CECGP

CENTRO DE ESTUDOS CONSTITUCIONAIS E DE GESTÃO PÚBLICA

CECGP articula suas tarefas de pesquisa em torno de Programas de Pesquisa em que se integram pesquisadores, pós-doutores provenientes de diferentes países.

O AUTORITARISMO SEM MÁSCARAS, por José Cláudio Pavão Santana

máscara_tirando-a-máscara2

Não sou velho. Envelheci sem ficar velho. Consigo fazer planos, me indignar com injustiças, sustentar pontos de vista. Estou vivo. Estou em paz. E porque preciso dizer isto? Bom, por vários motivos…

Um deles é que nunca me conformei com a acomodação de de dizer: “Isto é assim mesmo”, ou, então, “isso não vai dar em nada”. Sempre as coisas podem mudar e elas sempre terão consequências.

Minha geração elegeu ídolos que pensávamos (só os que não conseguiram evoluir não se convenceram ainda) fossem os arautos da liberdade. Os únicos defensores da justiça com propósitos verdadeiros.

O tempo passou, algumas coisas mudaram, muitas, significativamente para melhor, mas nossos heróis foram presos. Uma constatação triste: presos na ditadura e na democracia. Doeu!

Fomos ficando idosos (os adolescentes que deram certo?!) e os estudos do Direito nos conduziram ao cotidiano com vozes como: “Não há justiça sem advocacia”, “Não há democracia sem justiça”. Foram tantas frases enfáticas que nós esperamos que traduzissem nossas esperanças.

Eis que ganha corpo no ocidente um tal neoconstitucionalismo (não falarei em juridiquês) que se propôs a substituir a dogmática positivista, como uma joia preciosa que privilegiaria os princípios sobre as regras, porque purificar o Direito seria retirar-lhe o conteúdo ético. Direito sem ética não existe, bradaram os mais entusiastas. Eu me impressionei durante algum tempo, mas o próprio tempo (esse Tic-Tac ininterrupto) me fez constatar que a embalagem deslumbra, mas o conteúdo assusta. Não é um presente. Não passa de um passado. Já vimos isto no Reich.

O tempo hoje de incertezas tornou-se mais inseguro precisamente porque os estudiosos do Direito (ou nem tão estudiosos assim) concentram suas tarefas em ditar regras, cuspindo fogo como se o Direito ganhasse uma nova percepção tridimensional, não por inspiração do Mestre Miguel Reale, mas pela tosca idealização de que há um Direito bidimensional aplicado a eles, que só se torna tridimensional quando passa ao largo do “nosso” Direito.

REPORT THIS AD

Traduzindo: o Direito que rege os comuns não é o mesmo que rege algumas poucas pessoas. É a tradução do “Aos amigos a lei, aos inimigos o rigor da lei”, e eu completaria: “mesmo sem lei”.

A pandemia jurídica que se vive no Brasil, há tempos disfarçada de neoconstitucionalismo, não passa de um “eumismo”, uma teratológica construção de força (isto nunca foi Direito) que se veste de “noiva principiológica” mas se revela como “marido autoritário”.

Não precisa muito para compreender que princípios e catálogo de valores no Brasil são a tradução daqueles fatos que o século passado nos impôs, quando acima de todos estava o Führer, sem mudar, inicialmente, uma vírgula, foi modificando toda ordem jurídica, até chegar à legitimação formal suprema.

Prometi que não usaria o juridiquês. Asseguro, agora, que a brevidade é proposital, para que o leitor reflita.

O Brasil está à deriva porque os intérpretes já não têm mais limites perante a Constituição. O problema passou a ser político e não jurídico. O jurídico é apenas a embalagem.

Quando a separação dos Poderes passa a ser dispositivo constitucional afastável pelos “princípios subjetivos construídos” e ungidos pela amplitude da “conformidade constitucional” o que se pode ter é uma ditadura que exige a liturgia do cargo, sem compreender (voluntária ou involuntariamente) o encargo funcional. Isto pode ser até autoritarismo sem máscara, mas Direito não é.

Publicado em 

Compartilhe!