CECGP

CENTRO DE ESTUDOS CONSTITUCIONAIS E DE GESTÃO PÚBLICA

CECGP articula suas tarefas de pesquisa em torno de Programas de Pesquisa em que se integram pesquisadores, pós-doutores provenientes de diferentes países.

O MILITARISMO E O JUDICIÁRIO BRASILEIRO, por Sergio Tamer

MILITARISMO NA REPÚBLICA

NOS ALBORES DA REPÚBLICA (PARTE I)

 Iniciamos hoje, na página web do Centro de Estudos Constitucionais e de Gestão Pública-CECGP a publicação de uma série de 4 artigos sobre o papel desempenhado pelo Poder Judiciário Brasileiro, como órgão de cúpula e integrante das funções de soberania do Estado, reportando-nos aos tempos turbulentos da nascente República brasileira. O momento é importante para uma análise histórica, ainda que sucinta, para melhor entender-se os dias de hoje, pois estamos assistindo a uma quadra similar de choques entre os poderes e de questionamentos sobre a legitimidade de controles e de competências, guardadas, evidentemente, as devidas proporções e o contexto histórico diverso.

Por Sergio Victor Tamer*

A primeira Constituição Republicana –  A Constituição brasileira de 24 de fevereiro de 1891, revista por Rui Barbosa, após a condensação de três projetos , e finalmente outorgada pelo Governo Provisório, com forte influência americana, não encontrou aqui, como é notório, as mesmas condições históricas que serviam de suporte para a ordem constitucional dos EUA [1] . SOARES[2] acrescenta que ali “havia tradição e respeito nacional pela Constituição, no prestígio do Congresso e no poder político da Corte Suprema”, resultante do longo processo de elaboração constitucional, precedido de vários encontros de representantes das diversas colônias. Lá, historiou JOSÉ PEREIRA LIRA [3]-, “eram treze colônias rebeladas que se confederavam para a guerra contra a Metrópole; e, depois de grandes esforços, marchavam para a Federação. Aqui, no Brasil havia uma Nação unitária que precisava dar relativa autonomia às antigas Províncias, agora Estados-membros.”

Contrastando com aquela realidade, recorde-se que na primeira eleição presidencial em solo brasileiro prevaleceu a ameaça das forças armadas de que empossariam “por bem ou por mal” o generalíssimo Deodoro da Fonseca e como vice o marechal Floriano Peixoto. Candidato natural à presidência e amplamente apoiado pela caserna, havia uma atmosfera política a indicar que se Deodoro fosse derrotado pelo colégio eleitoral, a Constituinte corria riscos de ser dissolvida e a República passaria a ser uma ditadura explícita, podendo, inclusive, resultar seriamente numa conflagração civil.  Foi nessa ambiência que a Constituição foi promulgada em 24 de fevereiro de 1891, as eleições realizadas dia 25 e Deodoro da Fonseca eleito presidente constitucional do Brasil e Floriano Peixoto, da oposição, vice-presidente.

O projeto de constituição, que teve como artífice o ministro da Fazenda e vice chefe do governo, continha um dispositivo – o 2º das disposições transitórias –   pelo qual deveria o Congresso recepcionar todos os atos do governo provisório, transformando-os em lei. Após intensos debates foi esse artigo retirado da primeira Carta.

Em que pese sua conhecida influência junto a Deodoro, Rui Barbosa precisou agir com muita determinação para que o chefe do governo aceitasse o projeto constitucional. É que havia uma clara dissensão entre os que aspiravam a uma república democrática representativa e os que preferiam uma ditadura sociocrática, do tipo propugnado pelos positivistas [4]. Conta SERTÓRIO DE CASTRO[5]   que “na sessão do gabinete, realizada a 14 de novembro – véspera da instalação da Constituinte – Deodoro pediu aos ministros que fossem feitos alguns retoques no projeto, embora sem positivar quais fossem estes. E acrescentou, com visível irritação, que em vão havia feito esse pedido ao ministro da Fazenda. Formulou, então, uma ameaça mal velada, declarando que no primeiro ano da ditadura tinha sido brando e conciliador, mas desde que se tornasse preciso ser enérgico, saberia sê-lo, guardando embora a necessária calma. Insistiu sempre, sem que nisso aquiescesse Rui Barbosa, em que lhe fosse outorgada pela constituição a faculdade de poder dissolver o Congresso.”  

