando-se no mar das incertezas;
outros serão mais tarde compelidos pelos fatos, mas no futuro será inevitável a
completa transformação do trabalho, da forma como o temos hoje, subordinado, competitivo,
tutelado e fatigante – para um novo modelo de labor produtivo, com tempo, quem
sabe, para o estudo e o lazer.
(13) A tutela do
Estado, nesse campo, não pode frear a marcha inexorável da nova economia e nem
banir, definitivamente, do mercado, milhares de trabalhadores, sob o pretexto,
paradoxalmente, de protegê-los. Mas muito poderá fazer pelos trabalhadores
desempregados e pelos que ainda lutam para ingressar no mercado...
O que não se
pode perder de vista dentro desse torvelinho originado pela nova economia é que
a democracia, para que exista plenamente, tem que ir de mãos dadas com vários
companheiros de viagem, entre os quais, como nos mostra ROBERT DAHAL[16], estão a cultura política, o desenvolvimento
econômico e a modernização social.
[2] *SERGIO
VICTOR TAMER, é presidente do CECGP – Centro de Estudos Constitucionais e de
Gestão Pública; Mestre em Direito Público pela UFPe e doutor em Direito
Constitucional pela Universidade de Salamanca. É autor, dentre outras
publicações, do livro Fundamentos do Estado Democrático e a Hipertrofia do
Executivo no Brasil (Fabris Editor, RS, 2002); Atos Políticos e Direitos
Sociais nas Democracias (Fabris Editor, RS, 2005); Legitimidad Judicial en la
Garantía de los Derechos Sociales (Editora Ratio Legis, ES, 2014).
__________________________________________________________
[3] SINZHEIMER,
Hugo: Crisis Económica y Derecho del Trabajo apud ARION
SAYÃO ROMITA in Globalização da Economia e Direito do Trabalho, São
Paulo, edit. LTr, 1997 , p. 53
[4] TAMER,
Sérgio Victor. O trabalho e a tutela do Estado: por que a
flexibilização atemoriza? Jornal Trabalhista Consulex , v. 20,
n. 976, p. 5–9, jul., 2003, ISSN 1519-8065.
[5] Em: https://www.ilo.org/brasilia/noticias/WCMS_571065/lang–pt/index.htm
As
comemorações do centenário da OIT ganharam uma dimensão muito significativa na
Conferência Internacional do Trabalho (CIT) de 2015. O diretor-geral da OIT,
Guy Ryder, apresentou o seu relatório «O futuro do trabalho – Iniciativa do
Centenário», que antecipou a
comemoração
dos 100 anos da Organização. Ver também em: https://www.ilo.org/lisbon/temas/WCMS_650832/lang–pt/index.htm
[6] Art.
6º da Constituição Federal: São direitos sociais a educação, a saúde, a
alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a
previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos
desamparados, na forma desta Constituição.
art.
1º, IV, CF – um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito; art. 6º
– um direito fundamental a prestações; art. 170, caput – um fundamento da
ordem econômica; art. 193 – e base da ordem social.
[7] Ver,
entre outros, Teoria do Estado Contemporâneo, organização de PAULO FERREIRA DA
CUNHA, Lisboa/São Paulo, Editorial Verbo, 2003.
[8] Vide,
nesse sentido, a obra de DOMENICO DE MASI – O Ócio Criativo.
[10] STANDING,
Guy. O PRECARIADO: A NOVA CLASSE PERIGOSA – título original: The Precariat: The
New Dangerous Class. ISBN: 978-85-821-7245-2. 1ª edição, 2013, trad. Cristina
Antunes;
[11] (O
conceito sociológico de precariado surgiu na década de 80, na Itália,
a partir do movimento social autonomista). Para outros, foi Guy Standing,
economista da Universidade de Londres, quem cunhou o termo precariado, uma
combinação do adjetivo “precário” e do substantivo “proletariado”, que
identifica uma classe emergente em todo o mundo, composta por pessoas que levam
uma vida de insegurança, sem empregos permanentes, garantias trabalhistas,
normalmente fazendo trabalhos que não garantem dignidade ou satisfação pessoal.
[12] Octávio
de Barros, Fábio Giambiagi (et al.). Brasil Globalizado: o Brasil em um mundo
surpreendente. Rio, edit. Elsevier, 2008, ISBN 978-85-352-2838-0.
[13] STANDING, Guy. EL PRECARIADO. ES, Editorial
Pasado y Presente, 2013, ISBN-13: 978-84-941-0081-9.
[14] A
formação profissional dos brasileiros é especialmente deficiente. Um exemplo: a
empresa Atento, que opera redes de call centers e
telemarketing e se apresenta como a maior empregadora do país, recentemente
anunciou 1.200 vagas na bolsa de empregos de São Paulo. Apresentaram-se 600
interessados, e apenas sete vagas foram preenchidas. A rede de supermercados
Pão de Açúcar também ofereceu 2 mil empregos: 700 pessoas pareciam ser
adequadas para vagas, mas somente 32 postos foram ocupados até agora.
Segundo
Ricardo Patah, presidente da União Geral do Trabalhadores (UGT), o motivo para
tantas vagas abertas em meio ao alto desemprego é a falta de candidatos que
dominem as operações aritméticas básicas, saibam se expressar e possuam
conhecimentos mínimos de informática que lhes permitam trabalhar no caixa ou
operar um PC com monitor.
[15] Veja,
em anexo, resumo histórico e quadro evolutivo do trabalho e do mundo do
trabalho, em periodização feita pelo professor catalão DOMÈNECH, Carlos Hugo
Preciado.
[16] DAHL, Robert. La democracia – una
guía para los ciudadanos. Madrid, Santillana de Ediciones, 1999.
________La poliarquía
– participación y oposición. Madrid, editorial Tecnos, 2ª edición,
2002.