Professora Doutora Maria Esther Martinez Quinteiro
Professora Catedrática das Universidades de Salamanca e Portucalense
Anotações da conferência proferida em 23 de maio de 2019, pela Professora Esther Quinteiro na Escola Superior do Ministério Público, feitas pela Juíza de Direito Mirella Cezar Freitas, Titular da 2ª Vara da Comarca de Itapecuru:
- Conceito de gênero e de violência de gênero:
O conceito de gênero começou a ser definido a partir de 1959, com a publicação da obra “O Segundo Sexo” de Simone de Beauvoir que dissociou o gênero da condição biológica aduzindo que “não se nasce mulher, torna-se”.
Já nos anos 70, durante a segunda onda do Movimento Feminista, tal conceito passou a conter um discurso político e filosófico.
Já a violência de gênero se caracteriza pela conduta praticada em face da mulher pelo fato de ser mulher.
Não se pode confundir a violência de gênero com a violência doméstica, nem com a violência intrafamiliar (a Lei Maria da Penha não faz distinção entre VG e VD, contrariando os estudos mais recentes e a própria Convenção de Belém).
Não existe violência de gênero contra homem simplesmente pq ele jamais será atacado pelo fato de ser homem ou por alguém achá-lo inferior.
Precisamos de um tipo penal mais grave para a violência de gênero pois trata-se de um delito particular que atinge não apenas a integridade física da mulher mas também toda a noção de igualdade.
- Origem e causas
Teoria Biológica: a violência é inerente ao ser humano que é naturalmente agressivo. Não procede, pois os homens não andam se atacando em todos os lugares e a todos.
Teoria Psiquiátrica: todo violento de gênero é doente mental (não procede pois caso contrário não escolheria só as mulheres).
PS: o alcoolismo pode potencializar ou aflorar a violência de gênero, mas não é a causa de fundo.
Teoria Social: o agressor advém de família pobre e desestruturada (não procede, sendo uma forma classista de tratar a questão de gênero).
Teoria Psicossocial: coloca a mulher como corresponsável pela violência sofrida (reforça ideias machistas, inclusive das mulheres).
Teoria da Aprendizagem: os agressores são filhos de agressores que apenas reproduzem o comportamento (não procede pq nem todo homem criado num contexto de violência se torna violento).
Teoria dos Recursos: a violência é um recurso para dominação da mulher, é um instrumento para o exercício do poder masculino e a morte é decorrente da frustração pela não dominação, uma vingança pela perda do controle.
Teoria de Gênero: o fundo é a desigualdade em razão da concepção do homem se achar superior. O homem fica violento pq “a mulher não obedece”.
Teoria Ecológica: um ato de violência de gênero pode conter razões múltiplas, traz um conjunto de causas cujo pano de fundo é a desigualdade.
- Ferramentas para combater a violência de gênero.
Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão.
1969- Declaração para eliminação da discriminação entre homens e mulheres (tratou de questões como: prostituiçao e casamentos forçados e outras condutas discriminatórias que mitigam a igualdade).
1975- Ano Internacional da Mulher
1979- CEDAW
1989- Convenção dos Direitos das Crianças (tratou em especial das práticas nocivas contra meninas)
1993- Convenção de Viena- os direitos das mulheres são direitos humanos e os Estados tem que lutar contra a violência de gênero por afrontar os direitos humanos.
1995- Plataforma de Pequim
2010/2012- ONU Mulheres (com finalidade de promover a igualdade de gênero para por fim à violência de gênero)
- Ferramentas do Direito Europeu para combater a violência de gênero.
Desde os anos 50, homens e mulheres são iguais formalmente.
O ano de 1999 foi o ano europeu de luta contra a violência doméstica.
A Convenção de Istambul definiu o que seria violência de gênero como sendo uma conduta que implica em sofrimento físico, sexual, psicólogo, mutilação forçada, assédio sexual, matrimônio forcado. Trouxe políticas para combater as formas de violência.
Em 1994 foi realizada a Convenção de Belém do Pará, na qual foram conceituadas a violência e suas formas.
Em 2004 foi editada lei da proteção integral que protege a mulher perante os companheiros sentimentais.
No ano de 2007, passou a ser combatida a violência de gênero também em marco laboral, fora do ambiente familiar .
5. Cifras da Violência de Gênero pelo mundo e na América Latina.
Existem 195 países, estando na ONU 193, apesar disso em muitos deles não há estatísticas e estudos que trazem os dados de violência de gênero e violência doméstica.
Destes, 107 países têm leis que combatem a violência doméstica.
Apenas 56 distinguem a violência doméstica contra homem ou mulher.
Segundo dados da OMS de 2005, são 850.000 mortes por ano em decorrência da violência doméstica no mundo.
Conforme dados de 2013, 1/3 das mulheres de mais de 16 anos sofreram violência física ao menos uma vez.
Já os dados de 2017, 1/3 das mulheres sofrem violência física ou sexual. A fração de 1/3 sofrem violência psicológica.
Sofrem assédio 55% das mulheres europeias. Já 5% já sofreram violência sexual.
Já na América Latina, 24 dos 33 países têm leis de combate à violência doméstica e 3.000 mulheres são mortas por ano.
- Cifras Brasil e Espanha
O Brasil tem os maiores índices de violência de gênero no mundo. No ano de 2015, são 956 mortes por ano.
Pelo Monitor da Violência, são 4.000 mortes de mulheres por ano (não apenas em relação a VG). O Brasil mata mais que a média mundial.
Constata-se que a política pública de combate à violência de gênero não é prioridade .
Já na Espanha, em 2018, foram 47 mulheres assassinadas (considerando a população do país o índice é alarmante).
O número de denúncias foi de 166.961 por VG. Foram condenados mais de 35.000 réus e absolvidos 15.000.
Foram requeridas 45000 medidas protetivas, das quais foram deferidas 31.500.
- Incidência da conjuntura política na violência de gênero.
Na Espanha, os partidos da Direita, tradicional e moderno reproduziam o discurso de combate à violência de gênero. O país tem muitas pessoas declaradas feministas.
Contudo, com a polarização da política, e a vitória do socialista oportunista Pedro Sanchez, do PODEMOS, a política assume um programa feminista com a consequente identificação como uma “causa de esquerda”.
Desta forma, a Direita fundamentalista toma a violência de gênero como um ataque político e passa a legitimar um discurso violento.
No Brasil, em 2018, fortaleceu-se um cenário de colisão de forças antipetistas que venceu o pleito.
O “lado vencedor” passou a atacar em seu programa de governo a “ideologia de gênero” e com isso, desqualificou o discurso ou normativa pela igualdade de gênero e enfraqueceu políticas de combate à violência de gênero, com base em conceitos machistas e ideais religiosos.
- E como o MP deve proceder?
Aplicando o ordenamento jurídico de forma ampliada, trazendo o real sentido dos tratados internacionais de Direitos Humanos de forma efetiva a ordem constitucional, fazendo assim um controle de convencionalidade.
A prática da VG não pode ser tolerada pois representa afronta aos Direitos Humanos cujos tratados ratificados integram o ordenamento jurídico pátrio.