Congresso: o primeiro choque de poderes – Logo na primeira sessão ordinária do Congresso, instalado a 15 de junho de 1891, verifica-se o primeiro choque entre os dois poderes. Os oposicionistas haviam aprovado, com o apoio de Floriano, Custódio de Melo, Wandenkolk e outros militares, uma lei de restrição aos poderes governamentais, uma lei de responsabilidades que foi entendida como um autêntico impeachment do legislativo contra o presidente  [6]. Deodoro, então, faz publicar o Decreto n. 641 de 3.11.1891 dissolvendo o Congresso e instituindo o “estado de sítio”. O Exército ocupou as casas legislativas, sucedendo-se ordens de prisão e fugas. Deodoro contava com o apoio dos governadores nomeados e que ainda permaneciam nos seus cargos. Eleições foram convocadas, em 21 de novembro, para realizarem-se no ano seguinte, em 1892, nos respectivos Estados. Prudente de Morais e Campos Sales lideraram a oposição que se organizava para depor o presidente. Estoura a greve na Estrada de Ferro Central do Brasil, no dia 22, liderada pelo deputado José Vinhaes. As tripulações do Aquidabã, Primeiro de Março e Riachuelo, na manhã do dia 23 de novembro, tendo à frente Custódio de Melo, rebelaram-se, obrigando Deodoro a renunciar. Nesse mesmo dia convocou Floriano Peixoto para assumir o governo, evitando, assim, uma guerra civil, no episódio que ficou conhecido como a revolta da Marinha.  O país assistia, no primeiro conflito entre os dois poderes, ao primeiro golpe de Estado ainda nos albores da República. Curiosa, pois, a situação de Deodoro: na condição de presidente constitucionalmente eleito, que vai do dia imediato à promulgação da Constituição de 24 de fevereiro de 1891 até à renúncia, em 23 de novembro do mesmo ano, conseguiu governar nove meses, embora tivesse sido eleito para um período de quatro anos. Na condição de chefe do Governo Provisório, manteve-se no cargo por cerca de um ano e três meses, a partir de 15.11.1889, tendo permanecido no poder, ao todo, por um período de 2 anos.

 Para AFONSO ARINOS[7], a Constituição, provavelmente pelo seu artificialismo, foi, desde o início, contestada e violada e o Congresso, que raramente exibiu independência ante o Executivo foi, deste último, quase sempre, comparsa passivo. Quanto ao Supremo Tribunal, diz o eminente jurista: “se teve ele juízes que bem compreenderam suas funções, nunca exerceu o papel eminente que desempenha nos Estados Unidos”.

NOTAS:

[1]          Paulo Brossard, parlamentarista convicto, no ano de 1985, durante um ciclo de conferências sobre a reforma constitucional patrocinada pela Casa de Rui Barbosa, invocando o patrono da Casa, revelou um manuscrito de Rui existente no Arquivo Histórico onde ele se mostra arrependido por haver adotado o presidencialismo na Constituição de 1891 : Como o novo regime, não porque abraçasse o caráter republicano, mas porque cometera o erro, em que eu tive parte de, adotando em toda a sua crueza o presidencialismo republicano, estabelecer um mecanismo, onde, anulando o valor das câmaras legislativas, desarmada a tribuna parlamentar, com esta se desarma a nação e com aquela se anula a opinião pública, substituindo-as pelas oligarquias decorrentes dessa atmosfera de absoluta irresponsabilidade, em que se criam as facções pessoais, e que envolve o poder em todas as esferas.”in O Primo de Rui, artigo de João Batista Ericeira, jornal O Estado do Maranhão, 23.4.1993.

[2]           SOARES, ORLANDO: Comentários à Const. Da Rep. Fed. Do Brasil – Rio de Janeiro: Forense, 1997, p.50

[3]           Por ocasião da palestra A atualidade do pensamento de Pedro Lessa : UNB, Brasília, 14.9.1978 : Sesquicentenário do Supremo Tribunal Federal, edit. UNB, p.82

[4]          BARSA, Enciclopédia: 140-Brasil : vol.3

[5]           Ob. cit., p. 41

[6]          “A fim de reduzir as atribuições do presidente, o Legislativo apresentou, em 22 de agosto de 1891, o projeto da Lei de Responsabilidades, vetado por Deodoro em 23 de outubro. Mesmo assim, o Senado voltou a discuti-lo e, em 2 de novembro, aprovou-o. Em face da Constituição, isso equivalia a não reconhecer o Poder Executivo e a legitimidade do presidente. Só os militares exaltados estavam com Deodoro. Pretendiam radicalizar o regime e não escondiam o desejo de enxotar os membros do Congresso Nacional, que, achavam, eram “coveiros da República.”BRASIL 500 ANOS, p. 584, Editora Abril : 1999, São Paulo, SP.

 [7]           AFONSO ARINOS DE MELO FRANCO: Direito Constitucional – Forense,1981,p.61 apud ORLANDO SOARES,ob.cit., p. 52


  • Sergio Victor Tamer(69) é mestre em Direito Público pela UFPe, doutor pela Universidade de Salamanca e pós doutor pela Universidade Portucalense. Professor e advogado, possui as seguintes obras publicadas sobre o tema: “Fundamentos do Estado Democrático e a Hipertrofia do Executivo no Brasil” – Ed. Fabris, RS,2002; “Atos Políticos e Direitos Sociais nas Democracias” – Ed. Fabris, RS, 2005; “Legitimidad Judicial en la Garantía de los Derechos Sociales”, Ed. Ratio Legis, Salamanca, ES, 2013.

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