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VICTOR TAMER: 110º ANIVERSÁRIO DE NASCIMENTO DO CRONISTA PARAENSE AUTOR DE “CHÃO CAMETAENSE”…

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Dez anos após a celebração do seu centenário de nascimento, ocorrido na Academia Paraense de Letras em 2012, o 31 de agosto é relembrado pelo texto de seu filho Sergio Victor Tamer.

 

Desde quando cheguei a São Luís, em 1975, passei a receber com invariável frequência os artigos que meu pai publicava na imprensa do Pará, em especial no antigo jornal A Província. A Folha do Norte, do jornalista Paulo Maranhão, onde meu pai também escrevia, há muito já havia deixado de circular. Por meio de seus escritos mantinha avivados meus laços culturais com o estado de meu nascimento, da minha infância e juventude. E com meu pai, a pretexto de trocar impressões sobre os assuntos enfocados, tinha a oportunidade de manter contato regularmente e assim estreitar ainda mais os vínculos familiares. Colecionei todos eles nessa faina aprazível e sentimental e agora, por ocasião do seu centenário de nascimento (2012), entrego à Academia Paraense de Letras, por incentivo de seu ilustre presidente, Alcyr Meira, esses escritos de Victor Tamer sob a forma de livro, intitulado “Crônicas e Memórias”. Meu filho, Sergio Martins, e meu sobrinho, Leandro, muito me ajudaram nessa tarefa.

      As crônicas foram distribuídas em cinco capítulos, inseridas na parte II do livro, tendo se reservado a parte primeira para a reedição de “Chão Cametaense”, acrescido que foi de dois de seus ensaios –  “A Cabanagem em Cametá” e “Cametá e sua História”. Em que pese o volume de informações, nomes e datas pesquisados, a exposição do tema, em estilo claro e elegante, faz de sua leitura uma tarefa extremamente prazerosa. Proferidas, respectivamente, no Centro de Cultura de Cametá e no Instituto Histórico e Geográfico do Pará, as exposições se completam e formam um só texto, ligadas que estão pelo mesmo liame histórico que uniu definitivamente a cidade de Cametá à própria história do Pará.

      Para Victor, ele próprio um memorialista diletante,

“É olhando para trás que podemos melhor conhecer o caminho do futuro. E povo que não tem passado é povo sem tradição. Porque sem patrimônio histórico, o povo é apenas um povo que não viveu!”

      Quando nasci, em 1950, meu pai, que é de 31 de agosto de 1912, já contava com 38 anos, era formado em odontologia desde 1933, e dispunha de movimentado consultório, na Rua Manuel Barata, local onde fez construir, em 1946, na esquina da Rua Frutuoso Guimarães, o Edifício Tamer, projetado pelo arquiteto Feliciano Seixas. Essa diferença na idade entre pai e filho, incomum naquela época e que poderia causar certo distanciamento no convívio, não foi capaz, contudo, de diminuir os laços afetivos que mantive com ele até o seu falecimento, em três de abril de 2003, quando ele tinha 91 anos de idade. A sua longevidade foi como que uma divina compensação à diferença de idade que nos separava.

      Posso afirmar que nem as enfermidades que se lhe acometeram nos seus últimos anos nem tampouco a idade já avançada foi capaz de lhe retirar do espírito o seu acendrado amor pela vida, pelas recordações da infância venturosa vivida em seu inseparável torrão natal, ainda que deixasse transparecer, algumas vezes de forma fundamente sentida, a sua dolente saudade pelo tempo que passou. Em uma trova deixada entre seus escritos, anotamos:

Recordar a meninice

Quanto me alegra o passado;

Consolo para a velhice

Na saudade mergulhado.

 

       Mas seus textos são, também, um libelo permanente de exaltação da sua fé na inventividade do homem e no progresso social, e sua maneira peculiar de narrar os fatos, muitas vezes com fina ironia e quase sempre com uma verve inusitada, transmite ao leitor uma agradável sensação de intimidade com o assunto discorrido.

       Ao selecionarmos sua produção literária – do final dos anos 70 até o ano 2002 – para incluirmo-la neste livro de Crônicas e Memórias, observamos também que Victor Tamer mescla o relato de fatos políticos, sociais e filosóficos – com as memórias de sua vida, as quais estão sempre relacionadas a eventos que assistiu ou dos quais tomou parte. Dessa mistura saborosa de cronista e memorialista surge uma autobiografia carregada de inspiração, um poema em prosa que nos leva a viajar pelas águas do Tocantins em busca do universo fascinante de sua Cametá de outrora.

       “Seus artigos nos jornais” – disse certa vez Alberto Mocbel – “quase sempre falam de sua terra e de seus conterrâneos, ora rememorando acontecimentos importantes, ora fatos pitorescos, porém sempre com aquela maestria que lhe é tão peculiar, que agrada do princípio ao fim.”

       Mas em sentido inverso, vamos acompanhar a chegada a Belém daquele menino de oito anos de idade que, trazido pelo pai, o comerciante libanês Armindo Tamer, veio passar, em 1920, a sua primeira festa de Nazaré. Em seu minucioso e conciso relato, evoca as impressões havidas com o nascente progresso de uma Capital, nos albores dos anos 20, que iria lhe conquistar para sempre.

      Victor Tamer nos deixou um olhar especial sobre a vida de seu tempo e guardou, em suas crônicas e escritos, com apreciado estilo literário e talento historiográfico, as vivências e andanças imorredouras pelo cotidiano de Cametá e de Belém.

      O cronista procurou viver uma vida plena de emoção. A sua emotividade, porém, se deixava transmudar em um semblante sereno e cativante. Quando completou 90 anos de idade, em solenidade promovida pela Academia Paraense de Letras, Victor confessou, comovido, que tudo nele evidenciava “uma saudade estática”, para em seguida completar: “Mas porque chorar o tempo que passou, se a vida renasce em outros corações como na linda canção de Charles Chaplin?”.

      O escritor cametaense foi um homem feliz na sua simplicidade, na sua modéstia e no seu comedimento. Alonso Rocha a ele se referiu como o “amigo leal, terno, confiável, apaziguador, cuja ‘finesse’ inundava de paz qualquer ambiente onde fosse ouvida a sua palavra, sempre revestida de sabedoria e refinado humor.”

       Assim, na celebração do seu centenário de nascimento, reler as palavras escritas por Victor é fazer um brinde a sua inteligência vivaz, a sua cultura esmerada e, sobretudo, à sua profissão de fé na razão e na elevação do espírito humano.

       Leonan Cruz, outro amigo de convívio acadêmico e também de inesquecível memória, declamou em versos sua homenagem a Victor Tamer por ocasião da comemoração dos seus 90 anos, aqui na Academia. Ao encerrar sua oração, quase em tom premonitório, arrematou:

 “O futuro eu não adivinho, / mas em outro aniversário, / pretendo brindar com vinho / a festa do centenário.”

      Alonso, Leonan, Victor e tantos outros amigos que deixaram o nosso convívio, por certo brindarão essa festa do seu centenário pelo milagre do renascimento da vida em outros corações.

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PS. SERGIO TAMER leu este artigo por ocasião das celebrações do Centenário de nascimento do seu pai, Victor Tamer, na Academia Paraense de Letras, em 31 de agosto de 2012.

 

 

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